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Publicado a: 02/07/2018

Miranda Eloquente: “Aprendi muito com o processo de escrita para o meu primeiro livro”

Publicado a: 02/07/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados

Miranda Eloquente assinalou este mês o seu regresso ao hip hop. “Matar Para Não Morrer” espelha a fome de um MC com história no Algarve que dedicou os últimos anos à escrita de dois livros.

Antigo colega de Perigo Público e New Vocal nos A.P.C., Miranda Eloquente recorreu aos estúdios Kimahera para colocar em prática o plano da sua estreia a solo — Pedro Pinto (a.k.a. Reflect) e Rafael Correia (a.k.a. Sickonce) ajudaram no processo de regresso à criação. SP Deville, uma das grandes referências de Miranda no panorama nacional, tem dado maior força, assumindo o papel de mentor à distância, dando dicas e corrigindo erros presentes nas maquetes que  passa via Internet — “Passa tudo por ele antes de eu ter o produto final”, revela-nos Miranda.

“Matar Para Não Morrer” é o primeiro single de Um Ateu Não Praticante, o trabalho de estreia do rapper algarvio. Em conversa com o Rimas e Batidas, Miranda levanta o véu sobre esse disco e recua no tempo para lançar um olhar sobre o seu percurso nos últimos anos.

 



Estiveste afastado por algum tempo e regressaste recentemente com um novo single. Como observas a evolução e o actual estado do hip hop português?

O estado da música no geral feita em Portugal sofreu grandes mudanças graças à tecnologia e à luta de rappers como Boss AC, Valete, Sam The Kid, Mundo Segundo, General D, SP Deville, entre outros. Mas eu nunca estive parado. [risos] Eu estive sempre por dentro da música. Entretanto estive a escrever o meu primeiro livro, Sombras de Mim, que era para ser o meu EP de rap. Estava a prepará-lo e fui escrevendo, escrevendo. Quando parei tinha aquilo tudo num formato que eu já não estava a perceber. Tinha prosas pelo meio das músicas. E pensei “uau, isto dava um livro”. Então enviei tudo para a Chiado Editora e para a Poesia Fã Clube e ambas fizeram uma proposta de lançamento. Aceitei a da Poesia Fã Clube e fizemos 300 exemplares do livro que, no fundo, eram as minhas letras de rap, em 2013. Ou seja, o meu primeiro EP foi em formato livro.

E digo-te também que nunca estive parado porque quando fui mostrar o single ao Dino D’Santiago ele ficou muito surpreendido com o trabalho e disse que não estava à espera. Não ouvia nada meu há muito tempo. Eu na altura disse-lhe, “Ya mano, eu percebo, é porque realmente já não fazia nada há muito tempo”. E ele disse que isso não era verdade porque durante esse tempo eu estive a estudar a melhor forma de voltar e, por isso, nunca mais podia dizer que estive parado sem fazer nada. [risos]

A música feita em Portugal está num estado fantástico. Felizmente, o rap tem sido o ponto alto dessa mudança. Temos cartazes com tantos nomes do rap em grandes festivais e isso demonstra a força que o rap tem ganho ao longo dos anos. Depois de tanta luta de quem veio de trás, hoje podemos finalmente tirar partido dessa luta, seja eu ou um miúdo que começou há um ano. É legítimo. Há espaço para tudo e todos.

No “Matar Pra Não Morrer” notamos que a tua sonoridade não ficou “presa” no tempo. Do ponto de vista de um MC com uma lírica bastante vincada, que vantagens encontras no trap? Permite-te, de certa forma, algumas acrobacias verbais novas para ti ou é apenas uma questão de gosto/estética?

É por gosto, estética e pela musicalidade que fui desenvolvendo ao longo do tempo. Muito sinceramente, não tenho o ponto-de-vista de trap ou rap. Eu estive a ouvir beats na net e fui seleccionando aqueles com os quais me identificava. Não sou esquisito com os beats, nem que leve mais tempo para escrever e estruturar o tema. Eu gosto é de música, quero fazer música, sem fronteiras. Além de que eu vim de uma escola muito alternativa. Em A.P.C. — Perigo Público, New Vocal e eu — sempre tivemos um estilo muito ecléctico. O nosso EP, que nunca chegou a ser gravado, era feito com beats muito alternativos. Rock, crunk, rap. Era uma mistela. Eu sou o que sinto. É tudo uma questão de me sentir à vontade no beat. Se eu sentir o beat trabalho em cima dele. Eu quero é fazer música sem qualquer tipo de preocupação. Não ligo a estilos. Eu ligo mais à música do que aos estilos. Se fizer e resultar, good, vamos continuar. Sempre fui um MC de muita fome no beat e gosto de jogo de palavras. Aprendi muito com o processo de escrita para o meu primeiro livro. E no segundo livro, cuja edição foi adiada, ainda mais. Escrever 70 páginas de textos soltos, prosas e poesia fez de mim melhor MC e liricista.

Fala-me da letra do teu single de regresso. Qual foi a mensagem que procuraste deixar explícita nesta faixa?

O game está hot. Está on fire. MCs novos e MCs mais velhos estão num nível acima da média. E isso é assustador para os MCs do Algarve, que têm de arranjar sempre formas de ser competitivos. Eu quis dizer na letra que venho com muita força, fome e vontade de fazer disto o meu ganha-pão. Tenho um EP feito há mais de dez anos e nunca tive coragem de o expor por falta de confiança. A mensagem é de que eu venho criar o meu caminho. Há muito que venho a acompanhar a evolução da música em Portugal. Ao longo destes anos fui ouvindo muita coisa. Fui-me identificando com umas e com outra nem tanto. Eu montei o cenário da música na minha cabeça e escrevi. Deixei a música ficar na gaveta, com receio, mas marquei o dia da gravação sem noção do que ia fazer para o estúdio, não tinha refrão. Aliás, o refrão era uma paranóia que tinha por aí e enviei ao pessoal de A.P.C., para verem se podia resultar, e eles concordaram. Fui lá e matei o beat. [risos] Quando saí do estúdio, fiz 60 quilómetros de carro a caminho de casa a ouvir a faixa e a pensar “nah, desta vez sim, fiz uma cena que pode mudar a minha carreira”. Fui para o estúdio sem pressão, relaxado, e as coisas foram acontecendo. É verdade que trabalhar com a Kimahera e com o Pedro Pinto facilita muito as coisas.

Foste buscar a batida ao NetuH Beats e contaste com produção adicional do SP Deville. Como se deu todo este processo de criação do tema? Já conhecias o SP antes de teres escrito esta faixa?

O NetuH descobri à toa na Internet e identifiquei-me com os beats dele. Tenho ainda mais coisas do NetuH para lançar. O SP é um amigo de infância que a música me apresentou. Amigo de infância por ter aparecido no começo da minha carreira a solo e me ter dado muita força. Lembro-me bem dele vir apresentar o primeiro álbum dele a solo ao Algarve e me convidar para dar umas barras. Quando subi ao palco, lancei umas rimas e ouvi ele a dizer ao Bdjoy “mano, eu não te disse? Este gajo é bom”. Aquilo soube-me tão bem, porque nem eu acreditava assim tanto em mim. A partir daí fiz dele a minha referência mas a amizade vem de há dez anos. No Sou Quem Sou, quando ele diz “acabei no Algarve, onde tive as melhores memórias que vivi como pessoa”, eu fiz parte desses momentos que ele passou. E hoje ele acredita em mim como mais ninguém acredita. Eu escrevo e gravo na minha casa e envio ao SP. Ele diz-me a melhor forma de por cada rima e cada palavra no beat. Passa tudo por ele antes de eu ter o produto final. Ele é mais do que um amigo, é um irmão para mim.

Sei que tens neste momento um EP em mãos. Qual é a história que vais contar em Um Ateu Não Praticante?

Um ateu não praticante por estar muito focado no meu projecto. Faço casa, trabalho, música. A minha mulher fica doida. A história é sobre o que eu vejo e vivo no dia a dia. Um conceito meio dark e mórbido, com muitas referências relacionadas com mortes, por estar ainda a passar por uma fase complicada da minha vida. Sinto essa necessidade de expor a situação. De denunciar a situação ao mundo. Só assim poderei sentir a alma leve e a cara lavada. Mas será agradável e interessante ouvir o EP, porque vou abordá-lo de uma forma muito boa e positiva.

Já tens uma data em mente para a edição? Há algum convidado ou produtor a colaborar contigo no projecto que já nos possas adiantar?

Não tenho nenhuma data em mente. Vou trabalhando faixa a faixa, para ver o que acontece. Trabalhar sem pressão, apenas fazer acontecer. A Carolina Fonson será uma das convidadas, até porque o próximo single será a música com ela. Terei também o SP. São as únicas certezas por agora. De produtores, tenho o NetuH com mais dois beats e outros três do SP. Vou ainda ter mais quatro faixas produzidas por mim e com pós-produção de Sickonce.

 


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