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Fotografia: Joana Nobre
Publicado a: 15/10/2020

O segundo single do longa-duração sai em Novembro.

Moullinex: “A vantagem de trabalhar com outras pessoas é que elas te mudam”

Fotografia: Joana Nobre
Publicado a: 15/10/2020

“Running in the Dark” é o primeiro avanço do novo álbum de Moullinex. Nesta nova faixa, GPU Panic coloca a sua voz ao serviço do produtor da Discotexas, David Wrench (que já trabalhou com Frank Ocean, Caribou, Sampha ou The xx) faz a mistura, Bráulio Amado fica responsável pela capa e Bruno Ferreira realiza o ambicioso videoclipe.

No vislumbre inicial do sucessor de Hypersex — previsto para sair no próximo ano –, Luís Clara Gomes procura o seu lado mais humano e centra a arquitectura enquanto linha orientadora para “um exercício de luz e sombra”.

Nos MTF Labs, em plena Aveiro Tech Week, o Rimas e Batidas sentou-se à conversa com o músico que, tal como muitos de nós, está desejoso de voltar às pistas de dança.



Sobre este tema: quando é que o GPU Panic entra na equação?

O Tomé entra para Moullinex ao vivo, para a banda, como guitarrista, em 2016, se não me engano. Eu só conhecia o trabalho dele como guitarrista e como cantor, em Salto, outro projecto dele. E só o conhecia a cantar em português. Não tenho nada contra mas a língua em que tu cantas dita muito as tuas cores enquanto cantor, inevitavelmente. Muitas vezes nos soundchecks, além dele ser um guitarrista incrível, cantava algumas coisas em inglês e eu notava outras cores incríveis que ele nunca explorou. Ele estava a fazer música electrónica como GPU Panic — tinha acabado de vir da Red Bull Academy, em Montreal — mas não estava a explorar essa parte cantada na música mais electrónica dele. De certa maneira fui picá-lo nesse sentido, para começarmos a trabalhar juntos. O primeiro tema que gravámos juntos foi ainda no Hypersex, o “Painting By Numbers“, um dos meus temas favoritos do disco. Neste processo de trabalharmos juntos, tínhamos tantas afinidades estéticas e quase filosóficas, que acabámos por decidir compor juntos.

Portanto, não és tu que estás a trabalhar sozinho no tema e de repente lembras-te que o Tomé encaixava bem ali…

Não. Aliás, neste disco novo que tenho estado a gravar não há features nesse sentido. São verdadeiras colaborações. Já tive a experiência e também já tive a experiência de estar no lado de lá, de ser convidado para misturar um tema, em que já não há input sobre a direcção do tema mas eu levo-o no meu caminho. Eu acho que a vantagem de trabalhar com outras pessoas é que elas te mudam. À partida, quando é uma colaboração que faz sentido, o resultado final é uma música que não podiam ter feito em separado mas também é mais do que a soma das partes. E, não só isso, há uma parte que eu gosto muito: eu aprendo no processo. Aprendo muito no processo e mudo como ser humano. Isso aconteceu muito neste disco porque procurei dar espaço às pessoas para fazerem dos temas mais seus. Claro que depois o trabalho de ligar isto tudo sobra para mim [risos].

E isso tudo foi feito quando?

Começou em Maio de 2019. A grande parte do disco já estava gravada no final do ano de 2019.

Então o “Running In The Dark” nunca foi um single, mas já uma peça de um puzzle maior?

Sim. Este é o primeiro tema do disco a ser revelado mas o disco já estava finalizado em Março. Fechei a mistura com o David Wrench uma semana antes de ter sido declarado o confinamento obrigatório. De certa maneira, foi um bocado…

… premonitório, é isso?

Até decidi adiar um bocadinho o lançamento da música porque não queria que soasse oportunista. Este é um disco cinzento, com cores mais melancólicas, para mim. É um disco que foi feito numa fase em que eu atravessei algumas perdas, em que atravessei alguns sustos, e obviamente a minha reacção instantânea foi: “Tenho estado a fazer música de festa, tenho estado a fazer música expansiva e com glitter… O que é que eu faço?” Decidi abraçar isto e assumi-lo como meu. O que eu era e o que senti enquanto estava a fazer o disco e a pessoa em que me tornei depois é uma pessoa em que estas cores existem. Eu sou uma pessoa positiva, optimista, feliz, mas há melancolia e eu queria que isso tivesse naquilo que eu ponho cá fora como artista também.

Neste primeiro vislumbre daquilo que vai ser o teu próximo álbum — e penso que a tua ideia será lançá-lo em 2021 — que nuances de Moullinex é que achas que estás aqui a revelar e que as pessoas ainda não conheciam?

Pensando de ponto-de-vista filosófico, acho que estou a dar mais espaço à humanidade da coisa. Se bem que isso, muitas vezes, do ponto-de-vista estético, se traduza em menos organicidade. Primeiro há o lado da humanidade, que é o dar muito espaço aos vocalistas e às vozes para estarem front and center e terem as emoções associadas à performance bem presentes. Isso traduz-se esteticamente em muito mais electrónica, não sei bem porquê.

Tu dizias-me ontem — e isto é estar a aproveitar-me de inside information que me deste durante a viagem que fizemos juntos — que não há flautas, não há guitarras nem baixos eléctricos… Resolveste procurar mais o espírito dentro da máquina.

Sim. De certa forma eu acho que é como quando tu tens uma parede de cimento e pões lá uma flor justaposta a essa parede. A flor vai estar muito mais evidente porque está numa coisa tão austera. Tentando também não ser muito cheesy, se a parede de som que eu fizer for austera, electrónica, qualquer coisa mais emocional, como uma voz ou as cordas de uma harpa, vão ter um palco muito maior. Acho que é também um exercício de luz e sombra mais arquitectónico.

Sentes que tens alguma referência assim mais evidente?

É a arquitectura. Eu gosto de pensar em conceitos vagos o suficiente para me deixarem fazer coisas mas também castradores o suficiente para ter limitações, porque isso ajuda-me a criar. E via o Hypersex como teatro/cinema e este vejo mais como arquitectura.

O que é que me podes dizer sobre o vídeo que acompanha o tema? Qual é a intenção ou a história que o vídeo conta?

Quando me sentei com o Bráulio Amado, o Bruno Ferreira, que é o realizador, e Tiago Vallechi, que é o stylist, para pensarmos no vídeo, uma coisa que eu tinha muito presente e gostava de retratar neste tema é uma quote do Carl Jung, que é: “How can I be substantial if I do not cast a shadow? I must have a dark side also If I am to be whole.” Esta era a única coisa que tínhamos de início e isso deu-nos logo as interpretações literais, como a sombra e a luz, mas também a parte da natureza humana, de ser inescapável. Isso conduziu a uma conversa com o Kalaf, sobre como traduzir esta ideia para uma conversa entre crianças. Claro que o caminho foi a fábula. Aí utilizamos a fábula do escorpião e da rã, de como o escorpião não consegue escapar à sua natureza e acaba por ferrar a rã mesmo quando a rã está a atravessar o rio. Isto depois transforma-se numa viagem, numa ópera quase, com acrobatas equestres, a Olga Roriz a voltar a dançar depois de anos sem o fazer, a Joana Ribeiro interpreta duas personagens diferentes, uma do bem. outra do mal, ou uma da luz e outra da sombra, a Lola faz de uma personagem juíza, que é ao mesmo tempo uma mulher transgénero negra — a justiça é tudo menos isso. Depois a banda entra…

Essa visão maximal, que, imagino, implica muitos recursos, articular muitas vontades, é completamente contra-corrente numa altura em que as pessoas estão quase só a fazer lyric videos e pouco mais, não é?

É verdade, Rui. Quando demos conta, isto estava a ficar assim [enorme]. Porque nós partimos de uma coisa muito menos ambiciosa mas depois juntou-se muita gente com muita vontade de fazer e também acho que se sentiram identificadas com a direcção arística do projecto todo. Então toda a gente se chegou à frente com ideias, com recursos e com vontade. É uma conclusão que eu tiro daqui: por mais adversas que sejam as condições que vivemos, para os artistas a vontade de fazer é tão grande que as pessoas se entregam. E eu só me posso sentir privilegiado pela pessoas quererem trabalhar comigo assim desta forma.

Melancólico ou não, esta tua última música continua a impulsionar-nos para uma pista que ainda tarda em reabrir. Quais são os teus sentimentos enquanto homem que produz música de dança, sabendo que o teu palco principal está em causa neste momento?

Eu acho que nós enquanto espécie vamos sempre querer dançar. O ritual de comunidade da pista de dança vai ter de ser recuperado.

E vamos dançar onde, no zoo? [risos]

Espero que não. Mas se tiver de ser até que possamos voltar a dançar abraçados… Tem de ser. É inevitável. Num mundo em que está cada vez tudo mais digitalizado, haver uma vontade de irmos para um sítio escuro, cheio de humidade, strobs, juntos em amálgama, a tocarmos uns nos outros…

Parece quase utopia, não é?

Parece que foi há décadas. Temos todos muitas saudades disto. Portanto eu só posso é esperar que, quando houver uma normalidade que seja segura outra vez, as festas vão ser incríveis. Isso eu posso dizer. [Risos]

E passos seguintes: o álbum está programado para 2021 mas o que é que vai acontecer entre o “Running In The Dark” e a saída do disco?

Por causa da ideia que eu tive, de deixar as músicas respirar e que fossem experienciadas individualmente ainda que fazendo parte de um todo, eu queria dar tempo para se ouvir cada um dos temas. Isto também porque sempre fiz EPs/álbuns de remisturas de discos meus mas ao mesmo tempo pensei: em vez de lançar isto tudo, que também é ingrato para os remixers porque às vezes só se ouve um ou dois remixes dos temas, decidimos fazer, com muito esforço da Discotexas, porque isto é um projecto muito ambicioso, lançar um single e 15 dias depois um remix. Depois outro single, outro remix… Nem todos os singles são canções. Nem todos são propriamente… Alguns são mais focados, obviamente, nos DJs, outros mais focado no público consumidor de canções… Mas a ideia é essa. 15 dias depois de ter saído a “Running In The Dark” sai um remix do Seb Wildblood, um produtor inglês. O segundo single sairá em Novembro e foi feito com uma cantora dominicana em Nova Iorque. Quando falo de música feita em Nova Iorque parece que foi há décadas [risos]. Viajar para fazer música parece tão longínquo agora…


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