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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 24/10/2023

A mensagem como varinha capaz de mover massas.

Morad no Coliseu dos Recreios: um rapper que se tornou mago e fez sonhar em uníssono

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 24/10/2023

Para quem se questiona sobre o que ouve a juventude em 2023, na noite de sábado, às portas do Coliseu dos Recreios em Lisboa, encontrava uma parte da resposta. A fila de jovens ansiosos por ouvir Morad estendeu-se pela rua das Portas de Santo Antão até ao dobrar da esquina. O rapper iniciou neste concerto a sua European Tour 2023 e tem enchido grandes salas de espetáculos no Estado Espanhol onde, em 2022, foi o artista emergente mais escutado no Spotify, dentro do género drill.  

Morad nasceu em Barcelona em 1999 e cresceu num bairro na periferia desta cidade, em Hospitalet de Llobregat (La Florida). Filho de pais marroquinos, e sob essa influência cultural, o seu percurso acabou por ser muito semelhante ao de jovens que vivem e crescem em bairros periféricos de grandes cidades, onde os deveres são constantes, com repressão policial e exploração, e os direitos são difíceis de alcançar. Teve um pai ausente e uma mãe que ele considera ser a pessoa mais importante da sua vida, a quem dedica canções. A sua vivência no bairro declara-se nas suas letras: a brutalidade policial, as injustiças sociais, a pobreza, a ausência de futuro. A sua música é a música das ruas, no sentido mais duro do termo. Foi um adolescente rebelde, o que levou a que a mãe perdesse a sua guarda, tendo ficado anos num centro de menores, vulgarmente chamado de reformatório. As suas letras trazem, por isso, uma mensagem muito forte e crua da realidade. Na sua música há mistura de diferentes géneros dentro do hip hop: drill, trap, afrobeat e afroswing, entre outros. Podemos também encontrar elementos de géneros tão distintos como flamenco ou música eletrónica, nomeadamente algo mais abrangente como eurodance e house music. Já lançou vários singles e tem dois álbuns: M.D.L.R. e Reinsertado. Como outros rappers da sua geração, tornou-se conhecido pelo lançamento das suas músicas na plataforma YouTube.

Com o Coliseu esgotado, Morad entrou em palco sob forte emoção do público, que erguia os seus telemóveis para registar aquele primeiro instante, aquele momento emotivo que trazia para junto de si alguém que, apesar de tão jovem, já toca de forma intensa a mente e as emoções de tanta gente. Durante mais de uma hora, Morad tocou músicas como “Carretera”, “Anguantando”, “Soñar”, “Mama me dice”, “Se Grita”, “Normal”, “Pelele”, entre outras. Sempre com a energia nas alturas, tornou-se o feiticeiro que todos esperavam que fosse e uniu todas as energias que fluíam pela sala numa só onda de simbiose coletiva, com todo o público a cantar em uníssono as suas canções. Essa magia coletiva gerou um encontro belo de seres humanos distintos — a sua música de denúncia e revolta, mas também de amor e festa, serviu para unir os indignados, os não abnegados, os que questionam e os que querem apenas festejar e sentir o som. E Morad festejou, sempre com uma certa dose de melancolia, algo tão seu, mas também questionou, e muito. Morad não é aquele artista que entra em palco e apresenta a sua música sem falar com o público, o que também é válido, e não há mal nenhum com isso. No Coliseu dos Recreios comunicou, questionou, agradeceu constantemente, percebendo-se que essa comunicação se tornou uma característica sua quando, algumas vezes, parou uma música a meio  por entender que tinha algo mais forte para dizer, como quando parou de cantar para avisar que alguém na plateia se sentia mal e esperou que os seguranças a levassem, ou quando avisou que não deveriam empurrar uma criança que estava na fila da frente a assstir. Morad parecia o maestro que dirigia o seu público — algo bastante humano e que fez lembrar um pouco a atitude do rapper brasileiro Mano Brown nos seus concertos. Houve vários momentos emocionalmente bonitos e um dos episódios fortes da noite foi quando Morad, ao som de ovações, apontou para alguém que levantava a bandeira da Palestina e lhe disse, de forma emotiva, que era a pessoa mais importante que tinha ido ali. Morad é um artista que já manifestou nas suas redes sociais o apoio ao povo palestiniano. E tudo fez sentido, conhecendo a sua origem, o seu percurso e a sua mensagem.

O espetáculo de Morad poderá suscitar várias questões de natureza filosófica a uma geração menos jovem, sobre o que se entende por arte e música, como o facto de existir apenas um DJ em palco a acompanhá-lo, colocando em causa a qualidade ou não do artista. Mas há fenómenos musicais que são assim mesmo, e o resultado final, como no caso de Morad, é muito valioso. A sua voz quente, a sua fluidez na palavra e no som, a sua forma genuína de retratar a realidade quotidiana dos que mais sofrem na sociedade, a sua forma de embalar os corações quando fala de amor, fazem deste rapper um artista singular. E para quem diz que a juventude de 2023 não pensa e ouve má música, aqui fica a resposta.


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