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Publicado a: 05/12/2018

Mouse On Mars: “Todas as memórias são reconstruções”

Publicado a: 05/12/2018

[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTO] Nicolai Toma

A dupla alemã Mouse On Mars actua hoje na Culturgest, em Lisboa. Dimensional People, lançado este ano, é o disco que Andi Toma e Jan St. Werner trazem na bagagem, um conjunto de 12 canções que contou com participações de nomes como Justin Vernon (Bon Iver), Aaron e Bryce Dessner (The National), Zach Condon (Beirut), Spank Rock, Swamp Dogg, Eric D. Clark, Amanda Blank, Lisa Hannigan ou Sam Amidon.

Antes da apresentação em território nacional, que acontece daqui a umas horas, o Rimas e Batidas falou com Jan St. Werner sobre o novo disco, o lugar da banda na actualidade ou o conceito de tempo.

 



Permita-me uma pequena provocação. Já dá entrevistas há 20 anos: ainda existem questões para se fazer? Não deu já todas as respostas?

Não. As coisas estão sempre a mudar. É como ir ao médico [risos].

Quero começar pelo presente. Qual é o vosso lugar na música em 2018? Começaram por tocar em espaços underground, mas agora apresentam-se em instituições de dimensão estatal, como é o caso da Culturgest. 

Ah, sim, mas é difícil para mim olhar para isso dessa maneira porque uma banda jovem também pode tocar numa sala prestigiada. Acho que hoje em dia as hierarquias não são tão restritas. Penso que é totalmente ao calhas, na verdade [risos]. Com os Mouse On Mars, deixe-me dizer que talvez tenhamos demorado a chegar aos lugares prestigiados, mas chegámos. Para mim, isso não é linear, e nós ainda tocamos nas salas underground ou festivais, viajamos pelo mundo e nem sempre sabemos como é que vai correr a noite. Acho que isso não mudou assim tanto. O que mudou foi: estamos mais conscientes. Podemos tomar decisões e estamos conscientes que podemos mesmo fazê-lo, que podemos reclamar algumas coisas. Especialmente com este último disco, nós percebemos que às vezes somos demasiado tímidos. Pensamos que tudo o que fazemos tem que começar do zero e com este último disco as coisas foram diferentes.

Nós lidamos com uma certa cultura, cultura que nós também produzimos, cultura que as outras pessoas carregam com elas quando colaboramos. Nós devemos estar conscientes dessa cultura e normalmente estamos o máximo que conseguimos. Existem sempre coisas que não se compreendem, que não são imediatamente visíveis, mas isso também se aplica ao trabalho. Nós estamos mais conscientes do background. A cultura pode ser algo que nós arranjamos, sobrepomos, desmontamos. Trazer todos os aspectos de algo que as pessoas achavam estável e monolítico, e aí compreende-se que também se pode abrir isso. Acho que o último disco é sobre isso. Acho que existem tantas coisas que se podem fazer com cada decisão que se toma, com cada passo que se dá. Muda-se o sistema todo e tudo fica em aberto novamente. Mas está a ficar cada vez pior. No início tem-se um campo plano, todas as decisões que se tomam são as primeiras. Agora também podemos fazer primeiras decisões, mas temos uma história, um arquivo e toda essa responsabilidade. De certa forma, estamos mais densos, pesados, ricos e coloridos, e acho que ainda há mais para fazer agora…

E é mais desafiante a nível económico? Viajam com mais máquinas e mais músicos do que antes…

Sim, mas economia e música não combinam [risos]. Ainda existem pessoas que amam discos e nós trabalhamos com essas pessoas, obviamente. Mas mudou completamente, por isso tudo o que se faz vem de diferentes fontes, mas ainda somos uma banda que vendeu discos no passado. Não vendemos um milhão de discos, mas ainda foram alguns. A situação económica tornou-se um desafio em vários níveis, mas não nos ralamos. Continuamos a fazer a nossa cena da maneira que podemos e da maneira que necessitamos. Nós temos sorte por trabalhar sobretudo com amigos. Existe sempre uma troca e tens sempre que encontrar o teu caminho.

Dimensional People tem sido descrito como um disco muito ambicioso. Essa ambição pode significar que tentaram colocar o Homem e a máquina a criar em conjunto. Foi isso que aconteceu aqui?

As máquinas são criações do Homem, por isso se trabalhamos com uma máquina, trabalhamos com um ser humano ou um grupo de seres humanos. E comunicamos com algo que a mente humana produziu. Eu acho que isso é que é desafiante para nós. Eu não gosto quando as máquinas e o software se tornam demasiado genéricos e o interface fica demasiado limpo e impessoal. Eu gosto quando tem idiossincrasias e complicações. E incorporamos todos esses elementos: software produzido por nós ou por amigos, máquinas que comprámos ou modificámos, invenções que ainda temos para fazer ou instrumentos que construímos ou ainda precisamos de construir. Um elemento importante da nossa produção é a difusão da música. Difundir o som num espaço em que já não temos uma perspectiva, mas temos antes sons em todo o lado. Por isso todos estes elementos são desafiantes e importantes para nós. É ambicioso e desafiante porque é muita informação, mas não deixa de ser natural. Faz sentido. Pode-se ver a coisa desta maneira: é como se estivéssemos numa floresta e só víssemos árvores. Depois de passarmos tanto tempo na floresta, nós já não olhamos mais para as árvores. Olhamos para os animais, começamos a reparar no cheiro da terra. Olhamos para as cores e para as sombras. Vemos o sol a desaparecer através das folhas.

Uma armadilha que parecem ter evitado é o fascínio pelo material vintage e analógico. Quando leio sobre os Mouse On Mars, vejo palavras como “digital”, “cibernético” e “robótica”. O que quero saber é: o futuro é mais interessante que o passado?

É uma boa questão. É uma questão filosófica porque não existe passado [risos]. É um conceito, claro. Se pensamos em algo que aconteceu, estamos a reconstruir essa memória. Todas as memórias são reconstruções. Nós simplesmente não acreditamos no passado. Claro que temos progresso e desenvolvimento, coisas que se transformam em outras, mas não é como se uma coisa estivesse a substituir outra. Nós imaginamos ou reconstruímos o que aconteceu antes, mas isso é que constitui o presente. E o mesmo acontece com o futuro. Podemos ficar curiosos, até podemos fazer alguns cálculos do que vai acontecer, mas o conceito é apenas algo que te faz agir no presente. E acho que o conceito de tempo, no geral, é muito complicado, especialmente nos Mouse On Mars [risos]. Deve ser uma das razões pela qual ainda existimos enquanto banda, porque não ligamos à nossa idade. Nós podemos contar histórias do passado, mas normalmente são aborrecidas. Nós estamos interessados em tudo o que podemos agarrar agora e tudo a que temos acesso. Isso se calhar é a resposta à sua pergunta. Nós não estamos interessados no analógico, e algo que é vintage carrega uma certa história. Nós estamos interessados em usar coisas e, se tivermos um sintetizador analógico ou um Moog, nós vamos utilizá-los de certeza, mas só se for satisfatório, e se entregar algo que tenha algum valor. Acontece o mesmo com os músicos com quem trabalhamos. O mesmo com os sítios onde tocamos. O mesmo com as editoras com que trabalhamos. Nós queremos ter uma troca. Nós queremos comunicar. Nós queremos ter um diálogo.

Ia questioná-lo sobre isso: foi essa a atitude que procuraram nas pessoas que entraram no álbum? Existiu uma premeditação ou as coisas simplesmente aconteceram?

Para ser honesto, eu acho que eles se auto-convidaram [risos]. É verdade. Nós não fizemos assim tanto, na realidade.

Só tiveram que deixar a porta do estúdio aberta… 

Sim, absolutamente. Nós mantivemos a porta aberta e toda a gente entrou. E num certo momento nós ficámos por lá e dissemos “já que estão aqui, sirvam-se, sintam-se à vontade, façam o que acham certo”. Acho que no próximo disco nem vamos estar no estúdio. Deixamos tudo ligado e deixamos as pessoas perceberem as coisas por elas próprias e no fim incluímo-nos no processo, mas talvez nem tenhamos que o fazer. Neste disco as coisas encaixaram no sítio e as pessoas foram aparecendo uma atrás da outra. Foi muito divertido e um período muito interessante.

 


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