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Fotografia: Hugo Sousa / gnration
Publicado a: 04/03/2024

Mestria, carinho e união.

MIKE no gnration: a palavra e o dom para a versar

Fotografia: Hugo Sousa / gnration
Publicado a: 04/03/2024

A BlackBox do gnration estava preenchida e o público o mais jovem que vimos naquela sala. Às 21h30 escutou-se, debaixo do único holofote aceso da sala, um “Yo! Whatzzuuup!” libertador de uma enorme energia, expectante, acumulada. Repetiu-se o momento com o nome da cidade — “Yo, What’s up Braga?” —, e tornando-se mais próximo do seu público, Jadasea convidou para que se acumulassem junto à boca de palco, para que as palavras se sentissem mais perto. Confessou ter acabado de jantar há pouco tempo e esse faltava para aliviar a digestão, por isso tinha de experimentar uma Super Bock a ver se as coisas fluíam. Após um longo golo, lançou a primeira música do seu suporte de samplers, “Blessed but This Shit Getting Worse”.

Os próximos 35 minutos seriam de uma batida entrecortada com melodias do mais clássico jazz aos mais puros sons do quotidiano e a trechos do R&B dos anos setenta, denunciando um experimentalismo lo-fi assumido. As músicas são curtas, honestas e quase sempre direcionadas à sua malta, posicionada de lado no palco.

A voz, nasalada, assume a palavra como o cerne de toda a sala. Pergunta à massa se queremos mais alto — claro que sim! Agradece a simpatia de todos e volta a falar na noite fantástica que está a ter. O cerimonial de se aproximar da mesa para o próximo tema dá-se de uma forma descomprometida, relaxada, atrevemo-nos a escrever, de tal forma despreocupada assemelhando-se a um acessório menor, desprezado da sua funcionalidade.

A palavra é o importante, o agradecimento é constante. Aos irmãos e ao público e a quem nem sequer está. De tão curtas as músicas, ficamos com a sensação que passa pelos seus trabalhos todos. A última música de Jadasea teve a mão um dos membros da “família”. “This is my last one brothers!” Um dos rapper londrinos mais honestos de que temos memória, despido de pedantismos, tem diversas colaborações com MIKE — foi até membro do colectivo Sub Luna City — e tem um trabalho que merece ser visitado e colocado nas nossas escutas quotidianas.

A seguir, quem subiu a palco ao foi uma bela senhora cheia de simpatia, SALIMATA. Seria “in the benningnig” a abrir o espetáculo e, se o desapego dos cuidados técnicos de Jadasea indiciavam que esta geração não quer mesmo saber do acessório, esta artista de Brooklyn confirmou-o lançando os seus instrumentais de um computador portátil da forma mais rudimentar que lhe seria possível.

Possuidora de uma natural forma de disparar e embalar a palavra, com um sotaque bem característico, apresentou-nos o seu mais recente trabalho, OUCH, lançado no final do ano passado. De repente, Jadasea tinha sido esquecido. Não diminuindo a grande qualidade do rapper, que o sacrilégio não tem espaço aqui. SALIMATA traz com ela o talento raro de um milhão. Provavelmente, o problema das grandes urbes, como N.Y., será mesmo dificultar a descoberta de talentos como este no meio de tanta oferta. Desconfiamos que, em breve, a passagem por uma editora com outro tipo de argumentos possa levar SALIMATA para os grandes palcos.

Absortos nestes pensamentos, caímos na realidade ao ser surpreendidos por “I GETS”, a música mais experimental do álbum e pronúncio de uma veia alternativa da artista. Ficamos a saber, mesmo antes de “play ur part”, que nenhum de nós gosta de lavar pratos — nem ela, SALIMATA. A todas as provocações, o público, apaixonado pela atuação, respondia, filmava, saltava e dançava.

É de salutar que haja uma vontade tremenda pela cultura dos mais diversos géneros pelas jovens gerações. “20 Frévrier”, “ONOMATOPOEIA” e “play ur part”, passaram para a playlist do cantante do nosso carro mal saímos do edifício — e o mesmo vos aconselhamos a fazer. Foi curto este lugar com SALIMATA.

“That was short” — foram as primeiras palavras de MIKE, já em palco, confirmando o arranque da sua actuação e apontando para artista que acolheu na sua editora 10k. Já sons de “Dambe”, do álbum Burning Desire, se escutam quando se apresenta juntamente com um companheiro de palco — “ I’m MIKE and this is Tucker”. MIKE trazia alguém, muito especial, para trabalhar os seus instrumentais, ao contrário do que aconteceu até a este momento.

Este seria a parte da escrita em que nomearíamos todas as músicas de Burning Desire ou, pelo menos, as que mais se destacaram. Aí, enfrentaríamos o problema de resolver este texto, pois nada se destacou dentro da perfeição. MIKE tem o dom de conjugar a palavra, e nela tem a essência poética com a mestria de a desenhar no lugar e momento certo.

Durante um mar de palavras, percebemos a simplicidade da vida. Numa festa à qual MIKE convidou o público a juntar-se, tanto no verbo, ao exemplo de “THEY DON’T STOP IN THE RAIN”, como no corpo, uma plateia de braços no ar se celebrou a ela e à vida, onde o mestre da cerimónia guiou a felicidade dos seguidores e dos que ainda o aprendiam. As mesmas palavras conseguem contar milhares de histórias se lhe mudarmos a ordem e, se lhes acrescentarmos uma batida e lhes soubermos vestir uma rima, como este interprete faz, haverá um sentido muito próprio ao quotidiano.

É imprescindível escutar e ler MIKE. Aprender, com a maturidade necessária, o que este senhor escolheu contar e, para isso, não chega só o concerto. Esse foi de alegria e carinho — aquele que nos atingiu quando MIKE pediu para nos aplaudirmos, a nós e à vida. “Nada dela faria sentido sem os nossos”, disse.

O fim do espetáculo chega com a sala a ferver, onde ninguém, nem mesmo o técnico de som, ficou esquecido nas palavras deste excelente interprete de humildade. O culminar deste amor que transborda de MIKE aconteceu na dedicatória às irmãs e sua mãe, pretexto na aproximação física ao público para o abraço e o cumprimento aos que, na boca de palco, lhe estendiam os braços. “It’s been a beutiful night! Despediu-se. Foi.

Do ponto onde nos posicionámos na sala, percebeu-se que MIKE e a sua comitiva estiveram sempre no lado do palco a apoiar a atuação de Jadasea, SALIMATA e vice-versa. Decidimos deixar esta nota aqui. Dentro dos milhares de concertos que assistimos, é raro ver uma tal união numa comitiva, que ainda por cima vibra com os espetáculos como se fosse a primeira vez que os assistem.

Este concerto foi o terceiro integrante da Somebody Fine Me Trouble Tour, que se estenderá até ao próximo 25 de Maio, espalhando as suas datas por entre a Europa e os E.U.A..


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