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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/08/2020

Self-made.

Mirai: “A música é a única forma que eu tenho de expressar verdadeiramente os meus sentimentos”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 12/08/2020

Mirai é o novo artista a ingressar nos quadros da Universal Music Portugal. Editado na semana passada, “Mordomo” é a sua faixa de estreia.

Confessa-se um tipo “bué pateta” quando não está a gravar e os mais atentos ao Twitter e ao YouTube certamente lhe reconhecerão o rosto dos vídeos e piadas que fazia enquanto Ever. Por volta de 2017, deu por encerrado este capítulo para se focar somente na música. Autodidacta, gravava-se a si mesmo com um microfone USB e testava o alcance do poder da sua voz, uma das imagens de marca dos seus temas, em que o podemos escutar facilmente a passar do canto para o rap e vice versa.

Foi no SoundCloud que aterraram as primeiras experiências mas foi na transição para o formato audiovisual que a carreira de Mirai se catapultou para patamares mais altos. Se em “BUBAKA“, o primeiro videoclipe, reclamava por reconhecimento à escala planetária, uma amostra desse desejo chegou-lhe logo a seguir nos feedback que lemos na caixa de comentários de “Iris“, uma das faixas mais bonitas e cristalinas que a nova geração do hip hop português nos deu.

A poucos dias de editar “Mordomo”, o jovem da Linha de Sintra esteve à conversa com o ReB através de uma chamada via Zoom, em que se falou da transição de Ever para Mirai, da ligação à Universal, da experiência adquirida na competição O Game ou do seu mais recente single.



Uma vez mostrei um tema teu a um rapaz mais novo, mais atento à cena dos YouTubers em Portugal, e ele disse-me que conhecia a tua cara desse circuito. Tu fazias vídeos para a Internet antes da música?

Ya. Fazia vídeos para o YouTube. Fazia bueda vídeos. Um gajo era famoso no Twitter por causa dos vídeos que fazia, a dizer patetices. Eu sou bué pateta. Digo bué porcaria.

Não tinha mesmo essa noção. Ainda tens esses vídeos online?

Tenho tudo. Tenho vídeos com quase um milhão de views no Twitter.

Qual é que era o teu nome do teu canal no YouTube?

My Name Is Ever. Toda a gente me conhece por Ever por causa disso. É mesmo o meu nome. Então quando eu passei a ser o Mirai… O pessoal dos vídeos conhece-me por Ever e o pessoal da música conhece-me por Mirai. Às vezes quando vou na rua e me encontram é “olha ali o Ever” ou “olha ali o Mirai.” Eu tenho a cena dos vídeos, que é mais engraçada, e também a cena da música, que é uma coisa mais séria, é onde eu transmito os meus sentimentos e a minha vida.

E deixaste de fazer esses vídeos para o YouTube? A conta ainda existe?

O canal que era do Ever passou a ser o do Mirai. Meti todos os vídeos em privado e passei a ser artista, músico. Não dava para ser os dois ao mesmo tempo. Iam olhar para mim como um grande palhaço, como fazem com o Wuant. E não estou a querer dizer que ele o é, by the way. As pessoas ficam tipo “aquele palhaço agora canta?” Eu não queria que acontecesse isso comigo. Felizmente não aconteceu. Bué people da cultura da música me conhece como Mirai, mas há muita gente de fora, como essa pessoa de que tu falaste e a quem mostraste o meu som, que me reconhece doutro sítio. “Esse gajo é pateta, faz vídeos.” Felizmente a minha plataforma enquanto YouTuber engraçado não era assim tão grande ao ponto de as pessoas só me reconhecerem daí. Talvez mais pelo Twitter, pelas cenas que eu escrevo, as porcarias que eu digo… Hé gente que me chateia. “Tens de fazer mais vídeos.” Tipo, ok, eu talvez faça no futuro. Mas por enquanto não posso ser visto como um gajo que é comediante. Eu não sou comediante. Um gajo tem piada, sim, mas não sou comediante. E não quer dizer que eu não venha a fazer nada a ver com comédia, porque eu próprio gostava. Eu adoro fazer o people rir. Só que não dá para meter essas duas vertentes juntas, por enquanto. O Wuant era YouTuber, agora prepara-se para lançar um álbum e o people fica a olhar de lado…

É verdade. São duas águas difíceis de separar na cabeça do público. Mas ainda assim, é possível fazer música para rir, de certa forma. É curioso como tu rompeste pela cena da música totalmente descolado dessa personagem. Não vejo um toque de comicidade naquilo que tu cantas. É muito pessoal e introspectivo.

É porque a música, para mim, é a única forma que eu tenho de expressar os meus sentimentos verdadeiramente. Eu não expresso os meus sentimentos facilmente. O meus descontentamentos e as minhas cenas eu nem com os meus amigos converso. E quando falo estou a rir, a gozar, na brincadeira com a situação. Mas quando eu quero mesmo falar sobre assuntos sérios, sobre aquilo que vai no meu coração… Juro que dói. Tem de ser através da música. Daí eu não querer este mambo de fazer os dois, de mexer com os dois. Aquilo são os meus sentimentos e eu não gosto que brinquem com os meus sentimentos. Não gosto que brinquem com a minha música. Eu posso até dizer porcarias nas músicas, às vezes. Podem fazer-te rir, é verdade. Mas aquilo não deixa de ser uma cena que, para mim, é bué séria. Eu nunca vou brincar com a música como eu brinco com a realidade. A música é muito importante para mim e eu não vou fazer os outros gastarem os ouvidos deles comigo a cantar patetices. E até podia fazer como o Valdir fez aquela cena do “quando não há pão comemos broa”. Podia ser um vídeo que ia bater muito mais que um dos grandes artistas já consagrados. Só porque fiz uma coisa bué engraçada e dentro da minha cena. Mas, man, eu não quero isso. Eu não sou palhaço nem sou aquele gajo que vos vai fazer rir. Se te fizer rir é por causa da minha pessoa! Não é porque estive a gastar bué tempo a pensar numa maneira de te fazer rir. Nunca vou misturar os dois. Obviamente que, no futuro, possa fazer alguma cena a brincar e a gozar. Já ajudei o Pi a fazer uma música de regresso às aulas, por exemplo. Um gajo está à vontade. Não interessa o tema, que eu consigo escrever. Agora eu pegar nisso e fazer disso negócio… Não cai muito bem. E olha, acredita que eu não quero trabalhar só música nesta vertente. Eu já partilhei esta ideia coma Universal, de querer cantar openings de animes, porque um gajo está bué dentro dessa cultura japonesa. Podia fazer tradução de música japonesa para o português, por exemplo. Fazia os openings e talvez até conseguisse introduzir um bocado de rap só para não ficar tudo apenas cantado. Tipo as músicas do Digimon e do Dragon Ball GT. Cenas clássicas que um gajo curte bué. Cantar isso não é difícil para mim, sinceramente. Gostava de fazer esse mambo. Ouvir a versão japonesa, traduzir…

És fluente em japonês?

Nah. Quem me dera! Eu tive a estudar isso através de uma aplicação. Sei dizer o meu nome, sei perguntar como é que te chamas, dizer que estou com fome… Não muito mais que isso. Sabia alguns caracteres mas que fui esquecendo. Mas não é muito difícil, sinceramente. É uma cena fixe. E vou aprender! Aos 30 anos quero ir para lá, na verdade [risos].

Ajuda-me aqui só a perceber mais ou menos quando é que estas duas vertentes, do vídeo e da música, entram na tua vida. Quando é que surge e termina a fase do Ever e em que altura é que começas a gravar música enquanto Mirai?

Imagina, eu comecei a ficar o Ever em 2015. Comecei a ganhar bué seguidores do nada. Antes disso tinha tipo 300. De repente, em 2015, fiquei com 1000, depois 2000… Os meus amigos diziam “fodasse, estás a ficar bué famoso.” “Eu não estou a fazer nada dread. Estão a dizer que um gajo é famoso mas eu só faço vídeos bem à toa, em casa a brincar.” E eles “ah, mas tem piada, faz a tua cena.” É ai que crio um canal no YouTube. Depois em 2016 conheci um puto que cantava bué, que era o Lostnot. Ouvi os sons do gajo e “fodasse, esse puto canta bué.” Eu também sempre curti bué de música. Sempre ouvi bué hip hop tuga. Man, eu sou aquele gajo que conhece hip hop tuga à vontade! Nem ouvia trap, sinceramente. Na altura não curtia desses mambos. Os meus tropas ouviam bué trap e eu às vezes tirava e metia Dealema [risos]. Depois comecei a prestar mais atenção às cenas de trap. Não ouvia sozinho em casa, era de estar com os meus amigos. Um gajo cantava os ad-libs e assim. Às tantas apercebo-me “fogo, esse mambo está bué pesado.” Entretanto a malta começa a cantar bué os sons desse meu tropa. O gajo quase nunca lançava nada mas nós ouvíamos na mesma. Pensei “vou comprar um mic e umas cenas, mexer nesse programa ali e fazer umas coisas assim de leve.” Isto em 2017, mais ou menos. Comecei a experimentar e fazia bué sons. Juntei-me a esse meu puto… Eu ainda era o Ever que não dizia a ninguém que gravava música! Não droppava nada, só treinava. Manter a cena lowkey. Criei a minha vibe mas acabei por não lançar nada porque não tinha uma plataforma, não tinha dinheiro para investir em videoclipes e também nem percebia assim muito das coisas. E ainda bem que não o fiz. Eu só sabia mesmo gravar e mexer um bocado no programa. Gravava no Adobe Audition, só para tu veres. A primeira vez que eu fui gravar mesmo a sério foi quando conheci um tropa de um tropa meu que tinha um estúdio em Odivelas. Fui a casa dele e gravei o meu primeiro som, chamava-se “Sozinho” e tudo. Esse meu tropa, o Ruben, também cantava e curtiu bué da minha cena. “Mano tens talento, cantas bué, estás à vontade para me dar o toque para vir aí.” Fui lá mais umas duas vezes. O gajo também tinha um mic USB e ensinou-me a mexer mais ou menos no programa. Foi depois disso que eu comprei o meu próprio mic USB e comecei as minhas cenas em casa.

Eu curtia da cena lo-fi antes de ter passado para o trap. Foi tudo com bué calma. Primeiro o hip hop tuga mais clássico, depois lo-fi e, como um gajo também gostava de cantar, surgiu então o trap. Só que eu nunca fui de rapper assim bué, como faço no “Iris”. Eu não era assim. Eu cantava com uma voz normal. Foi esse meu puto, o Lostnot, de andar a ouvir o gajo é que eu ganhei aquela cena de ter que entrar com mais atitude.

Em 2018 lancei um som chamado “EXD”, que era o nome de um tropa meu. Lancei mas depois apaguei porque não curtia do som. Lancei o “Rompimento” no SoundCloud. Esses sons foram todos feitos na mesma altura do “Iris”. Só que demorou um ano até eu lançar o “Iris”. Às vezes um gajo não sabe escolher aquilo que tem e vai mais para aquilo que ouve da cultura a pensar que é bué pesado. Tu tens uma cena própria tão boa e se calhar não estás a ver o quão aquilo é bom. O “Iris” para mim era tipo isso. Eu mostrava o “Iris” à pessoa e “mano, isto ‘tá tipo grande som!” Tropas aqui da zona diziam “isto aqui dá-te um milhão de views, já!” E eu dizia “isto está tranquilo, vocês estão a exagerar.” É que á medida que eu ia fazendo música fui ficando mais acanhado. Porque às vezes fazia umas cenas mais podres, mostrava ao people e não queriam ouvir. Então eu ficava na minha. “Se calhar nem vou mostrar mais cenas ao people, ouço eu sozinho e quando me fartar, fartei.” Os amigos mais próximos é que me diziam para não desistir da música. Porque houve alturas em que eu pensei mesmo que ia cagar e ia continuar com o meu curso da faculdade. Acabei por dar só um tempo, para fazer as cenas de forma mais calma.

Eu até 2018 nem tinha sequer nome de rapper. Foi o Mendes que perguntou “porque é que não ficas Mirai?” Porque era o nome de outro meu tropa no Twitter, Mirai Nelson. Mirai veio do Dragon Ball. O Trunks do futuro, em japonês diz-se Mirai Trunks. Fui falar com o Nelson para saber se podia usar o nome e ele “claro wi, isso é grande nome.” E ficou. Lancei as cenas enquanto Mirai. Entre 2015 e 2017 fui o Ever e de 2017 até agora o Mirai.

Tu produzes também ou só mexes em software para gravar?

Estou ainda a explorar. Como é te hei-de explicar… Eu sempre quis bué produzir. Imagina, eu quando tinha uns 13 anos procurava bué por cenas na net para produzir cenas de dubstep para rap. Sempre curti essa cena de dubstep com rap e ouvia bué gajos de Inglaterra. Eu encontrava esses sons à toa no YouTube e pensava “isso é bué pesado. Eu também quero fazer essa cena.” Até escrevia algumas letras para tentar entrar nos beats que eu próprio fazia. Mas hoje em dia não. Não produzo. Não faço beats. O meu único trabalho é tratar e compreender a minha voz. Para mim, a voz é o maior instrumento musical que eu tenho, por enquanto. Eu ainda estou a treinar. Eu próprio ainda nem sei daquilo que consigo alcançar com a minha voz. Treino os vários tons que consigo fazer e esse é o meu foco principal agora. No futuro sou capaz de começar a pegar nisso de produzir beats e talvez até possa dar um bom produtor. Não sei. Mas por enquanto vou estar só focado na minha voz. E a ensinar. Gosto de ensinar os outros niggas a mexer no auto-tune. Há bué artistas, alguns que até cantam há mais tempo, que vêm ter comigo para perceber melhor as coisas que eu faço com o auto-tune. E, como eu já te disse, eu até era um gajo bué oldschool. É engraçado. Eu era um gajo bué de fora mas passei a estar bué dentro [risos].



Continuo a achar que o “Iris” é um óptimo cartão de visita para a tua música. Ainda tens lá patente essa tua influência do lo-fi e a performance vocal mostra bem os teus dois lados, tanto de cantor como de MC. Era algo que, se calhar, outros artistas só arriscariam fazer com o auxílio de um convidado, mas tu alteras o teu próprio tom e entrega para fechar a faixa sozinho.

I need nobody. Siga. Eu desde que comecei a cantar meti na cabeça que não precisava de ninguém, que conseguia fazer tudo sozinho. E é engraçado porque eu nem sequer curto de estar sozinho. Agora estou aqui a falar contigo mas aposto que daqui a 20 minutos alguém me vai estar a ligar para combinar alguma cena. Eu sou aquela pessoa que se sente bué triste quando não tem pessoas à volta. Estar sozinho não é muito fixe. Tanto que os meus tropas às vezes estranham, quando chegam cá e não está mais ninguém: “Porra, como é que tu estás sozinho? Nem bater uma consegues sozinho” [risos]. Às vezes até posso estar aqui com um tropa, no silêncio e cada um no seu canto. ‘Tamos bem. Tá-se bem.

A parte do vídeo deixa-me bastante intrigado. Nunca o consegui decifrar. Há movimentos teus que parecem naturais, outros parecem estar em rewind. Podia haver ali alguns truques de edição mas eu creio que foi tudo gravado num só take.

O nigga gravou com uma máquina da faculdade dele, de Inglaterra. É o Benny. O gajo requisitou lá o material e veio para cá. Ele estuda cinema ou uma cena assim. O gajo que mixou o “Iris”, o Tomás, é tropa dele. Nós íamos fazer o EP Miragem, com cinco sons, só com vídeos desse género. Entretanto apareceu a Universal, apareceu a WTF, apareceram bué de mambos, eu acabei com a minha namorada… Bueda cenas ao mesmo tempo. Acabei por não lançar o Miragem. Eram sons tipo o “Iris”, profundos, que hoje em dia eu se calhar digo que estão podres. Mas têm ali aquele sentimento de algo que eu era. Coisas que eu fiz e que não voltei a repetir. Foram importantes e eu gostava de os mostrar ao people. Só que entretanto apareceram outras cenas…

Mas voltando ao vídeo. Ele trouxe uma câmera que é a Black Magic ou uma cena assim. Era uma cena quadrada que eu nunca tinha visto. Estava um gajo a filmar e ele atrás dele a dirigir, com o Tomás a ir atirando cenas. Era muita coisa a acontecer e éramos umas quatro ou cinco pessoas. E a ideia foi deles. Eu não sei nada dessas cenas. Foi essa a interpretação que eles tiveram do som. Quando eles me falaram do plano eu se calhar até pensei que ia ficar podre mas confiei nos putos, até porque não tinha nenhuma ideia nem sou aquele gajo com muita imaginação para pensar em clipes. Então ya, let’s give it a try. Fiz o meu papel de actor, faço todos os mambos possíveis e imagináveis. Saiu assim. Estive a tarde toda a treinar. Eles tinham a coreografia toda e aquilo tinha de ser gravado numa certa altura do dia. Eram 19h50, para aí. Tinha de ser naquela altura porque era a luz perfeita. Não havia sombra, não havia nada. Gravámos quatro takes enquanto dava e ficou aquele. A interpretação que eles deram é sobre a minha vida. Por mais que eu vá abaixo eu levanto-me sempre. Por mais obstáculos que apareçam um gajo não vai parar nem olhar para trás. Foi bué bem conseguido. Para mim, foi dos melhores videoclipes que sairam esse ano. Porque foi uma cena mesmo low budget. Eu não gastei nada. Nem eles. E depois foi um som que bateu bué para mim, porque não recebi feedback só de Portugal. Os comentários têm mensagens tipo da Austrália, Holanda… Eu fiquei tipo “como é que isto é possível?”

Malta que provavelmente nem percebe o português.

Ya, ya. “Eu não entendo o que o gajo está a dizer mas eu curto.” E isto é bué engraçado porque no som que eu tinha lançado antes, o “BUBAKA”, eu dizia que só ia parar quando chegasse à Oceania, à Ásia, a África… Depois, no outro som a seguir, tenho bueda people de outros continentes a comentar… What the fuck? [risos]. Grande drena, mano. Fiquei mesmo bué feliz. Foi das minhas maiores felicidades ter lançado o “Iris”.

Mas o vídeo tem algum truque? Os teus movimentos foram todos naturais, ou houve ali alguma brincadeira a nível da edição?

Nada. É tudo natural, ya. Foi bué bem conseguido. Eu não sei como é que eles conseguiram.

E quando é que entra em cena a Universal? Eles contactaram-te antes ou depois disso?

Foi depois. Isto é uma história engraçada. Eu tinha desistido da faculdade e tinha ficado sete meses fechado em casa só a fazer música. Fui à Escócia gravar o clipe para o “BUBAKA” e quando eu voltei o meu irmão disse-me que tinha de começar a trabalhar. Até mesmo para o meu bem, porque eu já não estava a ficar muito fixe. Grande bicho do mato, afastado do mundo. Andei a entregar currículos e antes de eu lançar o “Iris” lembrei-me de enviar o som a algumas editoras para eles ouvirem e dizerem-me o que acham. Fui procurar labels em Portugal e encontrei a Universal. Pensei “vou mandar mesmo para estes gajos.” Só que depois “nah, não mandes nada. Se for uma cena que tu queiras tem de ser por mérito próprio e não porque mostraste a alguém. São eles que vão ter contigo. Tu não vais ter com ninguém.” Então não mandei. Passaram uns meses, uns dois ou três, e num dia tinha acabado de acordar com um e-mail… Já me tinha esquecido, só para tu veres. Um gajo é cabeça de vento. Recebi um e-mail da Universal e eu já nem me lembrava que eram os gajos a quem eu tinha pensado enviar o som. Só me lembrei disso mais tarde. Mas olhei para o mail e dizia ago como “queremos falar contigo. Podemos combinar uma reunião?” Eu respondi só a dizer “na boa.” Escrevi no Twitter que tinha recebido um e-mail de uma tal Universal e que queriam reunião comigo. Alguém disse “tu sabes que isso é só uma das maiores labels do mundo?” Mandei mensagem a um gajo a perguntar se ele sabia que label era essa e ele disse “mas o que é que tu respondeste?” E eu “só respondi ‘na boa’”. “Tu és grande burro, man. Como é que vais responder só isso a um e-mail assim tão importante?” Eu não sabia! Eles entretanto responderam com a data da reunião e eu respondi “peço desculpa mas não sabia quem vocês eram. Não sei se a minha resposta foi rude ou quê” [risos]. Mas fui lá e os gajos curtiram bué de mim. Tivemos bueda tempo a falar, eu mostrei-lhes mais música. Mostrei o “Mordomo” e outras cenas que eu vou lançar agora também. Eles ficaram bué contentes comigo. Até me perguntaram “tu é que cantaste tudo sozinho?” “Ya, man, sou eu.” “Tudo a tua voz?” “É tudo a minha voz — faço o rap e quando é para cantar um gajo canta.” Eles disseram que era impressionante e gostaram bué. Negociámos durante algum tempo, uns cinco meses, para ver se eu entrava ou não para a editora. Eu no início achava mesmo que não ia entrar, até porque queria mesmo fazer a minha cena sozinho, sem a ajuda de ninguém. Queria ser independente e fazer a minha própria cena. Depois nem tinha curtido nada do contrato que eles me tinham apresentado… Nem era uma questão de alguma falha da parte deles, era mesmo uma cena minha. Eu não queria uma certa cena… Entretanto demo-nos bué bem, trataram-me sempre bué bem. Senti mesmo bué calor da parte deles. Senti que eles ouviram bué e deram realmente ouvidos àquilo que eu dizia e que eu pedia. Pensei “ya, não tem como não aceitar.” Esquece. Tinha mesmo de aceitar. Se calhar até cheguei a pensar em ficar só por algum tempo, mas agora até pondero ficar a minha vida toda lá. E eu nem lancei nenhuma música por eles, só vou lançar agora. Mas só pela forma como eles me trataram e como as coisas estão a correr…

Mas tu já lançaste dois temas com o carimbo deles.

Só com distribuição deles.

Ah. O “Mordomo” então já é um tema teu enquanto artista Universal mesmo. É isso?

Ya. Porque eu tenho dois contratos num só. Eu disse-lhes que sou aquele gajo que faz música bué à toa. E há coisas que eu quero lançar mas que são mesmo para ter menos qualidade. Eu fiz o “Cima” e o “Meu Momento”, que são cenas bué low budget mesmo. Se for preciso até gravo com o iPhone. Disse-lhes que queria ter uma cena que me permitisse não estar só a ter de lançar músicas com alta qualidade. Eu próprio quero ter essa abertura para lançar as cenas da minha forma. Então fizemos essas duas vertentes. A de distribuição, para eu poder continuar a dar ao people material que eles também poderem sentir. Para aquele meu people do início, que ouviam os meus sons só com 3 mil views. É mais para esse people. E, obviamente, depois tenho a outra cena que, se calhar, abrange mais people, enquanto artista Universal. E não quer dizer que o material só com a distribuição não o possa conseguir também. É só uma questão de trabalhar música mais bem conseguidas.

E isso aconteceu tudo entre a “Iris” e O Game? Ou só depois da tua prestação no concurso da WTF e da Think Music?

Foi no mesmo no início d’O Game, na verdade. Foi tudo bué em cima, umas cenas das outras. Bué perto da altura em que recebi o e-mail da Universal, tinha chegado a casa do meu trabalho na Primark e um tropa meu disse-me que tinha visto um anúncio d’O Game. Perguntei-lhe “achas que deva mandar candidatura?” Já tinha following e sons a bater, pensei que se calhar era só aceitavam people que estava a começar. Ele disse “manda já! Tu já ganhaste só com o tema que vais submeter para concorrer!” Mandei o som e uns dias depois houve um It’s a Trap. Passei pelo ProfJam e ele deu-me um props. “Ouvi a tua submissão. Grande som.” Agradeci-lhe imenso e ele ainda deu uma das barras do som. Eu ri-me. Estranhei bué. Depois sou confirmado na Universal e logo a seguir recebo o convite do Nelson Monteiro e do benji para participar n’O Game. Perguntei à Universal se havia algum problema em participar ou se devia cagar e eles disseram “participa mesmo. Também é bom para ti. É bom para o teu nome. Ficas a conhecer bué people e quê.” O Nelson ligou-me também de uma forma bué calorosa mesmo, a dizer que curtiu bué do meu som e “tu tens mesmo de participar.” O benji também. É claro que ia participar. Como não?



Isso fez-te sair da bolha, de certa maneira? Estás habituado a fazer tudo por ti próprio e aqui uma das regras passava pela colaboração com os outros artistas e produtores.

Uma das melhores cenas que me aconteceram foi entrar n’O Game, também. Deixei de ser tão bicho do mato. Deixei de ser tão aquele gajo que bloqueia toda a gente. Não é bem bloquear. Mas só aceitava aquele pessoal que vinha ter comigo não pelo meu nome. Na música há bué essa cena de ir só atrás de quem já tem nome ou views. Eu não sou nada desses gajos, não tenho nada a ver com isso nem vou ter com ninguém. Depois um gajo conheceu o benji, por exemplo, e percebeu que uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Eu quando curto um artista novo dou logo sangue. Eu não sou artista, eu sou fã, nesse caso. Não lhe vou mandar mensagem a chatear mas estou no Insta a partilhar a cena dele.

Mas sim, antes d’O Game eu era um gajo que não falava com ninguém e passei a falar bué e a dar-me bué bem com outros artistas. Fiz grandes relações lá dentro. Tenho uma grande relação com o Nedved e com o Lazuli. São os meus irmãos mais novos hoje em dia. Curto bué dos dois. O Bizzy é tipo o meu irmão mais novo, também. Curto bué, bué do puto. O Vilson vive aqui ao meu lado, também é meu tropa. Ele quando ouviu a minha cena mandou-me logo mensagem. Eu não sabia quem eram os artistas que iam participar. Nem me preocupei com isso, nem fui ouvir ninguém nem nada. Alguns deles viram lá o meu nome e vieram falar comigo. Eu fui ouvir as cenas deles e também curti bué. “O quê?! Eu sou um grande burro. Tenho mesmo de parar de ser assim.” Tinha de ter o coração mais aberto. Como sempre tive, só que estava bloqueado… Mas foi mesmo óptimo ter participado. Agrade-lhes por me terem chamado.

Agora lanças a “Mordomo”, que é uma faixa que relata algo que se passou dentro de uma relação, certo?

Esta música foi feita pela altura d’O Game também. Foi no Verão passado, ou talvez Maio ou Junho. Tinha aqui este beat, fui lá abaixo abrir a porta a um tropa meu e o gajo subiu. Eu estava a ouvir beats no YouTube. Passou esse beat quando chegámos cá acima outra vez e ele disse “encontraste grande beat, dread!” Saquei o beat, meti no Pro Tools, na primeira vez que estava a usar o Pro Tools. Aquilo alterou os BPMs do beat e ficou mais rápido. Eu fiz o som em cima desse mambo [risos]. Foi uma grande confusão que eu fiz ali. Quando fiz o som tinha bué tropas que tinham ido passar férias para Coimbra e eu não tinha podido porque ia bulir. Fiquei cá sozinho… Estava um bocado hurt por causa disso, meio abalado a lembrar-me dos meus tropas, com vontade de estar lá com os gajos. E eu tinha estado com eles dois dias de antes [risos]. Também estava a passar mal no relacionamento com a minha mboa. Cenas mesmo à toa que eu não te sei explicar o que é que realmente aconteceu. Eu sei o motivo mas é algo que eu talvez não queira expor assim. Os pais dela não curtiam nada de um gajo. Namorámos quatro anos. Eu nem os conheci nem eles a mim, se não sabiam que eu sou um gajo tranquilo. Depois dizem que eu sou maluco e que Portugal não é um país racista. Os pais dela só não curtiam de mim porque eu sou black, mano. Curto bué da miúda e somos bué amigos hoje em dia. Se não, não ia fazer tantas músicas para ela como eu já fiz. Já fiz umas cinco para aí. Esta é uma delas. Somos bué amigos mas na altura não estava a dar certo, também por causa disso dos pais e não sei quê mais. Apesar de tudo sempre curti bué dela e queria entender o porquê de não estar a dar certo. Tentar resolver os problemas e estar ali para ela. Basicamente é isso que  o som é. “Com tanta adversidade que um gajo já passou nesses quatro anos… Tu não queres só tentar resolver esses problemas?” Tipo isso, estás a ver? O som é dessa altura e passado pouco tempo nós acabámos a nossa relação. Foi grande drena… Ela depois foi aceite num trabalho e está no Dubai. Eu lancei-me na música e separámos-nos. Ela está a cumprir o sonho dela e eu o meu. O engraçado é que, apesar dessas cenas todas, damos sempre bué apoio um ao outro. Nós juntos é que nunca dava certo. E tínhamos uma relação bué fixe. Bué tranquila. Nunca tivemos aquela discussão… Nunca a tratei mal. Foi tudo bué tranquilo. Só não deu certo por um motivo que eu não sei bem explicar o porquê ao certo.

Falaste do beat ser sacado da Internet mas com alguns problemas pelo meio. Este beat da versão final já é outro?

Este continua a ser o beat original. Um tropa meu, o Slim Boy, na altura em que eu fiz esse som, ele tinha também um som dele em cima desse mesmo beat. Eu ouvi aquilo e disse “wi, também tenho um som nesse beat, vê só. Grande coincidência.” Eu pensei “se o Slim Boy tem som nesse beat, quantos outros madjés não devem ter também?” Eu disse à Universal “vou fazer o som nesse beat na mesma.” Até porque a minha versão já estava diferente por o beat ter aumentado os BPMs, é mais rápido do que o beat que estava na net. Comprei o beat, passei as tracks ao Lazuli e ele buliu num beat novo. Fiz uma versão nova do som, tive de regravar mas as vozes não sairam iguais. A vibe não estava igual. Estava pior. Mostrava ao people e eles diziam “essa versão está bué podre comparada com a primeira.” Pensei “como é que um gajo está a pagar os mambos, a gravar com um mic melhor e não sai melhor? Então não vou usar isto. Vou pegar nas tracks antigas, envio ao 2mas e ele mixa a minha voz.” Eu estava-me a cagar se tivesse menos qualidade. O que me interessava era o sentimento que lá estava, que eu tinha deixado. Então pedi ao Lazuli para lhe enviar, ele mexeu lá nos BPMs para colar a minha voz ao beat, que foi mexido por ele e pelo Lazuli. Ficou o som feito. Mas foi complicado, não te vou mentir.

E como surge a ideia para o vídeo?

A ideia foi do Midnight Madness. Eu conheço-o bué bem. Ele era para fazer o videoclipe do “Iris”, só para tu veres. Ele disse “se eu não fiz contigo, a culpa não é tua. É minha, porque eu não tive tempo para estar a fazer o teu mambo e tu só andaste coma tua arte para a frente.” Houve sempre aquela cena de ele fazer uma cena comigo. Mandei-lhe o “Mordomo” e o gajo disse “mano, grande som!. É pesadíssimo. Baza trabalhar nele.” E depois veio com essa ideia. Basicamente, eu contei-lhe isto tudo que te contei a ti, acerca da minha namorada, e ele surgiu com essa ideia. “Tu vais vender uma casa que está assombrada só que só tu é que vês o fantasma. O casal que está lá não o vê. Mas esse fantasma está sempre a chatear e não te deixa vender a casa por nada deste mundo. Isso vai representar uma coisa que tu queres avançar na tua vida mas que não consegues nem por nada. Estás ali preso.” Basicamente é isso. A casa representa a minha relação passada e eu não consigo seguir em frente. Uma cena assim.

Estes temas soltos que tens lançado: isto vai fazer parte de algum projecto, no futuro?

São só singles. Eu quando lancei o “Iris” anunciei o EP Miragens. Esse mambo perdeu-se e, entretanto, o que eu estou a pensar fazer é ir lançando música aos poucos e dizer “isto faz parte daquele projecto Miragens.” Sempre que eu tiver um som que sinta que pode fazer parte desse projecto, lanço. Talvez mais um ou dois. Depois junto tudo num EP, com mais umas três faixas, para as pessoas sacarem. E assim levam também com mais alguns temas que ainda não conhecem. Mas é uma cena que eu não sei quanto tempo vai demorar nem sei se a vou fazer realmente. Não quero criar uma grande expectativa ao meu público com isso. Da minha parte podem esperar singles.

E já equacionas, por exemplo, o teu álbum de estreia pela Universal?

Olha, ainda noutro dia estava a ter essa conversa com o Fumaxa. Sobre o porquê de o álbum de estreia de muito artistas ser muito mais marcante do que os outros e quase ninguém conseguir compreender o porquê. Ele disse que bué artistas marcam mais com o primeiro álbum porque aquilo é a essência deles. Depois eles começam a ir procurar outras vertentes, outras cenas, e acabam por perder aquilo que eram. Eu concordei com ele. E eu sinto que ainda sou aquele artista que não tem uma cena própria. Eu estou a procurar bué as várias vertentes que eu consigo fazer. Ainda estou meio “perdido”, a tentar encontrar-me. A Universal já me veio perguntar sobre isso. “Se fosses a fazer um álbum seria como?” Eu disse que seria tipo um gelado com várias bolas. Se calhar três sons de lo-fi, três de trap, três de rock, três de boom bap… Sons mais a ver com o Brasil, que nem são rap nem são nada. Cantar estilo Maria Gadu… Um gajo também curte bué desses estilos, só viola e canto. Estás a ver? Um gajo perde-se [risos].


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