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Fotografia: Fábio Teixeira
Publicado a: 24/12/2020

A harmoniosa combinação da guitarra portuguesa com o r&b.

Mike11: “Não lanço nada que na minha cabeça não esteja perfeito”

Fotografia: Fábio Teixeira
Publicado a: 24/12/2020

“Pra Quê Falar”, single de Mike11 lançado na primeira metade deste mês, foi o primeiro avanço do esperado álbum do músico português. Os vídeos no Instagram e no Twitter a acompanhar instrumentais de guitarra nas mãos fizeram o seu nome ressoar pela indústria musical, tendo chegado a figuras como Vado Más Ki Ás, Prodígio e Gson, mas também Ty Dolla $ign, Jeremih e Scott Storch — estes dois últimos ajudaram-nos a iniciar a sua discografia com “My Tata”.

Esse tema, que já data de 2018, foi a antecipação certa para entendermos a ambição de Mike11, o produtor que não é beatmaker, o guitarrista que é virtuoso mas não precisa de o demonstrar. Ainda mais importante que isso, esse lançamento tornou o músico numa das figuras da linha da frente na junção de trap e r&b contemporâneos a ideias tradicionais da música portuguesa, com as 12 cordas da guitarra a pesarem muito nessa fórmula. Assim, a música de Mike11 é actual e ombreia com a de pares que vão buscar, de diferentes maneiras, referências à música portuguesa e ao fado especificamente, mesmo que seja dos poucos que segura a guitarra portuguesa enquanto o faz. Ainda não há género que suporte a carga desta nova cena a acontecer, com nomes tão divergentes como Mike11, Conan Osiris, Branko, Slow J, Rita Vian ou Pedro Mafama a aproximarem-se de alguma forma por lá, mas cremos que alguém já tentou chamar-lhe Abafado…

O músico é um devoto do primeiro take. Tem, paradoxalmente, um amor à não-repetição e um perfeccionismo inato, como nos confessou: “Não lanço nada que na minha cabeça não esteja perfeito, eu tenho esse problema, mas sou o gajo do primeiro take”. É certamente um defeito, se pensarmos na demora no fecho de um trabalho, mas uma virtude — que obtemos da sua criação é sempre a sua melhor versão.

Sobre este esperado álbum de estreia, Mike11 não quis revelar título, datas de lançamento ou outros, mas falou-nos profundamente sobre o processo criativo para a feitura do mesmo. E, depois de tanta espera, o disco está terminado. Nas suas palavras: “Vídeos, sons, capa, misturas, masterizações… estou só à espera do dia de lançar cá para fora. Já tenho a data, e em breve todos vão poder saber”. Agora, tal como já estamos habituados, vamos esperar. Fiquem com a conversa com o artista:



Começaste nas casas de fado com a guitarra portuguesa nas mãos. Como é que a produção, fora desse círculo, surgiu na tua criação? Como começaste a pensar em produzir?

Foi tão natural que eu nem sei explicar como surgiu. Toquei fados muito tempo, desde muito jovem, e senti, por volta dos meus 17 anos, que não tinha vivido cenas normais — fora dos fados, eu dava-me com people da minha idade, e queria viver essas coisas também. Então, comecei a pensar de que forma é que eu poderia fazer chegar a minha música a pessoas da minha geração. Ou seja, eu não pensei logo em querer transportar a guitarra portuguesa nessa forma para a minha geração. Foi: “eu faço isto”. Então vou [tocar] doutra forma. Vou aproveitar.

Então, nessa altura, já querias começar a produzir hip hop? 

Eu já não consumia fados a toda a hora. Eu acabava a minha noite na casa de fados, e tudo o que ouvia durante o dia era r&b, desde que cresci — com a minha irmã (que é mais velha) a ouvir Beyoncé, já [ouvia] produções do Scott Storch. Então comecei a ouvir r&b assim. Eu andava no quarto ano, ela andava no nono, eu dava-me com os amigos dela, que ouviam hip hop — boom bap na altura, não é? —, r&b… eu sempre consumi bué r&b. Nunca fui um consumidor assíduo de hip hop no seu estado natural. O que eu ouvia era sempre hip hop com influência r&b. Foi-me quase natural. Eu comecei a produzir. Depois chegou-me às mãos um DVD do Santana, já eu tocava guitarra, e achei curioso a cena de ele ser um dos melhores guitarristas do mundo, mas conseguir cantar frases simples que as pessoas pudessem cantar. Isso foi sempre o que eu tentei fazer.

A influência dele liga-se ao teu consumo de r&b e…

Exactamente, o objectivo foi sempre criar leads de guitarra que as pessoas, de forma natural, pudessem cantar. Tirar um bocadinho a parte do solista, do gajo que quer mostrar como é que se toca, e [fazer música] mais simples para que as pessoas possam cantar as frases das guitarras, ou dos instrumentos.

Eu comecei a tentar simplificar. Também sempre me foi uma coisa que me foi fácil, tentar criar frases assim… é-me natural. Também porque a minha cabeça já vai um bocadinho para aí. Eu não quero mostrar que sou o melhor guitarrista a solar. Gosto de solar, como é óbvio, mas tento ser um bocadinho mais simples.

É pela música, não é pelo virtuosismo, não é?

Exactamente.

É interessante o peso da influência que o r&b tem para ti, porque a tua voz tem sido um instrumento que tem aparecido em todos os teus temas. Quando é que começaste a querer usá-la? Foi uma adaptação fácil?

Ao contrário do que as pessoas pensam — e percebo o porquê de pensarem isso —, eu canto antes de começar a tocar. Eu comecei a cantar fados quando era novo. Pode não parecer, mas o fado é uma música urbana também, é das ruas, dos bairros. Só que depois comecei a levar a cena da guitarra um bocadinho mais a sério. Pus a cena do canto um bocadinho de lado, mas sempre próxima de mim. Começar a cantar surgiu-me com o Scott [Storch], o meu primeiro produtor-executivo, quando ele me disse, “acho que devias cantar”. E foi simples, eu disse: “ok, se sentes que eu tenho valor, e que isso acrescenta valor ao projecto, por mim eu canto”. Eu não me vejo como um rapper, nunca quis ser um rapper, eu não sou um rapper, ok? Eu quero fazer r&b. Sempre que fizer sons, é [isso] o que eu sinto. É quem eu sou.

Voltando um bocadinho atrás, até à cena da produção: como é que tu começaste a pegar nisso? Disseste que começaste a sair um pouco do fado, até certo ponto. Começaste a produzir com o quê? Com que software e por aí fora?

Acho que o conceito [de produtor] em Portugal está um bocadinho… não se percebe muito bem. Há aqui a cena de que os beatmakers são produtores. Eu vejo muito cenas de “este beatmaker produziu isto”. É mentira: fazem beats. Ser produtor é ter a visão para um projecto, é realizar o projecto. Eu pego no trabalho dum rapper, ou dum fadista, ou dum cantor de r&b, ou dum músico, e imagino aquilo que posso fazer com esse projecto. Eu acho que isso é ser um produtor, e eu acho que sempre tive essa visão, de conseguir produzir projectos. Eu nunca trabalhei com nenhum software, trabalho em alguns estúdios — ou seja, eles têm os softwares já no estúdio, ou o beatmaker tem —, e eu faço os beats assim: dirijo os projectos. Faço drums também, mas não sou de mexer nas cenas, percebes? Imagino os projectos e é assim. Ou seja: “quero o refrão aqui”, “quero agora violinos a tocar aqui”. E toco mesmo! Vou à procura, faço os acordes na guitarra e depois procuro no piano — não toco piano, vou de ouvido. Surge dessa forma. Nunca produzi em nenhum programa, nunca usei para mim próprio como beatmaker. Não sou um beatmaker, sou um produtor.

O objectivo é que este projecto e este álbum mostrem às pessoas que está a nascer um novo conceito musical em Portugal, que não tem nome a não ser Mike11, e que ser produtor é um bocadinho mais que fazer um beat. Eu nasci num meio em que se chamavam os produtores para dirigir os projectos. Um produtor imagina como é que vais apresentar [determinado projecto] em palco, o que é que a tua voz pode fazer, onde é que tu vais cantar, onde é que vais fazer os silêncios…

Além do fado e do hip hop contemporâneo, vemos-te a ir buscar algumas referências de música latina, do reggaeton, por exemplo. Quem têm sido as tuas referências? O que tens ouvido?

Eu vou-te ser sincero, eu não oiço reggaeton. Nunca ouvi. A única referência latina que tenho presente na minha cabeça é o Alejandro Sanz, que é pop. Porque desde muito novo tive uma relação próxima com a música dele. Como referências, posso dizer que oiço todos os dias D’Angelo, Dave Hollister. São as minhas maiores referências para a estética do álbum. Influências latinas tenho… aquilo que me é natural, os guitarristas antigos de guitarra portuguesa. Mas latinas, reggaeton, música mais actual, não tenho.



Claro. Perguntei por crer que se sentem algumas coisas desses géneros na tua música.

Exactamente. Talvez porque a guitarra portuguesa puxa um bocadinho isso, a abordagem. Eu gosto, mas não especificamente nesse estilo. Oiço muito Paco de Lucía, oiço Alejandro Sanz, Concha Buika… Não oiço muito esse estilo musical.

Estava a ver uma entrevista tua com o Bantumen, em que dizias que no fado, com o qual cresceste, tu tens de levar um pouco de ti em cada nota que tocas, ou seja, que percebam logo que és tu pela tua maneira de tocar. O que é que achas que as pessoas identificam na tua música para saberem imediatamente que é tua?

Eu agora sinto que as pessoas percebem que é um som meu logo na introdução. A cena da guitarra portuguesa tem muito peso. É um som muito característico — sou o único que faz isso nessa estética musical. Eu acho que tem um bocadinho a ver com a estética, acho que o people já percebeu (a quem chegou, claro, a quem não chegou ainda não percebeu) que a minha sonoridade é aquela. Eu sinto que sou o único a fazer este estilo aqui em Portugal e por isso não é difícil. Acho que tem a ver com a estética e com a sonoridade.

É verdade que tens uma sonoridade única nesse aspecto, mas desde que começaste a lançar que a música portuguesa também se tem voltado um bocadinho mais para esta conexão entre o fado e outras esferas como o hip hop, a electrónica, a música pop. Tens estado atento a isso? Tens sentido isso?

Por acaso tenho sentido isso, mas sempre depois de eu chegar. Eu já tinha chegado ao jogo e depois é que comecei a sentir isso. Há uns anos, o Sam The Kid samplava guitarras portuguesas, foi o primeiro a fazê-lo, o que foi incrível. Mas nunca tivemos uma pessoa que desse a cara por isso, que fosse “O” gajo que faz isso. O que sinto agora é: sim, eu vejo que está a acontecer, mas nunca foi nada que eu acompanhasse muito. Não acompanho muito essa cena de guitarra portuguesa e novas sonoridades. Faço a minha e é o que é. Mas é tão natural, que eu quase nem sinto que estou a tocar uma guitarra portuguesa. Estou só a tocar a minha dica, que toquei a vida toda. Na verdade, toco guitarra portuguesa há 12 anos, tenho 23… É muito tempo. É a minha continuação enquanto alma e corpo. Faço isto mesmo há muito tempo, e a minha vida toda foi tocar guitarra portuguesa. 

Portanto, sentes que segues simplesmente a tua identidade e o teu caminho.

Exacto, aquilo é meu! Eu já não me vejo sem tocar guitarra. 

Sobre ligações que levantaram muitas sobrancelhas, sem dúvida que as participações do Jeremih e do Scott Storch (como teu produtor–executivo) estão entre as mais inesperadas dos últimos anos. Como é que se deu essa conexão e o que nos podes contar sobre ela?

O meu primeiro contacto que eu senti que fosse possível chegar lá fora — eu nunca tinha imaginado, e deixo já a dica a quem acha que é impossível aqui em Portugal: sei que há poucas oportunidades, que somos pequenos, mas tudo é possível. A primeira conexão que tive foi com o irmão do Usher, que foi produtor do “Confessions”, que me enviou uma mensagem na altura em que eu fazia vídeos para o instagram a tocar por cima de beats, a dizer “curti bué da tua cena”, e ele ligou-me, dei-lhe o meu número e começámos a falar. Foi a primeira vez que eu me senti perto desse sonho. Depois, a cena com o Scott surgiu com uma mensagem no Instagram (foi bué simples), e ele disse para eu ir produzir com ele e foi assim. Foi muito natural.

Quanto às participações: o Jeremih, em específico, foi a primeira. Eu fiquei logo brother do Jeremih, ia para casa dele — temos muitas músicas juntos! Ele é um gajo que de forma real gosta da minha música, e eu da dele. É um dos meus ídolos e é um dos mentores do meu projecto. Tem uma ligação próxima com o r&b também. Ele fez o “Tata” a olhar para a série Narcos e disse: “vou escrever sobre isto”. Fiz as guitarras e a harmonia. O Scott fez o beat. Foi muito simples. Quase nem precisámos de dirigir o projecto, ficou feito à primeira. Fizemos o som para aí em meia hora. 

Tenho outras participações também. Há pessoas que perguntam porque é que vim embora de Los Angeles — também há pessoas que pensam que eu sou americano ainda hoje. Mas senti uma pressão estranha, foi tudo muito rápido para mim, eu precisei de parar de fazer música durante algum tempo, então estou a voltar agora.

Antes de falar um bocadinho mais do álbum, queria só perguntar-te aqui sobre este novo single, “Pra Quê Falar”. Irónico pelo título que tem, mas fala-nos um pouco sobre isso. Nota-se que é uma produção um bocado mais ambiciosa, também, com aquele motivo orquestral.

O “Pra Quê Falar” surgiu duma forma bué natural também, como todos os outros sons do álbum. O Detergente — um produtor angolano, grande amigo meu — mandou-me uns acordes de uma guitarra por Whatsapp, e eu senti logo. Ou seja, ele é o compositor harmónico da cena. Eu senti logo aquilo e fui para o estúdio tornar aquilo um bocadinho mais profissional, meti uns pianos… Mas não estava a ligar tanto ao som, deixei um bocadinho em standby, e continuei a minha vida como normalmente, não estava a ir para o estúdio tão regularmente. Em Agosto subi para o Porto para fechar o meu álbum com o André Areias e com o Ivo — que foi quem captou as vozes, os instrumentos, tudo. O Areias foi quem fez as produções dos sons todos comigo, é o meu pianista (um pianista incrível do Porto). Como te disse há pouco: eu não sou um rapper, não sou um gajo de lírica muito forte, não quero ser isso. Eu sei que a maior parte das letras levam o seu tempo a escrever, e por vezes se fica a escrever um som durante um mês. Isso não acontece no meu projecto, nunca aconteceu. Nós escrevemos a letra em meia hora, as vozes todas foram gravadas à primeira, assim como o solo de guitarra, a introdução… Foi tudo assim, este projecto tem esse conceito, de ter a música feita à mão e no momento. Foi tudo tocado, não há nada samplado — nem no álbum, nem no “Pra Quê Falar”. Não que tenha algo contra, curto bué dessa estética, mas neste álbum não existe isso.

O “Pra Quê Falar” tem aquela introdução de violinos em solo que é a intro do álbum, e depois a faixa começa nos violinos em que começa já a melodia com o [canta a melodia]. A introdução foi toda feita e tocada pelo Areias, as harmonias são do Detergente, desse produtor e compositor angolano, e eu fiz o resto, dirigi o projecto todo. As drums são do M4sk, que tem trabalhado comigo em quase todos os sons.

És alguém que gosta do primeiro take, então.

Ya, eu sou esse gajo. Não quero saber se está desafinado… Claro que se houver alguma cena por alterar, eu altero. Não lanço nada que na minha cabeça não esteja perfeito, eu tenho esse problema, mas sou o gajo do primeiro take. Gosto de tocar as cenas assim. A letra, como te disse, é uma cena bué natural, mano. É uma cena que fala do meu quotidiano. Fala um bocadinho da falsidade que se vive nas ruas, mulheres, amigos. Mas duma forma simples, duma forma que todos se possam identificar.

Tens já uma mão cheia de singles teus e algumas colaborações com grandes artistas tanto a nível nacional como internacional. Tens falado desde há uns anos sobre um trabalho maior que estás a realizar. Em que fase desse procedimento estás?

O álbum está fechado. Vídeos, sons, capa, misturas, masterizações… estou só à espera do dia de lançar cá para fora. Já tenho a data, e em breve todos vão poder saber. Mas estou bué feliz, é um álbum em que me sinto eu, que não vive de featurings. Tenho só dois featurings no álbum, que por acaso já revelei, que é o Dmauri, um artista que está a começar agora, que tem uma grande vibe, é meu brother, eu acredito no talento dele; e tem o Ty Dolla $ign com produção do Scott Storch. É mostrar um bocadinho dos dois mundos: tenho um som com um rapaz cheio de talento, de igual forma que o Ty Dolla (para mim, na minha visão, claro), que está a começar. Um que ainda não existe para indústria e para as pessoas; e outro, o Ty Dolla, um artista mundialmente conhecido, uma referência para 90% dos artistas. É mostrar esses dois mundos, não precisamos de fazer música com ninguém, só boa música, percebes? Não precisamos de nomes, nem de cara, nem de fama… nada disso. Só queremos fazer boa música — digo “queremos” porque o álbum não é só meu, é de toda a gente que participou nele e que me apoia todos os dias para que isto possa acontecer.


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