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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/11/2023

Rikke Lundgreen e Tommi Grönlund falam sobre a instalação itinerante de homenagem ao músico finlandês.

Mika Vainio e The Museum of Sound: uma forma de “desafiar os ouvintes. Questionar o que e como escutamos”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/11/2023

Uma homenagem é exercício arriscado. Uma homenagem tão próxima do desaparecimento de um artista contemporâneo, com a dimensão e influência de Mika Vainio, aumenta consideravelmente este risco. Um pensamento cuidado, os detalhes apurados fizeram com que se assistisse a um dos momentos altos de 2023, no que à música diz respeito. Os concertos, os filmes, a “Listening Room” afastaram-nos consideravelmente de uma perspectiva cronológica sobre o trabalho de Mika Vainio. Antes, aproximaram-nos da sua multidimensionalidade — musical, sonora, imagética e a criação de um universo afastado de catalogações apressadas e exclusivistas. Como referem ao Rimas e Batidas Rikke Lundgreen, uma das responsáveis, juntamente com Tommi Grönlund, pelo The Museum of Sound — “Esta relação [do Mika] com o som, com a música é muito mais universal. Uma determinada maneira de se expressar.”



[THE MUSEUM OF SOUND]

[Rikke Lundgreen]Eu e o Tommi [Grönlund], após a exposição no Kiasma, que consistiu em seis instalações sonoras da autoria de Mika Vainio, em que estava também inserida a ‘Listening Room’ e durante o processo da estruturação da mesma, fomos entrando no arquivo do Mika. Procurar nas caixas, no material deixado, na procura de notas e documentação sobre estas instalações sonoras. Ambos escrevemos pequenos textos para o catálogo [Kati Kivinen, Rikke Lundgreen – ‘50 Hz – Mika Vainio’], que acompanhava a exposição. Durante este processo fizemos muita pesquisa sobre a relação do Mika com o som e como concebeu estas instalações. Igualmente, a relação com o som e o processo de escuta em geral. Organizámos um seminário no âmbito da exposição. Foi um percurso que nos conduziu a algumas perguntas: ‘Como pensamos o som? Como escutamos?’ Não é uma afirmação territorial muito complicada, mas penso que é importante, pelo menos para nós, ter esta ligação pessoal. Após este seminário, juntamo-nos no terraço do Kiasma, com outros colaboradores do Mika, entre os quais o responsável pela secção de sound art da The Wire Magazine. Reparámos que havia muito material. Chegámos à conclusão que seria muito triste se o diálogo que havíamos iniciado terminasse. Assim, decidimos candidatar-nos a fundos de forma a organizar eventos e continuar com as ‘Listening Room’. O que fazemos não é radicalmente novo ou que não tenha sido concretizado antes. O Tom já tinha a experiência de ter organizado largas centenas de eventos e eu organizado bastantes exposições. Decidimos fazer um projecto com mais profundidade e ao mesmo tempo abrangente.”

[Tommi Grönlund] “Foi como pesquisar e entrar no que o Mika tinha feito ao longo da sua vida. Foi, sobretudo, um trabalho de organização da informação. O Mika tinha uma ‘Listening Room’ em sua casa. Convidava um amigo para jantar e sentava-o. Depois punha música muito diversa para que escutasse com toda a atenção. Não havia música como pano de fundo. Uma situação totalmente imersiva.”

[Rikke Lundgreen] “Exactamente. A música tem muito a ver com o tempo. A música e o som têm diferentes durações, limites temporais. Isto é muito importante para o processo de escuta.

Gostava de acrescentar, que o trabalho sobre o arquivo sonoro não é feito exclusivamente por nós. Convidamos outros artistas para trabalharem o conceito de ‘Listening Room’, mas também para fazerem uma playlist como foi o caso de Bruce Gilbert na ‘Listening Room’ de Genebra. Já fizemos uma ‘Listening Room’ somente com os discos de música clássica do Mika. Tinha uma coleção de discos de música clássica enorme. Muitas vezes estabelecem-se ligações muito estreitas com o Mika, outras mais alargadas com a comunidade de que fazia parte ou ainda com novas pessoas. No caso de Serralves, optámos por trabalhar somente a música do Mika.”

[O ARQUIVO]

[Rikke Lundgreen] “Trabalhamos muito em função dos espaços. Questões como a arquitectura. O sentir a sala. A sua capacidade, evidentemente, mas também o tipo de público e as relações que, eventualmente, se podem estabelecer. Organizámos uma ‘Listening Room’ no Robert Johnson, um clube de techno. Outras que mostram um lado mais experimental e subliminar, um lado mais atmosférico, que permitem estabelecer diferentes conexões. Expandir as mentes para que se possam ouvir outros sons. Quebrar as expectativas sobre o que se espera ouvir. Encontrar subtilezas nas ligações e que se tenha de procurar mais para encontrar essas mesmas ligações. É importante mostrar as músicas que o Mika compôs para lugares como Robert Johnson, mas também as outras composições para que se possa estabelecer o necessário contraste, para que se estabeleçam correspondências. Desafiar os ouvintes. Questionar o que e como escutamos.”

[Tommi Grönlund] “Em Serralves, havia já um conjunto de colunas e subwoofers específicas, que nos permitiu evitar trazer connosco algum do material. Muitas vezes é impraticável fazer o seu transporte. As características da sala influenciaram o nosso trabalho aqui. É uma sala grande, mas tornamos o ‘campo de escuta’ mais compacto no sentido de estabelecer a tal ligação com quem pretende ouvir. Que se possa partilhar este momento com outras pessoas, como se estivéssemos num teatro, num cinema em que todos ouvem o mesmo num espaço determinado.”

[O OSCILOSCÓPIO]

[Tommi Grönlund] “A utilização do osciloscópio assume uma componente estética bastante forte. O Mika, quando actuava ao vivo, utilizava também o osciloscópio como a materialização visual do som.”

[Rikke Lundgreen] “Osciloscópio é um instrumento electrónico usado para medir a electricidade, muito utilizada em processos de fabrico eléctricos. Nas pescas, para detectar o movimento, por exemplo.

Importante referir que é um instrumento que converte as correntes eléctricas em gráficos e linhas. A visualização dos sinais eléctricos. Torna-se um elemento visual muito interessante. O de Serralves é, propositadamente, de dimensões bastante reduzidas. Quando olhamos para a música electrónica das últimas décadas, muitos músicos inspiraram-se e usam estas formas onduladas como imagem nos seus concertos. Mika e Ilpo [Väisänen] desde muito cedo usaram e definiram este elemento visual simples nos seus concertos. Constituía o único elemento visual que utilizavam no seu trabalho. Mika usou o osciloscópio no trabalho que concebeu para a Fundação Tápies [Barcelona]. Usou microfones de contacto nas instalações no telhado. Trata-se de uma escultura de dimensões consideráveis. Os sinais que vinham desta escultura, juntamente com os sinais que vinham dos microfones, eram visualizados no osciloscópio que se encontrava no museu. Podíamos ouvir o som e viam-se as ondas. Este ecrã era a preto e branco. O osciloscópio estava muito presente nos exercícios e concertos do Mika. Gostamos muito desta parte do seu trabalho, como tal está bastante presente no contexto das ‘Listening Room’.”

[UM CAMPO JAMAIS PRÉ-DETERMINADO]

“Nas nossas instalações, quando recorremos a um elemento visual tem de ter uma certa função ou transmitir uma certa mensagem. Pretendemos que o elemento principal seja o som. Quando a combinação entre o som e a imagem não estão equilibrados, o som e a imagem podem entrar em competição, em conflito. Logo, pode-se gerar situações de desajuste com a mensagem e/ou resultado que se quer transmitir. Utilizamos os elementos visuais de forma a que conduzam a um determinado estado de espírito, a um sentimento particular. O material de arquivo, as ilustrações utilizadas por nós, podem conduzir a uma sensação em relação a um determinado lugar. O Mika utilizava fotografias da casa da avó como capas de disco. Frequentemente eram fotografias da família tiradas pelo pai do Mika. Penso que com estas imagens ele gostaria de transmitir um sentimento particular.

A sua música não pertencia a nenhum grupo específico. O seu conceito não era facilmente definível. No outro dia, em conversa com a Mo Loschelder [manager do Mika], ela dizia que o Mika não tinha somente uma mensagem ou sentimento de pertença em exclusivo a uma determinada corrente. Ele não gostava de pertencer a um lugar, ser conhecido por ter uma determinada missão, como se fosse uma espécie de declaração política. ‘Eu sou o Mika Vainio, faço isto e isto por causa disto.’ Era uma postura muito deliberada. Via a sua música como algo maior. Mesmo pertencendo a géneros como o da música electrónica, do impacto que teve no techno, de ter tocado em muitos locais diferentes. Esta relação com o som, com a música é muito mais universal. Uma determinada maneira de se expressar. Uma forma de existência. É muito mais interessante debruçarmo-nos sobre como sentimos a música e o som, como a ‘usamos’ na nossa vida para comunicar, como a cuidamos. Muito conscientemente não aceitava estas fronteiras definidas previamente. O mesmo se passa com o material visual. Ao usar determinadas imagens define-se um corpo muito encerrado à partida, em termos de estilo, de espectadores. Gosto do facto de se quebrarem as expectativas. Por um lado, um som muito denso, industrial, mas na capa poderia ter uma fotografia da mãe, por exemplo. Trata-se de estabelecer outro tipo de relações.”

[O SILÊNCIO E OS MICRO-SONS COLECTIVOS]

“Quando estamos sentados e ouvimos sente-se algo que vem, que cresce. Estamos a entrar no próprio som. Isso nota-se particularmente quando há silêncio entre as peças, nos pequenos intervalos entre elas. Perguntam-me, frequentemente porque não faço uma mix, como um DJ. Já fizemos isso, mas temos também uma outra narrativa que é muito mais flutuante, um entrar e sair das músicas. Gosto muito desta abordagem mais simples, de pôr em conjunto. Há uma composição longa, depois outra que começa. Há uma noção maior de cada tema individualmente. Funcionam como capítulos, pontuações. Como num livro em que se notam as diferentes partes, mas que no final conformam um todo. Pode ser muito interessante para quem ouve, pois encontra-se desperto para o acto da escuta. Quando se está sentado, os pequenos movimentos da cadeira, uma pequena tosse, um respirar profundo vindo da pessoa ao lado. Sentimos que não estamos sozinhos. Somos lembrados pela presença das outras pessoas através do som. Há quem pense que estes sons poderão ser um pouco perturbadores, mas gosto de pensar neles como um lembrete de que nos encontramos na sala com outros seres humanos e que estamos todos juntos a ouvir.”

[THE MUSEUM OF SOUND E O SEU FUTURO]

“Os apoios que temos estendem-se até ao próximo ano. Já temos programadas diferentes ‘Listening Room’. Iremos apresentar em Génova, num museu local. No Intonal, em Malmo, onde não só apresentaremos a ‘Listening Room’, mas também um concerto de Charlemagne Palestine. Ainda não confirmado, mas previsto, estaremos no Museu Sibelius, em Turku. Um edifício brutalista, em betão e muito bonito. Um auditório com um certo espiritualismo em betão. Gera muita ilusão integrar Sibelius, Charlemagne e Mika desta forma. Haverá ainda uma apresentação no Meakusma Festival e outra em Oslo. O Tommi juntamente com Mika Taanila [realizador do Tectonic Plate and A Physical Ring, por exemplo] organizam muitos concertos com músicos contemporâneos locais, no estúdio do Tommi, em Helsínquia. Todas as apresentações assumem uma natureza diversa, diferentes sentimentos e qualidades.”


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