pub

Fotografia: Natália Gondim
Publicado a: 26/08/2023

O MC como contador de histórias.

MRCOMEDINA no B.Leza: sexo, drogas e rap teatral

Fotografia: Natália Gondim
Publicado a: 26/08/2023

Não é à toa que MRCOMEDINA arranca a narrativa do seu álbum de estreia com “Coordenadas”, input necessário para que o GPS da mente se situe no espaço certo para entender a narrativa das suas Crónicas de Balazac. E se entre os phones a epopeia rap funciona às mil maravilhas, faltava confirmar a legitimidade do conceito em cima de um palco, tal e qual aconteceu anteontem, 24 de Agosto, no B.Leza.

A promessa de um concerto de rap com forte componente cénica pode causar estranheza à primeira, mas em poucos minutos percebemos o quão bem a coisa se desenrola. Apesar de ser o nome de Marco Medina em destaque no cartaz, esta é uma performance que não se faz a sós, mas sim rodeado de amigos e colaboradores que não têm obrigatoriamente de estar ligados à música. Os personagens que descobrimos através do disco — Vivi, Mohammed, Nathan, Sabrina, Gina, Michelle Sarkozy e Madmoizelle Bruni — ganham vida em cima do palco e, além de contribuirem para o cenário que acompanha cada tema, dão todo um outro significado à transição entre faixas, promovendo uma experiência ainda mais imersiva do que aquela já patente no longa-duração do artista filho de emigrantes e criado entre Lisboa, Porto e Barcelona.

É tarefa quase impossível assistir à apresentação do emergente MC, cuja estreia nos lançamentos de maior porte aconteceu em 2022 à boleia de uma Roda Punk Jazz, sem ter a sensação de que estamos perante uma espécie de Tristany 2.0. O polimata de Mem Martins meio que apadrinhou MRCOMEDINA ao, enquanto curador, convidá-lo para integrar a edição passada do festival Iminente, e este certamente que terá aproveitado para beber um pouco do registo híbrido do artista que defende as cores da Unidigrazz, aplicando os ensinamentos colhidos em tempo recorde. Se Tristany hoje se divide entre os concertos de música e as performances artísticas, Medina funde ambos os universos logo à partida naquele que foi o espectáculo de apresentação de Crónicas de Balazac na capital portuguesa.

Com sonoridades que assentam especialmente no trap e no drill, o leque de influências de MRCOMEDINA é bem mais alargado do que apenas esses dois pontos de referência. A liberdade do jazz, o espírito de sacrifício do blues, a ginga da cultura afro-brasileira e até Kurt Cobain são mais algumas das tais coordenadas que se fazem sentir na música que assina. E se a sonoridade tem asas para voar para bem onde lhe apetecer, também a história que o autor nos conta prima por ser tão inventiva quanto interventiva — o lado lúdico da arte está sempre presente e vai buscar doses de suspense ao sexo e às drogas que tingem a vida dos gangsters, mas não são esquecidos nunca os traços de uma sociedade que teima em marginalizar estes corpos negros que também são pátria, como diria Dino D’Santiago.

Marco Medina pode não ser o maior liricista de todos os tempos nem o artista com mais musicalidade no corpo, mas é certamente uma mente brilhante por conseguir juntar todas as peças, por mais pequenas que sejam, que tem à sua disposição no puzzle que é este seu projecto a solo. E quando se tem um plano bem orquestrado, tudo se engrandece na hora da execução, não importando se se está a tocar com condições principescas na maior sala do país ou num bar refundido por meia dúzia de tostões. Certamente que a sua conta bancária não ficou bem mais recheada após a noite de quinta-feira, mas isso não o impediu de se apresentar com uma produção arrojada, da qual se destaca a presença das Batucadeiras das Olaias, que a dado momento quase nos transportaram para uma gira de umbanda, como se os espíritos de caboclos, pretos-velhos, pombagiras e baianos invadissem o plano dos mortais para agraciar este belo culto.

Apesar de se ter deparado com uma plateia meio que despida, MRCOMEDINA mostra ter total compreensão por aquilo que é o processo de engrandecimento de um artista. “Não me interessa se estão 5, 10, 15 ou 20 pessoas aqui. Eu sei onde vou chegar”, disse já na recta final do alinhamento, ciente de que deu o litro para fazer materializar esta data. Foram quase tantas as pessoas que vimos em cima do palco como as que integravam o público e isso só pode ser sinal que tem noção de que, principalmente no início da caminhada, é preciso dar mais do que aquilo que se recebe. Foi um óptimo cartão de visita para reter na memória dos que marcaram presença no evento que findou à boleia de “Confortável no Fluxo”, banger de maior expressão a constar na tracklist do seu primeiro EP.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos