Aos poucos o funk brasileiro tem virado produto de exportação. Um dos responsáveis pela internacionalização dessa música periférica é o DJ e produtor Mu540 (lê-se Musão). Da Baixada Santista, litoral sul do concelho de São Paulo, ele é um dos representantes do funk paulista, que possui algumas diferenças do que é feito no Rio de Janeiro, porque tem batidas mais agudas e sujas, como o bruxaria, mas também as dançantes com graves pesados e muitas repetições (como a ritmada e o mandelão). A maioria das músicas são feitas para tocar nos bailes de rua (conhecidos por fluxos), sons automotivos e paredões de som (ao estilo sound system). Ao invés do teor sexual — que também se faz presente em alguns sons — os assuntos estão mais relacionados com marcas famosas, luxo, carros, festas e bebidas.
No caso de Mu540, a principal característica é unir os tambores e cadências pulsantes do funk com elementos de drill, house, rap e grime. Tudo com uma certa sujeira. Os seus mais de 2 milhões de ouvintes mensais somente no Spotify se dividem em autorais e produções feitas para diferentes artistas, de Deize Tigrona a Febem, passando por Irmãs de Pau, MC Taya, Marshmello e Tropkillaz.
Mesmo com essa variedade, a maioria das suas parcerias são feitas com o MC Kyan. Os últimos álbuns assinados pelos dois são Um Quebrada Inteligente (2023) e Dias Antes de Mandrake (2022). Em 2023, ele foi indicado para Prêmio Multishow, uma das principais premiações da música no Brasil, nas categorias “DJ do Ano” e “Produção Musical do Ano”. Agora, novamente na Europa, inicia hoje sua eurotour de 2024 com um set no Musicbox, incluido na programação do MIL Lisboa.
Na sequência, MU540 vai para o Porto (28 de Setembro, onde se apresenta no Hard Club) e depois volta para encerrar sua estadia em Portugal no Bailão LX (4 de Outubro, no Village Underground Lisboa). Em seguida vai para Londres, Barcelona, Paris, Dublin e Amsterdão.
Nos seus primeiros dias em Portugal, o produtor foi ao concerto da Deize Tigrona no MIL Lisboa (que aconteceu ontem, 25 de Setembro), artista com quem fez uma tour europeia em 2023, e também se encontrou com a Jesuton para uma parceria. Essa turnê serve também para ele se conectar com os artistas locais.
“Em Portugal vai ser só ritmada. Grids tortos e muita confusão rítmica, e automotivo e bruxaria pra complementar”, afirma. “Eu estou observando alguns artistas muito bons de Portugal, como King Bigs, Máfia200N e meus manos da Tia Maria Produções”, disse ele ao ReB. “Queremos muito fazer música com esses manos por que eles são muito chave [fixes], muito reais”.
Apesar da popularização fora do Brasil, o funk ainda é um gênero muito discriminado dentro do país, tendo várias ações da polícia, políticos e governantes para criminalizá-lo. Mu540 diz que isso é no mínimo curioso, porque grande parte dos brasileiros que vivem no exterior, quando lidam com o fato de não estar no país de origem, instintivamente sentem a necessidade do pertencimento.
“Assim, instantaneamente, encontram o funk para melhor externalizar essa vontade”, observa. “E os europeus também reconhecem que tem algo a ser defendido, uma bandeira e uma cultura a ser preservada. Isso faz com que o funk seja mais valorizado, porque as dificuldades nos aproximam, cada um fazendo jus a sua realidade. E isso cria um efeito manada e de reconhecimento, consequentemente há mais apreço pelo funk. Porém, por espalhar pra mais gente, a proporção de preconceitos também cresce”.
Diferenciado e visionário, Mu540 foi um dos convidados para fazer uma palestra, em outubro de 2023, com o tema “Funk: história e produção”, na disciplina de Introdução à Engenharia do Som I, oferecida pela Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a 2ª melhor do Brasil e a 10ª da América Latina — de acordo com o QS World University Ranking (QS WUR 2025). Ao lado dele também estavam a DJ Bonekinha Iraquiana, O DJ e produtor musical Caio Prince, e o também DJ e produtor musical Thiago Martins. “Ensinar funk na UNICAMP pra mim não aconteceu”, brinca. “Eu tô sem acreditar até hoje. Foi um dos melhores dias da minha vida e ainda dividi isso com pessoas que eu amo”.
Unir o funk a gêneros musicais que estão enraizados em culturas periféricas de outros países é a estratégia que o artista encontrou para se diferenciar e também abrir espaço em outros mercados. Um dos próximos feats dele será com uma cantora francesa. A parceria aconteceu através do programa de residência e intercâmbio artístico realizado pela Embaixada da França no Brasil, o Institut Français, e a SIM São Paulo, com apoio da BM&A, Groover e o MaMA. O projeto reuniu três artistas brasileiros e três artistas franceses em uma residência artística online de 4 meses, na qual as duplas tiveram a oportunidade de criar uma música inédita e participar de mentorias. Eles se apresentarão em outubro no MaMA, em Paris e, em dezembro na SIM São Paulo, na capital paulista.