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Publicado a: 24/07/2017

Milhões de Festa – dia 3: Invasão de groove, realidade cavernosa e desilusão (im)previsível

Publicado a: 24/07/2017

[TEXTO] Rui Correia [FOTOS] Fausto Ferreira

Num final de tarde de Verão, o palco Milhões abriu com o domínio do jazz a libertar-se numa vibe londrina repleta de groove. Yussef Dayes, no comando da bateria, liderou um trio composto por baixista/guitarrista e teclista, sintonizado no excelente Black Focus, editado no ano passado e servindo simbolicamente na perfeição o triângulo representativo do festival montado em palco atrás de si. A falta de uma secção de sopros em alguns temas (como as faixas introdutórias “Black Focus” ou “Strings of Light”) não lhes permitiu transmitir fielmente o registo de estúdio, mas com a perda de elementos em palco, ganharam na simplicidade e dinâmica de músicos virtuosos que se mantêm constantemente à tona da humildade, sabendo completar-se e nunca se sobrepor. Excepto, quando assim o queriam, houve espaço entre temas do álbum para rasgos de genialidade individuais – o guitarrista mereceu aliás um momento a sós para partilhar um tema instrumental – e, já na recta final, os músicos libertaram-se e disseram adeus com uma jam session, que tornou o momento irrepetível e memória para recordar no futuro.

 


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Foi uma espera longa, depois de um dos melhores momentos do festival com o brilhante e incansável broken beat de Yussef Dayes, até darmos de caras com o som cavernoso de Moor Mother no palco Lovers. “There’s no love here/We want our reality back”. Somos assim introduzidos à mensagem urgente e distorcida de Camae Ayewa, artista afro-americana que na base de uma electrónica pesada e ruidosa desafia a assistência a pensar no conceito de realidade. Dos antepassados que sofreram o surto desumano do esclavagismo até às gerações que combateram e ainda combatem o racismo e a violência sistémica presente nos Estados Unidos da América (e no Mundo). “Why do we gotta die this way?”, Moor Mother vai colocando o dedo na ferida ao longo de um live set de cerca de meia hora desconfortável, mas penetrante. Frases soltas soam como portentosos murros na consciência: “Everything is a lie” envolto numa sonoridade dub de “Hardware”, tema retirado do EP Crime Waves em colaboração com o produtor Mental Jewelry, coloca-nos em sentido; “The end is near, it’s only hours away”, frase repetida numerosas vezes, tentou sanar a deturpação que vivemos no dia-a-dia. A terminar, Moor Mother brindou os presentes com um freestyle em volta de um instrumental de Death Grips, grupo não tão distante do bloco denso e industrial debitado em todo o seu concerto.

O set foi curto e intenso, ocupado por uma única pessoa que soube preencher o espaço à sua volta com fantasmas que nos atormentam a todos. A presença xamânica de Moor Mother exige-se de novo.

 


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Sem aviso prévio, Yves Tumor faz uma entrada de rompante depois da saída de palco de Moor Mother. Já estávamos avisados da imprevisibilidade das suas actuações e dos seus anti-concertos – aconteceu recentemente no festival Tremor. No entanto, tentámos a nossa sorte. Demo-nos mal.

Todo o sentimento enigmático, sensual e intimista do álbum Serpent Music não é representativo em nenhum aspecto do que seria expectável por parte do artista ao vivo, sendo tudo isso trocado por ruído, ruído e mais ruído. Sem luzes de palco e vozes irreconhecíveis durante um set que impossibilitou propositadamente o trabalho do nosso fotógrafo, a paciência da assistência foi testada, mas foi dispersando quase por completo da área circundante. Gostaríamos de poder contar uma história alternativa e dizer que foi possível algum tipo de interacção, mas não foi de todo o caso. 30 minutos em suplício e desperdiçados por parte de um artista que decidiu esquecer o seu fundamento em palco.

 


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