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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2023

Em contagem decrescente para a quinta edição do festival.

Micro Clima: “Fomos crescendo de ano para ano, sempre a querer mais e a aprender com os erros”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/04/2023

A 14 e 15 de Abril próximos, ou seja, já daqui a uns dias, vai acontecer a quinta edição de um festival que se foi superando a si mesmo e que, a partir da música, se abriu a outras disciplinas artísticas, com o pleno desse investimento a concretizar-se este ano e a prometer maior presença nos que virão. Com características únicas e um ambiente muito próprio (daí o nome Micro Clima), tem como particularidade ser organizado por um conjunto de amigos e frequentadores da SMUP, o seu espaço de sempre, que têm currículos na área cultural e em outras adjacentes e, como dizem os próprios, complementares. Vamos lá saber o que mais nos desvendam, a uma voz, estes incansáveis lutadores, numa altura em que quaisquer iniciativas se confrontam com a pobre realidade em que vivemos.



O nome do vosso festival (Micro Clima) parece referir-se ao micro clima da Parede, concelho de Cascais, conhecida pelos ventos de fim da tarde e pelas praias, mas também sugere que tem por razão de ser a apresentação conjunta de artistas emergentes, ainda colocados nas margens da música popular (apesar de convidarem igualmente nomes já estabelecidos, como por exemplo, em edições anteriores, B Fachada, Ena Pá 2000, Tito Paris, Scúru Fitchádu). Para além destes factores, como definem o conceito que está por detrás do festival?

Um microclima é algo específico e imprevisível, e é um pouco disso que procuramos trazer todos os anos, para cada edição do festival. Uma mistura de artistas já bem reconhecidos pelo público com artistas ainda não tão conhecidos, mas nos quais acreditamos. Nesta edição, por exemplo, temos nomes sonantes como Pongo, EU.CLIDES ou Ganso, junto a nomes emergentes como Soluna, Extrazen ou Atalaia Airlines, sem esquecer o Progressivu e o trio feminino de DJs M3DUSA. Esta escolha de artistas espelha várias sonoridades diversas, climas diferentes, tudo dentro do mesmo festival, num espaço que desde o início tem sido a nossa casa: a SMUP. É essa a nossa missão, a par de querermos alargar a oferta cultural, diversificada e de qualidade, fora dos espaços centrais de Lisboa.

Na origem do Micro Clima está a frequentação de um grupo de amigos na SMUP, onde sempre o festival tem decorrido, e que vem colaborando em várias realizações dessa instituição já centenária. Foram, e são, eles a banda Zanibar Aliens, com destaque para Filipe e Karl Karlsson, Martim Seabra, Mariana e Matilde Tudela, Hércules e Pedro Fernandes, entre outros, que vivem ou viveram na Parede e arredores. O que mais me podem dizer sobre essa pré-história do festival? Como é que surgiu a ideia de avançar com o projecto, tendo em conta que outros festivais de pequena dimensão, em Lisboa e pelo país, têm um tipo semelhante de programação? 

O festival nasceu a partir de um grupo de amigos que vivem ou viviam na linha de Cascais e que frequentavam muito a SMUP, sim, e muitos deles dentro da cena musical de Lisboa. Por sorte, esse grupo era composto por pessoas com capacidades diferentes e complementares, desde músicos ou técnicos de som a fotógrafos e videógrafos, designers, produtores, entre outras, e foi crescendo com a entrada de elementos com outras capacidades, o que facilitou que pudéssemos fazer sempre tudo internamente, entre nós. A isto, juntou-se uma vontade e uma união do grupo em fazer o melhor que podíamos com o que tínhamos. E a verdade é que, desta forma, fomos crescendo de ano para ano, sempre a querer mais e a aprender com os erros também. E é bonito todos os anos ver a acontecer aquilo para que trabalhámos e ver o sucesso que tem tido. Até o próprio nome do festival não nos convencia no início e agora parece que já não imaginamos que fosse outro.

Agora que chegámos à 5ª edição do Micro Clima, não parece muito claro o vínculo que o festival tem com a SMUP, não contando com o facto de esta casa o receber. Em anos anteriores a SMUP era apresentada como a produtora do evento, mas agora transparece que se ganhou alguma autonomia em relação à mesma. Informam-nos melhor sobre esta questão? Deve-se esta à noção de que havia um espaço a cobrir na programação da SMUP, habitualmente incidida nas músicas improvisada e experimental, no jazz e no indie rock? É esse espaço o da pop?

Em 2021, tornámo-nos oficialmente uma associação, o que nos permitiu receber mais apoio financeiro de várias instituições, facilitando a nossa autonomia e, simultaneamente, o nosso crescimento enquanto projecto cultural. Mas a SMUP continua a ser a nossa casa e um apoio muito importante para nós. É também verdade que a nossa programação pretendeu sempre explorar espaços de programação diferentes dos mais explorados pela programação da SMUP — até agora, pelo menos, porque isso está a mudar. Mas quisemos fazê-lo sempre não apenas no festival, mas também na nossa restante programação. Por exemplo, demos lugar às artes performativas, nomeadamente de dança, à SMUP, que praticamente não existia.

Terá que ver essa autonomia com o facto de o Micro Clima ter recebido, acima dos demais, o apoio financeiro da Direcção-Geral das Artes? E se esse apoio não surgir nos próximos anos, o que poderá acontecer? Voltam atrás? E com que consequências, logísticas e outras? Adaptam-se e revêem os parâmetros da programação?

Sim, claro, o apoio da Direcção-Geral das Artes foi fundamental para o nosso crescimento. Não queremos muito pensar na possibilidade de não ter esse apoio, mas se for o caso continuaremos a existir e a fazer o nosso trabalho, como sempre fizemos. Provavelmente afectaria a capacidade de estendermos a nossa programação a outros territórios artísticos e a certos modelos de iniciativa cultural. Mas a verdade é que também temos outros apoios muito importantes e já provámos que conseguimos fazer muito com pouco.

O Micro Clima costuma esgotar os bilhetes de entrada, com o salão da SMUP apinhado de pessoas. O que leva a admitir que este festival já é um Macro Clima, pela reunião das “imensas minorias” no mesmo espaço. Têm essa perspectiva?

Sim, felizmente temos conseguido esgotar ou quase esgotar o festival várias vezes, mas ainda assim o nosso nome não tem necessariamente ligação com o número de pessoas. O clima que se sente no salão da SMUP, naqueles dois dias, tem mais a ver com um todo, um ambiente que faz o festival — os artistas que trazemos e o público que recebemos, num espaço incrível, centenário. Também a nossa cenografia e o tratamento do espaço, feita todos os anos pela Mariana Tudela e pelo Pedro Fernandes, ajuda a criar esse ambiente. Este ano, vamos ter também uma instalação, de João Campolargo Teixeira e João Madureira, e as casas-de-banho vão, novamente, estar coloridas, mas desta vez com a intervenção plástica dos artistas visuais Eugénia Burnay, Margarida Conceição, Ricardo Oliveira e Luísa Tudela. Este grupo de artistas, por exemplo, é composto por tatuadores, designers, fotógrafas, entre outros territórios artísticos, e reúne-se agora para fazer algo conjunto pela primeira vez. Tudo isto faz o Micro Clima, esse fenómeno específico e até certo ponto imprevisível. 

Que relação intrínseca tem o festival com a população da Parede e de outras vilas da linha de Cascais? Têm igualmente o apoio da Junta de Freguesia de Carcavelos-Parede e da Câmara Municipal de Cascais? É de presumir que a maior parte do público vem de Lisboa, de Oeiras e de outros locais da Área Metropolitana de Lisboa. Fez-se algum inquérito sobre as proveniências das pessoas?

Sim, temos esses dois apoios também, que são fundamentais. Não sabemos exactamente de onde vem todo o nosso público, mas sabemos que uma grande parte são pessoas que conhecem e frequentam a SMUP ou pessoas que já conhecem e têm algum carinho pelo festival. Outra parte é público novo, que também procuramos ter e sobretudo público diversificado, com diferentes gostos, vindo de diferentes contextos. A nossa programação vai nesse sentido. Nunca fizemos um inquérito para saber a proveniência das pessoas, mas na verdade é algo que consideramos fazer já este ano.   

Como já foi falado, o Micro Clima abriu-se gradualmente às artes visuais e performativas e ao cinema independente, fazendo o pleno disso mesmo na edição deste ano e assim atingindo as vossas metas de “transdisciplinaridade e multiculturalismo”. Ainda que o principal foco seja a música, a que se deve esta abertura às outras artes? Porque consideram que a música é relacional com outras expressões? Porque há que procurar transversalidades, não sendo a música uma ilha (muitos músicos têm actividade em outros domínios criativos)? E também porque Portugal, apesar da xenofobia e do racismo estruturais, ou da homotransfobia vigente, se tornou num país cosmopolita?

Uma grande parte da nossa missão consiste em contribuir para o aumento da oferta cultural na linha de Cascais. Essa oferta cultural não pode ser composta só pela música, apesar de termos começado a nossa actividade sobretudo como um festival de música. Há muitos outros territórios artísticos que nos interessam, que têm novos artistas com propostas muito interessantes e que precisam de espaços e de contextos diferentes, de públicos diferentes. Lembro-me do exemplo de um artista das artes performativas, que recebemos no ano passado, e que ficou encantado com o público do Micro Clima que veio ver a performance, muito diferente daquele que é o público habitual nos espaços habituais. Há público muito interessado neste tipo de iniciativas culturais que, não sendo na sua maioria especializado, sabe reconhecer e apreciar uma coisa bem feita quando é exposto a ela e, quase sem saber, sente falta da mesma. Acho que para um artista isto também possa ser interessante, porque recebe feedbacks diferentes e às vezes inesperados. É neste sentido que trabalhamos, no sentido de trazer novas propostas artísticas a um público que sentimos muito receptivo a elas, e tudo se torna muito mais completo se essa oferta cultural envolver a riqueza de vários territórios artísticos e culturais. 

O Micro Clima é o único festival realizado na SMUP que se prolongou ao longo destes cinco anos de existência. O Festival de Jazz e Música Improvisada teve duas edições, e duas apenas tiveram o Fem Fest e o Queer Fest, este último contando, aliás, com a colaboração de alguns de vocês. A que se deve esta persistência? À vossa vontade de não desistir face a quaisquer obstáculos, lutando militantemente pelo projecto? Às condições que foram obtendo? 

Somos um grupo muito unido de amigos que têm muito carinho por este projecto e que trabalha muito para o fazer acontecer e mantê-lo vivo e fresco. Até agora, todos sempre conciliámos este trabalho com outras responsabilidades profissionais/académicas, mas isso nunca foi um impedimento, pelo compromisso que temos com o projecto. Acho que é muito por isso que nos mantemos por cá.    

Deverá a existência do Micro Clima aos quase 10 anos de programações da SMUP, à dinâmica gerada e ao facto de a mesma SMUP se ter integrado no circuito musical da Grande Lisboa? É verdade que a maioria dos artistas que vêm convidando são lisboetas ou dos arredores da cidade.

Convidamos muitos artistas da Grande Lisboa, sim, mas na verdade também muitos de fora. Olhando para o cartaz do ano passado do Micro Clima, tivemos, por exemplo, os Alcool Club, que são de Sines, o Bone Slim, de Londres (o nosso primeiro artista estrangeiro) ou o David Moreira, do Porto. Este ano, a Soluna é uma artista argentino-angolana, o Extrazen vem do Porto, para não falar de vários artistas com outras nacionalidades, que se estabeleceram em Portugal desde há muito. É normal haver vários artistas do circuito musical da Grande Lisboa, claro, pela familiaridade com os artistas, mas a nossa programação é diferente e independente da programação da SMUP. Só recentemente é que se começou a aproximar mais um pouco.

Já existem planos para o próximo ano? Podem adiantar alguns nomes que iremos ver e ouvir? Deparam-se já com o problema de se esgotarem as escolhas? Em suma, o que podemos esperar em termos de continuidade ou de renovação das premissas do festival? 

Só podemos adiantar que já temos todos os nomes confirmados e que preparamos mais uma grande edição. A premissa do festival mantém-se a mesma, muita diversidade musical e multiculturalismo. Mas primeiro e mais importante, temos esta grande edição, já a 14 e 15 de Abril, da qual estamos muito orgulhosos, pelos artistas que conseguimos trazer. Esperamos voltar a ver a SMUP cheia, para estes dois dias de muita música e festa, no ano em que celebramos a 5ª edição do festival.


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