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Publicado a: 18/07/2017

Moor Mother: As revoluções também se fazem em palco

Publicado a: 18/07/2017

[TEXTO] Diogo Santos

Não tarda estamos em 2020 e as boçalidades que deturpam e distorcem a capacidade de sermos bons uns para os outros são, mais coisa menos coisa, as mesmas dos séculos XV ou o XVI. Milhões de livros, filmes, peças, pinturas, discos, aulas, cursos, reuniões parlamentares, colóquios, cimeiras, pós-graduações, doutoramentos e tertúlias depois, ainda por cá estamos a medir pigmentações da pele. Camae Ayewa, ou Moor Mother quando a arte chama por ela, é uma jovem-adulta numa missão. É pela cultura negra. É pela história. É pelas mulheres. É pela poesia. É pela educação. E é, não te enganes, por mim e por ti.

 



Camae Ayewa deu os primeiros passos em Maryland, onde se fascinava com a capacidade que a comunidade tinha para criar as coisas que não existiam. Do rapaz que arranjava as bicicletas do bairro, ao homem que tinha carro e que, por isso mesmo, era um taxista ilegal, sem a aplicação e os pagamentos electrónicos. Depois mudou-se para Filadélfia afim de estudar fotografia e é aqui, ou lá, onde agora Moor Mother aponta para o futuro, tentando ser rosto e voz de todos os seus antepassados. “Como é que podemos aprender com o nosso passado, para imaginar o futuro que queremos para todos nós?”, questionou em entrevista ao The Guardian. Calma. Não tarda e chegamos à música. Seria um pouco redutor, acreditem, atalhar já para esse detalhe de uma tão fascinante e exemplar poetisa, activista, professora, treinadora de basquetebol… Camae Ayewa ergue com todas as forças a bandeira do afrofuturismo (ver Basquiat, Renée Cox; ouvir Sun Ra ou até o garoto Vince Staples; ler a BD do Black Panther; etc). Em todas as suas formas de actuação – do palco até às salas de aula – procura educar e reeducar a comunidade. Batalha para que não se apaguem as memórias (“Muitas pessoas pensam que nós começámos na escravatura, mas fomos exploradores antes disso”, afirmou em conversa com o The Guardian). E luta para que todos, sobretudo os que dão de caras com o trabalho desenvolvido pela Black Quantum Futurism, construam um futuro mais justo e consciente.

 



Agora a música. Moor Mother abanou o universo com o disco de estreia Fetish Bones, em 2016. Em poucas e simples balizas, Camae define a sua obra com duas palavras: “slaveship punk”. Rótulo estranho e duro, mas que faz sentido. Em pequena, fez parte de coros de gospel e teve um grupo de rap, as Sister Soldier. Fartou-se do quão orelhudo o rap se tornara, e percorreu as estradas do reggae e do ska. Foi baixista e vocalista de bandas punk, nomeadamente as Girls Dressed as Girls e os Mighty Paradocs. Algures em 2012 atirou-se para a criação de material a solo, com imensas composições a serem colocadas na sua página de Bandcamp. A génese de Moor Mother estava toda aqui: poesia, punk, hardcore, spoken-word – “A poesia é o meu hardcore”, revelou, em entrevista à Pitchfork.

Em Fetish Bones, estávamos a chocar de frente com camadas sonoras cheias de cicatrizes e letras viscerais, repletas de sangue, raiva e força. Investigação e re-investigação da cultura negra. Laivos de hip hop, algum jazz, electrónica experimental, ruído. E punk, sobretudo na atitude. Em The Motionless Present, recentemente editado, repete a receita e enfatiza ainda mais um dos outros temas centrais para Moor Mother, a subjugação da mulher. Neste capítulo, vale muito atentar à performance 14 Hours. Sim, o título fala por si.

 



Bom, Moor Mother passou por cá em Abril passado, nomeadamente no Café Au Lait, no Porto, na ZDB, em Lisboa, e no Salão Brazil, em Coimbra. Daqui a uns dias, a 22 de Julho, o Milhões de Festa será palco de outra manifestação liderada por Camae Ayewa. Ela vai gritar convosco. E é para vos acordar, que a revolução pode muito bem dar-se num palco em Barcelos.

 


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