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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/04/2024

Um álbum pop com sabor a folk, indie e alguma produção digital.

Miguel Carmona: “Quis ter a certeza de que o que estava no papel e na música era honesto”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 22/04/2024

Oito anos depois de se ter dado a conhecer no The Voice Portugal, Miguel Carmona apresentou na passada sexta-feira, 19 de Abril, o seu primeiro álbum, Fora de Horas. Conta com uma dúzia de temas e uma participação de Rita Rocha.

Produzido por Ariel e Migz uma das duplas mais quentes da música nacional contemporânea o disco tem uma componente mais acústica e próxima das sonoridades folk e indie que se mesclam na pop de Carmona; mas também algumas canções com mais produção digital, universo a que Ariel e Migz chamam casa.

É por esse equilíbrio delicado, mais a busca pela honestidade que Miguel Carmona pretendia imprimir nas letras, que este Fora de Horas se guia. O Rimas e Batidas trocou algumas impressões com o artista sobre o seu disco de estreia.



Apesar de fazeres música há alguns anos, obviamente o primeiro álbum acaba por ser um cartão de visita importante. Sentiste esse peso e responsabilidade, num sentido até positivo, de quereres trabalhar muito no álbum até ele estar exactamente como querias?

Acho que sim. Nós, artistas, acabamos sempre por ser um bocadinho perfeccionistas. Vejo isso à medida que vou entrando e conhecendo cada vez mais pessoas no meio. No meu caso, sou bastante exigente, mas também estava com pessoas que são bastante exigentes com elas próprias. Os produtores com quem trabalhei querem que a visão se concretize da melhor maneira possível. Às vezes é preciso haver algum desbloqueio para não cairmos naquela coisa de sermos casmurros e saber largar quando está na altura de largar. E, nestes dois anos a trabalhar on and off, no sentido em que estava muito dependente da disponibilidade deles, porque são muito ocupados e estão com grandes projectos nas mãos, senti que me deram um voto de confiança por quererem trabalhar no meu projecto… Mas houve uma altura em que eu o soube largar. Há-de haver uma altura, mais tarde, em que farei coisas que irei achar melhores, mas este é um primeiro degrau com o qual estou super orgulhoso, e isso para mim é o que interessa. 

Como é que conheceste o Ariel e o Migz, para depois começares a trabalhar com eles?

Conheci o Ariel primeiro. Eu assinei com a Sony, na altura trabalhava mesmo na minha área de estudo, que é Gestão e estava no Excel, todos os dias, atrás de uma secretária, o que não era a coisa mais divertida do mundo [risos]. Na mudança de gerência da Sony, dei por mim a querer avançar e a tentar arranjar pessoas para colaborar na produção. Sabia que o meu nível de produção só me levaria até um certo lugar. A minha música nunca ficaria num ponto em que eu acharia que estivesse perfeita para ser lançada ao público ou para passar numa rádio, por exemplo. Portanto, precisaria sempre dessa ajuda. E comecei a trabalhar com vários produtores. E um dos com quem experimentei trabalhar mesmo numa forma muito experimental, no início, para ver como é que ele funcionava foi o Ariel. Na altura, ele ainda não trabalhava com o Migz, estava sozinho. E adorei trabalhar com ele, por várias razões. Ele é muito directo, e o trabalho entre artista e produtor implica uma relação muito delicada. No sentido em que tem que haver um compromisso entre os dois: o que é que eu vou dizer, de que maneira vou dizer? E muitas vezes isso pode passar a linha do ir com paninhos quentes. “Se calhar à primeira digo que discordo, à segunda já não”. Mas, no caso do Ariel, gostei muito da frieza dele. Ele era muito directo a dizer as coisas, a falar daquilo que achava. Aliás, mais tarde criámos uma grande relação de amizade e uma vez até ficámos a discutir uma manhã inteira sobre um acorde [risos], porque eu queria que o acorde ficasse e ele não. Isso atraiu-me muito. Além disso, é um músico brilhante, um multi-instrumentista e um produtor exímio. Mais tarde, conheci o Migz. Houve um espaço de tempo em que não voltei a ver o Ariel porque ainda estava a experimentar outras coisas e outros produtores. E acabei por me voltar a juntar ao Ariel, mas já em dupla com o Migz. Também me comecei a dar cada vez melhor com ele e a coisa começou a andar para a frente. Eles apadrinharam o meu projecto e decidiram fazer a produção executiva. No fundo, produziram praticamente todas as tracks.

E são dois nomes que associamos a sonoridades mais digitais e urbanas. Mesmo que não quisesses ter essa linguagem, querias ter essa perspectiva do lado de quem estava a trabalhar contigo? Um olhar que tivesse essa bagagem menos acústica?

Sim, sem dúvida. Existe uma parte de mim que consome esse tipo de música e, acima de tudo, sabe apreciar esse tipo de produção. Apesar de as minhas bases serem mais acústicas, e a minha linguagem também, acabei sempre por ir buscar coisas ao digital, de fazer esse tipo de arranjo… Esta produção mais digital sempre me atraiu e eu próprio fazia em casa. Acabava sempre por ir por esses caminhos. Portanto, trabalhar com eles deu-me muito essa visão. Eles têm muita estaleca, mas acho que também foi um desafio para eles, porque é um universo em que não estão tão habituados a trabalhar no dia-a-dia. E eu próprio tinha, por vezes, de os trazer mais para o meu lado da equação e eles às vezes tinham que me puxar. Um exemplo muito simples foi na música “Tudo na Mesma”, que tem um final já com uns synths e assim uma energia, e eu estava tipo: “Isto já parece uma intro do Tomorrowland [risos], se calhar vamos baixar uns decibéis a isto”. Já estávamos numa nuvem, mas acabámos por arranjar uma solução em que os dois mundos se cruzam. E acho que é muito isso que se vê no álbum inteiro. É uma junção destes dois universos, em que eles me ajudaram a elevar a minha visão do álbum para uma coisa muito maior.

E há claramente músicas com uma base mais acústica e outras em que experimentaste ou saíste mais da tua zona de conforto. Suponho que procurasses esse equilíbrio.

Sem dúvida. Se uma pessoa ouvir o álbum de uma ponta à outra e tentar colocar da mais acústica à mais produzida, vai ficar provavelmente em ordem cronológica de como as músicas foram escritas. Também houve uma evolução da minha parte mais orientada para o digital. A música mais acústica que tenho é provavelmente a “Saturno e Júpiter”, que foi escrita há dois ou três anos, na minha sala, à guitarra clássica, de cordas de nylon. Tem muito esse toque mais português, com uma linguagem diferente. Essa música foi um quebra-cabeças, ver de que maneira é que iria entrar no álbum, como é que a poderíamos pôr na estética do álbum sem estragar a música, sem a desvirtuar completamente. Aliás, teve várias versões às quais simplesmente disse que não, porque deixava de ser a música que eu tinha escrito e passava a ser uma cena completamente diferente. Mas é um exemplo da tal junção dos dois universos e desse equilíbrio. É um álbum que tem os seus momentos mais produzidos e outros mais acústicos. E isso também não tem mal nenhum não quero um álbum que soe tudo ao mesmo, e acho que conseguimos encontrar um bom ponto intermédio.



Temos estado a falar muito de produção, mas para abordarmos o lado mais temático e isso é mais pessoal, é mais teu , e davas agora o exemplo de uma canção que já tinha dois ou três anos, muitas destas letras ou dos temas que querias abordar já vinha da construção e do percurso que tens vindo a fazer ao longo dos últimos anos?

Sim, diria que sim. É difícil para mim ver isto como uma novidade, porque estou há dois anos a trabalhar nestas músicas embora para o público seja uma coisa nova e espero que seja fresh. Mas, em termos temáticos, acho que houve uma evolução a nível das letras que fui pegando e cada música foi escrita à sua maneira. Cada uma teve o seu caminho e o seu crescimento. Essa, por exemplo, a “Saturno e Júpiter”, foi a que escrevi mais rapidamente. Foi numa tarde. Há outras que demorei meses a escrever porque foram feitas em estúdio primeiro trabalhando como na música urbana. Ao trabalhar com eles acabámos por adoptar alguns métodos de trabalho que eles estão habituados a fazer, desenvolvendo primeiro um draft de produção em que temos algum tipo de melodia por cima, e depois levar isso para casa e escrever uma letra e ver como é que se encaixa, o que é que vou alterar na melodia para pôr esta letra… Acho que desenvolvi um grande treino com eles, para trabalharmos de várias maneiras cada uma das músicas. Em termos temáticos, este álbum acaba por ser uma busca minha pela honestidade. É uma dificuldade que tenho constantemente, de estar sempre a tentar ser genuíno e ter a certeza de que o que está no papel e na música é de facto honesto. Portanto, à medida que os anos vão avançando, sinto que vou dar cada vez mais passos nessa linha. Neste álbum estou muito orgulhoso do que fiz porque consegui fazer esse processo. Era aquilo que eu estava a dizer: sou muito casmurro nas coisas e as minhas letras foram muito espremidas e trabalhadas porque, apesar de às vezes parecerem muito simples, não queria nunca sentir que estava a fazer algo que, para mim, me soasse foleiro ou fora do que eu sou, ou algo que simplesmente ficasse bem porque era mais audível… Encontrar esse equilíbrio, mesmo na minha cabeça, foi o verdadeiro desafio das letras. É a parte com que tenho mais dificuldade, diria. A parte musical é o que me dá mais gozo. Quando oiço uma música pela primeira vez, é a música que oiço. Podem perguntar-me sobre o que é que era a música que provavelmente não vou conseguir dizer sobre o que é que era… Porque estive mais a ouvir os detalhes por trás, como é que a melodia corre e como é que ela está escondida no meio da música, das vozes e das harmonias… Por isso, as letras são sempre aquilo que tenho em vista melhorar, mas neste álbum foi sem dúvida um desafio ao longo de dois ou três anos ir escrevendo temas diferentes e que iam cada vez mais distanciar-se. Mas identifico-me com todas e isso significa que, de facto, são genuínas.

Essa preocupação com ser genuíno tem a ver com quereres ter uma identidade forte e própria, nesta fase do primeiro álbum?

Sem dúvida mesmo. É difícil distinguir a música que ouvimos e a música que queremos fazer. Muitas vezes é preciso distinguir essas duas coisas. Apesar de eu gostar de rap, não quer dizer que eu vá fazer rap. Acho que essa busca pela genuidade é um processo de descoberta por essa identidade artística. Sempre foi um ponto a definir no meu projecto, foi tema de conversa em reuniões com a minha equipa, de qual seria o produto final para onde estávamos a apontar. E estes dois anos foram esse processo de descoberta. Estou muito mais resolvido do que estava há dois anos, e daqui a dois anos vou estar ainda mais resolvido, e se calhar com mais consciência de onde apontar. Portanto, sem dúvida que essa busca pela identidade artística é fruto dessa busca pela genuidade.

Fizeste também uma mini tour por várias cidades, para antecipar o lançamento. Como é que surgiu a ideia?

Tive esta ideia já há algum tempo, não neste formato em concreto, mas de alguma maneira. Surgiu-me com o pensamento de querer levar a música às pessoas. Não sei bem em que formato, mas sabia que implicava sair de Lisboa e ir mostrar às pessoas a minha música. Tenho perfeita consciência que, na situação em que me encontro, não tenho o maior público nem uma grande fanbase montada tenho algumas pessoas, mas de que maneira é que conseguiria fazer isso acontecer, tendo em conta o número reduzido, no contexto de um artista que está a começar? Especialmente numa altura em que em Portugal é muito difícil dar esses primeiros passos. E com tanta música de qualidade a aparecer, de malta da minha geração e não só, acaba por ser muita informação e difícil para uma pessoa destacar-se. Não me importo que me digam que a música não agradou a um certo público… Agora, o que eu queria evitar ao máximo era que as pessoas não a tivessem ouvido. Pelo menos tentar que a música lá chegue. Podem não gostar, e pode não ser para toda a gente, mas pelo menos tentar que as pessoas oiçam. E entrar nas rádios também se tornou cada vez mais difícil…

Sentes que é o grande desafio nesta fase de carreira? Dar esse salto e dares-te a conhecer às pessoas, tendo em conta tudo o resto que existe? 

Exactamente, e não quer dizer que esta dinâmica promocional que fizemos seja uma coisa revolucionária que me dê isso que eu quero, mas é um passo nesse sentido. E é a construção desta narrativa de que quero levar a música às pessoas. Eu quero é cantar. Durante estes dois anos, havia a ansiedade de finalmente querer passar esta fase da construção do álbum para finalmente mostrar a música às pessoas. 

Obviamente, todos os artistas que aparecem ou que acabam por se tornar, de alguma forma, mais conhecidos em programas como o The Voice, inicialmente têm esse rótulo. Sentes que isso para ti também foi uma questão, tentares-te descolar disso? Embora já tenhas passado por lá já há alguns anos.

Sim, já foi há uns bons anos, foi em 2016. Não sei se já descolei totalmente, mas acho que isso também aconteceu com os medleys e os covers que fui fazendo online. Comecei a ser conhecido por quem me seguia como o rapaz que fazia os medleys e não como o rapaz do The Voice. E isso eu reparei. Portanto, acho que esse trabalho até foi feito antes sequer de eu ter começado a trabalhar neste projecto. Agora, chega a altura de também fazer o desmame dessa ideia dos medleys para começar a ser visto como o cantautor de músicas originais. Esse também é outro trabalho, porque muitas pessoas gostam e seguem-me por causa desse tipo de conteúdo, mas claro que agora o nosso objectivo é dar a conhecer este lado de música original.


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