pub

Fotografia: Val Wilmer
Publicado a: 13/02/2021

O baterista gravou com alguns dos maiores nomes de sempre do lado mais livre do jazz, de Albert Ayler a John Zorn.

Milford Graves, pilar do free jazz, morreu aos 79 anos

Fotografia: Val Wilmer
Publicado a: 13/02/2021

Milford Graves, celebrado baterista norte-americano intimamente ligado à corrente mais libertária do jazz, faleceu ontem, na sua casa, no bairro de Jamaica, em Queens, Nova Iorque. O músico tinha 79 anos e tinha sido diagnosticado com uma rara doença cardiológica.

No perfil com que era apresentado na sua página oficial, Graves era descrito como “percussionista, acupunturista, ervanário, perito em artes marciais, programador e professor”. Em 1964, Graves estabeleceu o seu histórico estatuto de pioneiro do free jazz ao integrar o New York Art Quartet ao lado do saxofonista John Tchicai, do contrabaixista Lewis Worrell e do trombonista Roswell Rudd. LeRoi Jones, mais tarde conhecido como Amiri Baraka, poeta, escritor e intelectual afro-americano, colaborou na primeira gravação do New York Art Quartet declamando o seu poema “Black Dada Nihilismus”.

Graves iniciou a sua própria discografia como líder em 1965, ao lado do também percussionista Sunny Morgan numa gravação para a influente ESP Disk de Bernard Stollman. Ao longo dos anos editou trabalhos colaborativos com músicos como o pianista Don Pullen, o baterista Andrew Cyrille, o saxofonista David Murray e, já neste milénio, com os saxofonistas John Zorn e Anthony Braxton e com os baixistas William Parker e Bill Laswell.

Foi igualmente requisitado para sessões de gente como o pianista Paul Bley, o saxofonista Giuseppi Logan, o saxofonista Albert Ayler ou o guitarrista Sonny Sharrock, afirmando-se como uma referência no baterismo free jazz. Em 2017 participou no álbum The Following Mountain do cantautor Sam Amidon, gravando ao lado de Sam Gendel, por exemplo.

Um dos seus projectos foi o Milford Graves Latino Quintet (afinal de contas, no início da carreira, chegou a tocar com Montego Joe, percussionista jamaicano que gravou material de raiz afro-cubana), em que colaborou Chick Corea, outro músico desaparecido esta semana.

Em 2018, o realizador Jake Meginsky, aluno e arquivista de Milford Graves, assinou o documentário Milford Graves Full Mantis (por cá exibido no Indie Lisboa), um filme rodado na casa do músico em Nova Iorque, que incluía muito material de arquivo e que funciona como um aproximado retrato do pensamento e da arte deste pioneiro. Nesse mesmo ano, uma foto do músico adornou a capa da revista Wire. Na longa peça assinada por Alan Licht, de título Listen To Your Heart, traçava-se de forma minuciosa o percurso histórico de Graves, bem como se apresentava um completo perfil, revelando os diferentes aspectos da sua criatividade, com precioso material fotográfico. A peça concluía-se com uma espécie de declaração de intenções: Milford Graves acreditava que podia mudar o papel do baterista na música, fazendo-o equivaler ao dos restantes músicos e colocando-o no mesmo patamar que qualquer outro solista. Dizia ele: “Estou a tentar que todos possamos tocar de forma livre. Essa é a minha missão. E sou eu que estou a fazer o sacrifício, ao ter muito menos concertos. Muitos tipos não me querem chamar (para tocar com eles). Eles dizem: ‘Oh man, ele tem um estilo muito complexo, toca muita coisa, ele tem que tocar algo mais básico de forma a podermos encaixar-nos. Ele obriga-me a trabalhar, man’. Tenho noção disso. Mas há gente mais nova a bater-me à porta, gente mais inspirada, e é isso que vai fazer a música evoluir”.

Em Agosto do ano passado, o New York Times dedicou um extenso artigo a Milford Graves, da autoria de Corey Kilgannon, que abordou os problemas de saúde do músico e, sobretudo, a sua atitude de criativo combate à debilitante condição da doença, mostrando como continuava a trabalhar na sua arte, preparando uma exposição em Filadélfia e, sobretudo, procurando entender os problemas do seu coração: “Foi como se um poder mais alto tivesse dito: ‘ok, amigo, querias tanto estudar isto, toma lá’. E agora tenho este desafio dentro de mim”. A peça concluía com a frase: “Não quero deixar este planeta com coisas por fazer”.


pub

Últimos da categoria: Curtas

RBTV

Últimos artigos