Não são as fotografias de Zeca Afonso com as quais Afonso Branco se foi cruzando corredor fora ao longo da sua infância, mas é em sua casa, precisamente de frente para uma parede forrada a fotografias emolduradas, que, debaixo das luzes ténues de uma sala-de-estar escurecida por uma noite chuvosa nos arredores do Lumiar — em tom de Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto —, reencontramos os autores de Manifesto do Jovem Moderno.
Quando o assunto é a modernidade, ainda para mais nesta história recém-nascida, tempo há para tudo mudar em menos de nada. Novamente em confidência com André Ivo e o próprio Afonso Branco, garantem-nos agora eles que, em matéria de Miss Universo, estes meses terão sido completamente transformadores em relação a um álbum de estreia que, segundo havíamos apurado, estaria praticamente fechado. Não só, porém, sobre esse trabalho, editado faz por esta altura um mês, mas sobretudo em quem se propôs a compô-lo. E nesse sentido nada como um choque frontal com as certezas e convicções de ontem que hoje mais não lhes servem ao espelho.
Hoje, esse reflexo é, para ambos, bem mais nítido, mais seguro na fragilidade de quem invariavelmente ainda acusa dores de crescimento, mas que as assume como única forma de chegar ao outro lado da ponte — que é o caminho que, para já, escolhem percorrer. A começar, justamente, hoje, dia 15 de Novembro, no Musicbox, em Lisboa, para apresentar em palco o seu primeiro disco de originais. Segue-se o Porto, nos Maus Hábitos, dia 21 deste mês.
Da última vez que falámos, revelaram-me o título do vosso álbum, e já na altura me disseram que o álbum estava praticamente fechado. Editá-lo só agora foi apenas uma questão de planeamento, ou ainda houve espaço para alterações ao longo destes meses?
[André Ivo] Esse planeamento do lançamento, de um modo geral, ficou bastante fixo. O que mudou mais no álbum, desde a última vez que falámos, foi que algumas coisas saíram, outras entraram. E nesse aspecto houve ainda algum processo de metamorfose, mas no geral está tudo bastante consistente com o que estava em Abril.
[Afonso Branco] Nós falámos em Abril? Então houve coisas que mudaram — nós ainda não tínhamos ido para estúdio…
[André Ivo] Exacto, mas o planeamento em si…
[Afonso Branco] Sim, mas houve decisões importantes; houve uma canção que saiu.
Saiu para entrar outra?
[Afonso Branco] Saiu a maior parte da canção, e dali ficou o interlúdio com o mesmo nome. Mas a canção enquanto canção saiu. Foi uma das grandes mudanças do que tínhamos planeado até ao final. E depois, fora isso, todas as canções ficaram muito diferentes daquilo que nós imaginávamos, porque há sempre mudanças em estúdio, trabalhámos com pessoas com quem nunca tínhamos trabalhado, com instrumentos que nunca tínhamos trabalhado, e com géneros que nunca tínhamos trabalhado. Portanto, surpreendeu-nos e as coisas evoluíram: fizemos, também, uma coisa que nunca tínhamos feito, que é uma canção em que não sou só eu que canto — ou eu ou o André —; trouxemos uma pessoa de fora. Isso já estava planeado, mas também andou para a frente e para trás com duas ou três opções, e acabámos por ficar com uma amiga nossa — e que gostámos muito da versão final. Nesse sentido, acho que as coisas mudaram um bocadinho em termos do planeamento que tínhamos em Abril.
[André Ivo] Claro, claro…
Ficaram muitas canções na gaveta, ou eram sobretudo ideias que não chegaram a canções?
[André Ivo] No panorama geral do que é Miss Universo desde a fundação, isto não é algo novo. É uma coisa recorrente deixarmos coisas para trás. E desde Novembro/Dezembro do ano passado, mandámos fora 90% do nosso reportório.
Porquê?
[André Ivo] Acho que vem de uma naturalidade de evolução. E na altura em que começámos éramos muito inexperientes — ainda somos. Ainda havia muito o fascínio inicial, especialmente no primeiro concerto, e sinto que, de acordo com essa inexperiência, às vezes forçávamos a existência de alguns temas que, à medida que o projecto se foi cimentando e ganhando pernas e identidade, fomos percebendo que não tinham espaço. É muito fruto de um processo de evolução, e este novo reportório que temos vai muito mais ao encontro daquilo em que acreditamos.
E já conseguem resistir ao impulso inicial de acharem que uma canção que compuseram na hora é a melhor coisa que já fizeram, e darem-lhe o devido tempo?
[Afonso Branco] Eu dou uma noite. Estou a falar por mim: se a canção sobrevive até à manhã seguinte, ou seja, se eu acordo no dia a seguir e ainda gosto, é porque é muito diferente do resto, do que é habitual. O mais habitual é eu estar à noite — porque é aí que nós fazemos, à noite — a gostar, e depois, nessa semana, querermos esquecer isso. Porque és outra pessoa a ouvir aquilo; já não és a pessoa que compôs.
Mas há muita gente que descreve o período de criação como um processo em que se gosta do que se criou na hora, a seguir deixa-se de gostar, e depois volta-se a gostar novamente. Também passaram por esse processo?
[André Ivo] Exacto, é cíclico e bastante comum. Há sempre o período inicial de fascínio, porque era uma coisa que não existia, uma coisa nova. Estou a descobrir algo, apesar de estar a criar ao mesmo tempo. Depois há a consequência inevitável que é a repetição: estou sempre a ouvir a mesma coisa e parece que já conheço esta música há dez anos.
A saturação.
[André Ivo] Exacto, a saturação. Depois existe o período em que se esquece, se desapega. E quando há esse reencontro, volta um bocadinho a essa fase de fascínio. Mas é lixado — falo por mim —, muito raramente voltar a esse fascínio significa pegar naquilo outra vez. Parece que já há ali uma relação que tem alguns problemas, e que terminámos o relacionamento e, certo dia, lembro-me dela. Depois há algum problema em reatar, porque vem associado a um período em que eu não gostei disto. Eu sinto que se ganha um certo rancor às coisas, e mais vale dar lugar a algo novo. Por isso é que o ciclo da gaveta é uma coisa muito chata, e sinto que às vezes se podem perder coisas valiosas. Daí os ouvidos externos serem muito importantes. E isso até se traduziu um pouco no álbum, porque algumas canções que estão no álbum eram coisas da gaveta. Isso foi uma coisa muito benéfica de termos trabalhado os dois juntos: onde faltava alguma…
[Afonso Branco] Confiança.
[André Ivo] … era possível ser reposta pelo outro. Portanto, nós meio que contrariámos um bocado o ciclo da gaveta.
Em relação ao título do disco, queria focar na parte do “jovem moderno”. Vocês não são propriamente o estereótipo do jovem moderno da vossa geração, mas também não me parecem saudosistas de um tempo que não o vosso. O que representa para vocês este “jovem moderno” em nome de quem se afirmam?
[Afonso Branco] Eu gosto bastante do nome porque o jovem moderno pode significar duas coisas — e tu falaste de uma delas: o “jovem moderno” enquanto a juventude no panorama actual. E nisso nós nunca conseguimos falar por toda a gente. Mas depois tem o “jovem moderno” que é o André e eu. Quando dizemos o “jovem moderno”, não acho que estejamos a falar por todos, porque nós não estamos nessa posição; não temos esse direito. Eu concordo contigo quando dizes que se calhar não nos enquadramos naquilo que é o estereótipo do “jovem moderno”. No entanto, o que eu acho que é interessante no nome é avisar que há jovens modernos assim. É marcar a nossa posição dizendo, lá está, que o “jovem moderno” não é esse estereótipo. Não tem que ser esse o nosso rumo. Porque acho que vem desse sítio de descontentamento com o “jovem moderno”. E como estamos um bocado descontentes, é avisar que não há só isso. É um bocado como o parlamento: apesar de haver uma maioria, não há só aqueles dois partidos disponíveis, essas duas opções. Depois, quem governa são sempre os dois maiores partidos — isso é outra história —, mas por alguma razão não há só o Governo e a oposição. A lógica é um bocado a mesma nesse sentido. E eu acho que o “jovem moderno” é muito mais o André e o Afonso do que o “jovem moderno” geral.
Portanto, a modernidade é simplesmente cronológica.
[Afonso Branco] Sim, sim. E isto foi uma dúvida que eu tive no início, que eu tinha esse medo que isto fosse levado para “eles estão a falar por nós”. Eu não quero isso, e esse era o meu maior medo: sermos vistos como líderes ou porta-vozes do “jovem moderno”. E depois, ao longo do álbum, como a maior parte das canções são na primeira pessoa [do singular], isso acaba por cair um bocadinho por terra. Principalmente a primeira canção, que se chama “Manifesto do Jovem Moderno”, acho que essa canção tira esse peso, esse medo que eu tenho, e tranquiliza-me — por isso é que deixei de ter esse medo. Mas acho que é importante essa parte ficar clara.
Sobre essa vossa própria convicção, é mais do que evidente desde os singles que lançaram ao próprio álbum, e até mesmo na forma como se apresentam ao vivo, há uma mensagem política subliminar na vossa música. Se isto não se tratasse de música, e se a componente musical não fosse a prioridade, de que é que se trataria o vosso “manifesto”?
[André Ivo] Eu acho que, mais importante do que expor o nosso manifesto numa moldura, é tê-lo no modo de estar. Não se lança um álbum, um livro, não se faz uma peça, seja o que for, para o fim de “vejam o que eu penso”. A finalidade é que isso eventualmente possa ressoar em alguém. E acho que, fora a vertente técnica e artística de apresentar este tipo de coisas, o núcleo está em levar o manifesto na maneira como somos, na maneira como estamos, e na relação que temos com o mundo e com as pessoas.
[Afonso Branco] Desculpa, deixa-me só acrescentar uma coisa. O que ele está a dizer é completamente certo: não é uma consequência, é uma condição; não é por causa deste álbum que temos de ser assim, é por sermos assim que podemos fazer este álbum. É diferente. Que é isto que ele está a dizer.
[André Ivo] Sim, e todo o processo de criar um álbum está repleto de dúvida. É normal, é inerente a ser músico: a constante dúvida, a constante falta de confiança. E perde-se o amor pelas coisas — todos os projectos têm uma forma de nos partir o coração de uma maneira ou de outra. Mas acho que é essencial que não se perca de vista a honestidade que temos perante isso, que é uma coisa difícil. Porque, lá está, é um mundo que, devido a esse constante bombardeamento de falta de confiança, começa-se a questionar um bocadinho a honestidade da coisa. E eu acho que, no final de contas — seja de que forma for a exposição do que sou —, o importante é ter a certeza que estou a fazê-lo de forma honesta. Porque senão estou a burlar pessoas; estou a enganar-te, estou a ser um charlatão. E como são temas sensíveis e que nos são queridos, a honestidade advém muito do respeito que temos pelas coisas. Isso é uma característica da qual estou muito orgulhoso neste projecto: a necessidade de ser vulnerável e honesto.
[Afonso Branco] E até foi por causa disso que nós cortámos uma das canções. Porque era uma canção que nós adorávamos, só que encontrámos ali um grande dilema — e fui eu porque era que que estava ali a passar a mensagem: estava com essa sensação de enganar, não estava a ser compatível. Principalmente em palco — porque em palco é outra coisa. Em estúdio, a ideia é tornarmos as canções o melhor possível. Depois, em palco, somos nós, as pessoas estão a ver-nos, está ali um boneco a acontecer. Portanto, é como no teatro: temos de estar completamente despidos e entregues às coisas. Porque se não estivermos… e tivemos n casos este ano em que aconteceu isso, porque estávamos com a cabeça noutro lado. E os concertos até podem ter corrido bem em termos de concerto, mas para nós não correram; porque eu não era eu, não estava concentrado. E os melhores concertos, para mim, são os que nós estamos mais verdadeiros, quer eu, quer o André, quer os outros três. Um bom concerto é um concerto de onde a pessoa sai cansada, sai a pensar.
Mas quem é o juiz disso? Porque o público pode achar honesto e profundo, mas também podem ter um público que não está interessado nessa honestidade e profundidade.
[André Ivo] A preocupação não tem que estar em se achas que a música ou a obra de certo artista é super profunda. Acho que isso é uma atitude errada. O exercício que eu gostava que houvesse mais é o de tentar ir pouco à raíz das coisas. E digo o mesmo da nossa música: ela também falha em vários aspectos, não é o opus magnum da profundeza; mas também é uma tentativa de, é honesta nesse sentido. E ficarei bastante feliz se através de nós descobrirem outras pessoas, perceber que há um escadote e que, se calhar, não somos a peça final. Acho que é um óptimo exercício para pessoas que gostam de música, que consomem arte, ir à raíz das coisas e perceber que, no fundo, nós somos ladrões — à descarada. E para responder à tua questão de quem é o juiz, não se precisa de um juiz; acho que se precisa de um juízo… não é educado, mas muito mais…
Fundamentado?
[André Ivo] Fundamentado!
[Afonso Branco] Eu gosto da palavra educado, também…
[André Ivo] Certo, mas isso acho que são coisas diferentes. Acho que não há grande necessidade de fundamento hoje em dia, porque se não nos é apresentado de forma óbvia — e isso tem a ver com a questão da alienação cultural e social das pessoas —, é muito difícil fazer-nos lá chegar. E espero que o nosso projecto também sirva disso. Não tenho problema nenhum que o nosso projecto seja uma ponte para outra margem, e esse também é um exercício que fazemos quando tocamos versões ao vivo — por alguma razão estamos a tocar aquelas canções de outras pessoas.
Sobre essa ideia de ponte, e tendo em conta o cariz político que trazem para a vossa música, qual é para vocês o papel de um músico que não se resume à sua música? Pegando desde logo pelos exemplos mais óbvios que vos servem de inspiração, desde Sérgio Godinho, Zeca Afonso, ou o próprio José Mário Branco, o que é que reconhecem neles para lá da música que procuraram aplicar no vosso caso?
[André Ivo] Eu acho que é uma definição um pouco perigosa a questão do “papel”. Ou seja, há o “papel” no sentido da importância que tem, e o “papel” no sentido da função que desempenham por si. Acho que quando se fala do papel que um artista tem, há que separar essa função. Porque não é uma questão de obrigação. Acho que o papel que o artista desempenha nessas questões — agora falando de questões mais sociais e políticas — advém de fazer o tipo de arte e dizer o tipo de coisas que lhe faz sentido, e que através das quais é honesto.
Eu percebo essa separação na questão do “papel”. Mas interessa-me mais entender o papel que vocês próprios assumem nessa forma de estar, independentemente se as pessoas cobram ou não essa responsabilidade.
[André Ivo] Isso é algo auto-imposto, e há pessoas que têm urgência em colocar esse polícia dentro de si. Acho bem que assim seja, mas há pessoas que não têm e isso não significa que não há um papel inerente a toda a gente. Não há um Excel, uma folha quadriculada com os artistas e a sua função. Isso é errado, não existe, é fugazi. Existe o papel que eu me imponho a mim mesmo, não o que os cantores da minha laia impõem. Há o papel que eu me dou a mim mesmo, e o papel que eu desempenho na sociedade pode ser completamente diferente — mas nesse papel eu não tenho mão, não me cabe a mim. Eu tenho um papel, de certeza, diferente do Afonso. Neste projecto, conseguimos chegar a um encontro necessário, mas, apesar de olhares para o nosso projecto e achares que temos o mesmo papel, eu não sinto que tenha o mesmo papel auto-imposto que o Afonso tem — e isso é normal. Não sei se estavas mais a perguntar se sentimos que temos responsabilidade…
Não é se sentem que têm responsabilidade numa perspectiva moral, mas sim se, independentemente de como as pessoas percepcionam o vosso papel enquanto músicos politicamente vocais, como é que vocês próprios encaram esse papel. Nesse sentido, o projecto veio a tornar-se naquilo que inicialmente projectavam?
[André Ivo] Eu acho que não, no sentido em que o projecto sofreu do processo natural que é a evolução. Quando começámos isto — e não foi há muito tempo —, houve um grande salto de ambos nas coisas que ouvimos, que consumimos; da posição que temos e da posição que queremos ter. Nos primórdios da coisa, nós tínhamos canções que eram impensáveis sair agora.
[Afonso Branco] Dá um exemplo.
[André Ivo] “Vem Dançar”.
[Afonso Branco] Ei! Pois é… [risos]
[André Ivo] Tínhamos coisas impensáveis. E é natural, porque na altura ainda estávamos a aprender a estar. E à medida que vamos aprendendo a estar, o projecto evolui de acordo. Portanto, nesse sentido, não, é natural que o projecto não corresponda àquilo que era no início — até mesmo musicalmente, tínhamos uma ideia completamente diferente. Agora, na outra questão de “papel”, sinto que tenho a responsabilidade de ser verdadeiro e honesto, mas não acho que haja um papel inerente. Mas, por exemplo, há uns dias, estava com a minha irmã, que tem 13 anos, e estávamos em casa a jantar. Estava a dar uma playlist no Spotify, e a certo ponto, por pura coincidência, começa a dar a “Chulinha” do José Mário Branco…
[Afonso Branco] “Eu vim de longe (…)”
[André Ivo] Sim, sim. Começa com a chula. E ela olha para mim e diz: “Isto é como o ‘Manifesto’!” Aí foi um exemplo muito próximo de ponte, e se calhar o papel que eu estou a ter nela é muito importante. Não vai ser em mim que a minha irmã vai buscar todas as suas finalidades ideológicas. Se calhar, eu estou a ser a ponte e esse é um dos meus papéis. Para todos os fins, a minha irmã é uma jovem moderna, a ouvir o nosso manifesto e a seguir o seu caminho. Tal como eu fiz quando tinha a idade dela — e ainda estou a fazer, longe de acabar…
Também em palco já sentem essa mudança, de concerto para concerto, na forma como querem estar?
[Afonso Branco] Sim, eu acho que sim. Se perguntares a qualquer membro da minha família que foi ver os concertos antes do “Ser Português” — e até posso incluir o concerto de Abril [no Cinema São Jorge, por ocasião do Festival Política] —, ou da família do André, vão dar-te essa resposta de que houve evolução, enorme. Se tivéssemos este tema na entrevista de Abril, se calhar podíamos falar, mas não era real. Isto de sermos verdadeiros foi uma coisa que fomos aprendendo; não se aprende a ser verdadeiro, mas a conseguir estar verdadeiro — e isso, para mim, foi a maior evolução. Depois, musicalmente, também temos evoluções extraordinárias — acho eu [risos]. Mas esse concerto de Abril foi um grande desafio, porque tínhamos um público atento, e esse concerto correu pessimamente. E tivemos discussões sérias depois do concerto por causa disso, porque estávamos completamente insatisfeitos. Esses desgostos são muito importantes. Como a recaída de números desde o “Ser Português” à “Canção da Rua”, essas coisas são muito importantes porque nos obrigam a pensar no que é fundamental.
[André Ivo] Estas oportunidades todas que surgiram, que para nós têm uma escala imensa, trouxeram um sentimento muito importante, que é a vergonha. Nós saímos do concerto do São Jorge com muita vergonha. É importante. Quer dizer que estamos conscientes, e isso é importante para chegarmos ao oásis daquilo que fazemos.
E os últimos concertos que deram recentemente já foram mais próximos do que virão a ser os concertos de apresentação do disco?
[André Ivo] A direcção está lá. É por aí, mas ainda há muito por percorrer.
[Afonso Cabral] Nos dois concertos de apresentação nós temos uma responsabilidade de serem os primeiros em que as pessoas sabem para o que vão. Ou seja, são os primeiros em que, se uma pessoa quiser ir, tem de pagar um bilhete e não vai ter aquela surpresa de “vamos lá descobrir o que isto é”. Pode haver, mas não é aquela coisa de “encontrei aqui por acaso”. O resto têm sido festivais e pequenas circunstâncias. Portanto, acho que nestes concertos temos responsabilidade de oferecer uma coisa completamente diferente — e o que eu digo com completamente diferente é, com a base toda que nós temos vindo a construir, já não são só as pessoas que sabem para o que vão; nós também temos de saber para o que vamos. Isto já não tem a ver com se o concerto corre bem ou mal. Nós vamos apresentar um espectáculo em que toda a narrativa, todo o enredo do concerto, para além de ser concentrado no álbum, vai ser muito mais conceptual. A cor vai ser muito mais nítida.