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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/05/2022

No contexto das actividades europeias da SHARE.

MIA: Atouguia da Baleia vai receber em Junho novo “congresso dos improvisadores”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 30/05/2022

É conhecido como o “congresso dos improvisadores” e vai ter a sua 13ª edição, de 9 a 12 de Junho próximo, na vila do concelho de Peniche que lhe dá nome. O MIA – Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia realiza-se este ano, mais uma vez, em contexto de pandemia e por isso contará “apenas” com 50 músicos de várias origens geográficas (o que, se é por si só um feito, está longe dos 90 que chegou a ter em anos anteriores), mas mais relevante é o facto de, tal como nas últimas realizações, surgir agora como o evento nacional de algo muito maior e que teve o seu fundamental contributo para que tomasse forma: a agenda da SHARE, nome com que foi baptizada “uma espécie de federação internacional dedicada à improvisação”, no dizer do seu director artístico, Paulo Chagas.

Deixamos para este multi-instrumentista e co-responsável da estrutura portuguesa na SHARE, a Zpoluras, a definição do que se trata, e de como um festival único no mundo surgido no Oeste de Portugal deu origem a outros, designadamente em Itália, França e Dinamarca, e por fim à sua associação em torno de um objectivo comum que ainda se encontra em expansão: “Esta evolução fez com que alguns membros dos colectivos que foram nascendo na Europa se encontrassem nos seus respectivos países. A dada altura, no seio do grupo de fundadores (Yoram Rosilio, Carlo Mascolo, Jonathan Aardestrup e eu próprio) nasceu a ideia de congregarmos esforços para facilitar a circulação de músicos e apoiá-los na sua actividade, assim como tentar criar uma maior visibilidade a esta tendência musical. Entretanto, com o desenvolvimento do projecto já se encontram em articulação mais de 20 estruturas europeias, convidadas por cada um de nós. No caso da Zpoluras, já foram envolvidos a OSSO, a Phonogram Unit e o Núcleo Experimental de Faro. Uma das nossas preocupações é a praga da precariedade que persiste no meio artístico. Como a SHARE conseguiu ser co-financiada pelo programa Creative Europe, julgo que se conseguirá aos poucos ir atenuando esse grave problema.”

O programa do MIA de 2022 é aliciante, combinando músicos portugueses de referência como Carlos “Zíngaro”, Pedro Carneiro (que vai conduzir o workshop de abertura), Nuno Rebelo, Miguel Mira, Rodrigo Pinheiro, Luís Vicente, Maria Radich (que actuou recentemente na Dinamarca em contexto SHARE, onde tocará em Setembro também Maria do Mar) ou Abdul Moimême, para só apontar alguns, com figuras de outras paragens como Ziv Taubenfeld, Elisabetta Lanfredini, Uygur Vural, Jerôme Fouquet, Samuel Hallkvist ou Luiz Rocha. O saxofonista brasileiro Yedo Gibson, dos Naked Wolf, e o clarinetista britânico Noel Taylor, membro da London Improvisers Orchestra, ambos residentes no nosso país, estão incluídos.

Na base do Encontro de Música Improvisada de Atouguia da Baleia estão os grupos escolhidos em sorteio, naquela que é uma assumida inspiração nas Company Weeks organizadas no Reino Unido pelo já desaparecido Derek Bailey, guitarrista que teorizou sobre a improvisação em livro e que tratou o tema numa série televisiva da BBC que já passou na RTP2. “Esse é um dos vértices do MIA e um desafio extremamente aliciante para os músicos. Em termos de conceito sempre nos preocupámos, no entanto, em ir mais além, através da implementação de uma vertente didáctica através de workshops e conferências. E igualmente de divulgação da cultura e do património locais, com concertos em igrejas, museus, na Fonte Gótica, etc. Ou seja, o MIA é, globalmente, uma oficina de formação e experimentação”, refere Paulo Chagas.

Nesses grupos sorteados, bem como nas já lendárias jams das madrugadas, juntam-se improvisadores de várias gerações com proveniências de género musical as mais diversas (jazz, rock, música clássica, música electrónica) e também muito diferentes níveis de domínio do processo improvisacional, o que, se à partida era um risco, tornou-se numa imagem de marca do festival e na chave do seu sucesso. Como diz Chagas: “O propósito é colocar os artistas fora das suas zonas de conforto, o que é um estímulo em termos criativos. Não correu sempre bem, mas na grande maioria das vezes os resultados destes cruzamentos são muitíssimo interessantes e são portas que se abrem para outras ideias.”

Ainda assim, há uma clara aposta na constituição de novos agrupamentos que possam continuar ou no convite a outros já existentes. No primeiro caso estão o de Elisabetta Lanfredini e Noel Taylor com o pianista Paulo Pimentel, o de Carlo Mascolo, Nuno Rebelo e Uygur Vural com a saxofonista Maria Dybbroe e o de Jerôme Fouquet e Maria Radich com Bruno Gonçalves e Carlos Cañao que terão lugar a 10 de Junho. No segundo estão o quarteto de Carlos “Zíngaro”, Luís Vicente, Yedo Gibson e Ziv Taubenfeld e o Phonogram Unit 5tet, reunindo José Lencastre, Jorge Nuno, Rodrigo Pinheiro, Hernâni Faustino e Vasco Furtado, ambos marcados para dia 12.

Outros assim vão surgindo. A 11, Luís Guerreiro, Marco Olivieri e Samuel Hallkvist em trio, e depois os quartetos de Abdul Moimême, João Pedro Viegas, Luiz Rocha e Paulo Chagas e de Fernando Guiomar, Jorge Nuno, Manuel Guimarães e Miguel Mira. A 12, o duo de Elisabetta Lanfredini e Uygur Vural, o triângulo formado por Manuel Guimarães, Maurizio Matteucci e Tiago Varela e a estreia dos Pente Atómico de Patrícia Domingues, João Godinho e Maria do Mar. O Ensemble MIA que fecha o festival terá as participações dos nomeados e de outros que se apresentarão para as bandas sorteadas, uns prata-da-casa, outros de visita. Entre os primeiros (incluindo estrangeiros fixados em Portugal) conta-se com as presenças de Alvaro Rosso, Bernardo Álvares, Carla Santana, Felice Furioso, Gerardo Rodrigues, José Serrano, Mário Rua, Miguel Falcão e Nuno Morão e entre quem vem de fora, através das associações da SHARE, estarão Agnes Distelberger, Aleksander Caric, Anna Adensamer, Elena Waclawiczek, Julian Davis Percy, Lorena Izquierdo, Olivia Mitterhuemer, Raimon Fuster e Yoram Rosilio.

Comenta Paulo Chagas sobre tudo isto: “Apostar num lugar como a Atouguia da Baleia para desenvolver uma coisa destas foi uma pequena loucura, mas que aos poucos tem-se vindo a tornar numa aposta ganha. Deveu-se tal ao entusiasmo e à generosidade dos 400 músicos que já por aqui passaram ao longo dos anos. Nunca imaginei que tal viesse a ser possível, e por isso é algo de bastante gratificante para mim e dá-me forças para continuar. E o envolvimento da população local tem sido razoável. Em termos de política municipal não tanto, infelizmente. Julgo que é uma consequência directa de algumas divergências que vêm acontecendo entre os diferentes órgãos decisores. Nós que não estamos propriamente ligados a nenhum deles acabamos por ser apanhados no meio de brigas alheias. Talvez também tenha que ver com uma certa falta de visão e de preparação para o desempenho dos cargos. Mas julgo que o actual elenco autárquico é um pouco mais sensível a estas coisas da cultura, pelo que prevejo a chegada de melhores dias.”

Com 12 edições já realizadas, é enorme o espólio de gravações do MIA. Extractos das improvisações que foram tendo lugar, ano após ano, tiveram lançamento em CD (e, em 2013, numa pen-drive), estando de momento esgotados esses discos, e o mesmo sucedeu com o livro MIAMORIAL, publicado por ocasião do 10º aniversário. As escutas em streaming no Bandcamp, no Spotify e em outras plataformas digitais têm sido assinaláveis e está agora a ser preparado um documentário em filme sobre a história do festival. Há, pois, um MIA que fica depois de concretizada cada edição sua, um MIA que está a influenciar decisivamente a cena da improvisação e que deu visibilidade a muitos músicos, um MIA que “tem tido um indesmentível e essencial papel na música improvisada, ainda que em Portugal esse facto nem sempre tenha o devido reconhecimento público e institucional”, como desabafa o seu programador. 


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