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Publicado a: 24/02/2017

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[TEXTO] Nuno Afonso

Atravessada a habitual ansiedade associada ao segundo álbum após uma estreia bem acolhida, os norte-americanos Migos trazem a lição na ponta da língua como bons estudantes que aparentam. Voltam a virar-se para o transporte de alguma matéria do trap – um género essencialmente das “margens” – para um público de maior espectro. Uma ousadia que merece aplauso, embora nos moldes actuais felizmente já não faça qualquer tipo de sentido separar águas (que talvez nunca devessem ter sido separadas). Ainda que relativamente camuflada de uma roupagem r&b de resultados nem sempre positivos, não deixa de ser um exercício de esforço em acrescentar algo.



Efectivamente, Culture assegura um take mais sólido e curioso que o trabalho anterior. A reforçá-lo está uma autêntica dream team de titãs como Gucci Mane, 2 Chainz ou Metro Boomin, um daqueles produtores que deveria ser alvo de estudo mais aprofundado. No entanto, claro que todos estes elementos juntos não fazem por si um álbum realmente memorável – e este é um desses exemplos. DJ Khaled é o primeiro convidado a ser convocado para a abertura do disco e o resultado fazia crer mais que um mero ruminanço que traz à memória demasiados nomes e infelizmente assume-se desde logo como um presságio. Paradoxalmente, o segundo tema “T-Shirt” faz-nos esquecer o início tremido. Canção imediata, forte e cuja solidez não se voltará a sentir daí em diante. E esse parece ser afinal um assunto mal resolvido na banda de Atlanta: saber exactamente como mesclar as paisagens e referências que buscam. Não se trata pois de um álbum eventualmente produzido pensando numa narrativa ou qualquer linha, mas sim faixa a faixa, como um conjunto solto e pouco coerente entre si. Resulta se pensarmos na possibilidades de extracção de singles avulso; falha na perspectiva de o escutar como obra, por assim dizer.



Por outro lado, Culture traz mais ouro nos instrumentais que nas vozes. Ou esperar-se-ia mais, tendo em conta os intervenientes. A única excepção talvez seja um insuficiente “What the Price”; insuficiente porquê? Poder-se-ia nomear a guitarra azeiteira digna de uns 80s onde Slash dos Guns N’ Roses era rei ou apontar o dedo a um vocoder nas vozes que evoca tudo menos boas memórias. O que por sua vez nos leva a outra questão: onde reside afinal o bom gosto de Migos? Parecem capazes de ziguezaguear pela inspiração e pela preguiça com a mesma entrega, alcançando pois paragens nem sempre satisfatórias.

Sim, é verdade que ao segundo álbum reforçam um estatuto e posicionam-se como uma das fontes do rap mais celebradas neste 2017, contudo onde noutros se sente uma estrutura de ferro (e imaginam-se caminhos genuinamente promissores), noutros os pilares são moldados a barro, ainda que com alguns dos melhores artesãos a trabalhar neles.


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