Texto de

Publicado a: 19/11/2018

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[TEXTO] Miguel Santos

“I’m not a rapper, I’m a writer
It’s a couple chefs in this game, and a whole lotta’ bitters”

Mick Jenkins introduz assim “Bruce Banner”, single promocional lançado antes do seu mais recente álbum Pieces of a Man. O rapper volta a mostrar neste banger voraz o porquê de ser um dos mais curiosos artistas hip hop a sair de Chicago na última década. A prova definitiva surgiu em 2014, com a mixtape The Water[s], um projecto centrado na água — real ou metafórica — como o elemento essencial para a vida e que mostra Jenkins como um rapper diferente, dono de verdades essenciais, bem descritas e bem rimadas.

O seu som bebe de Chicago, inspirado pelo jazz e batidas mais electrónicas, mas destaca-se dos restantes pela sobriedade lírica do intérprete. O tom grave da voz de Jenkins dá força às palavras honestas que cospe, focando-se em barras mais conscientes que muitos dos seus contemporâneos na cultura hip hop. E nota-se que tem fome de escrita: desde 2012 que lançou um projecto todos os anos, contando com seis mixtapes e dois álbuns sob a sua alçada. Mas. no caso de Mick Jenkins, a qualidade não parece corresponder à quantidade.

The Healing Component, o seu álbum de estreia editado em 2016, mostra o amor como cura para as batalhas entre seres humanos mas Jenkins nunca aborda este conceito de forma aprofundada ou especialmente perspicaz, acabando por diluir o conteúdo verdadeiramente pungente no meio de uma hora de música. Pieces of a Man soa semelhante ao seu predecessor nesse aspecto: Jenkins apresenta um álbum biográfico, em que fala das suas experiências e das suas dúvidas pessoais, repetindo-se ao longo do projecto sem mostrar muita polivalência.

Pieces of a Man é uma homenagem ao álbum do mesmo nome do músico e poeta Gil Scott-Heron, e começa com um excerto de “The Ghetto Code” do mesmo autor. O texto — que se volta a ouvir na segunda metade do álbum — e a figura de Scott-Heron simbolizam uma base para o projecto mas a mensagem não transparece para o conteúdo do álbum. Temas como “Gwendolynn’s Apprehension” — de teclado trepador e hook baseado no poema do mesmo nome — ou a harmoniosa e sincopada “Plain Clothes” — de letra irónica em linha com o instrumental — discutem a frivolidade da juventude e do consumismo, mas remetem a Jenkins numa viagem de auto-conhecimento, não soando como música de inspiração mas como tema de catarse para o artista.

Essa viagem é largamente discutida mas o seu alcance não é grande. “Reginald” e “Ghost” repetem-se como mensagens de aviso aos outros que a música de Jenkins é diferente, que é um observador atento e discreto dos seus conterrâneos e “Padded Locks” soa monótona e repetitiva para a boa demonstração de flow e rimas do autor do álbum e do convidado Ghostface Killah. E a sonoridade espelha a variabilidade lírica: músicas como “Pull Up” ou “U Turn” são apenas alguns exemplos de músicas que se fundem umas com as outras no meio de sintetizadores quentes e batidas descontraídas.

Os melhores momentos de Pieces of a Man são quando vemos Jenkins verdadeiramente confortável no ambiente sonoro em que rima. “Smoking Song” é o tema mais à parte do projecto — talvez reminiscente dos tempos de Jenkins como membro da colectiva de poesia Young Chicago Authors — e termina o álbum com um nevoeiro de jazz, de baixo apreensivo e um solo expressivo de sopros. Soa a verso cuspido directamente da mente para o microfone e apesar de ser esparso há qualquer coisa de especial na união entre o instrumental e a voz de Jenkins. Em “Soft Porn” mostra a sua já conhecida abordagem incisiva com as palavras, numa metáfora inteligente que fala sobre a verdade nua e pura como o objectivo maior, sob uma batida sedutora de riff desafiante. E em “Understood”, passeia pelo instrumental de guitarra a deslizar com um flow avassalador e assertivo:

“So many different vernacular
Perspective and points, went from selecting electives to collecting the coins
To rejecting investments to connecting with legends and stressing acceptance
To fuck it, I’ll write with my left, I’m finessing this joint
With my right to bring the light, like a key on a kite”

São canções em que transparece o talento de Jenkins apesar de o mesmo não poder ser dito sobre o resto do projecto. Pieces of a Man não é sinónimo da acutilância e mestria que Jenkins já demonstrou possuir, de temas que soam apelativos às massas e cujo objectivo é uma reflexão, espelhos sonoros. A versatilidade do projecto deixa a desejar, seja a nível instrumental ou nos temas que o rapper discute. Há talento na música de Jenkins, que tem todas as ferramentas para ser um artista de sucesso. Precisa é de afinar a pontaria, como já demonstrou no passado. Mas enquanto The Water[s] mostrava que Jenkins navegava até bom porto, Pieces of a Man mostra que, infelizmente, ainda continua a patinar na maionese.

 


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