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Publicado a: 22/05/2017

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[TEXTO] Rute Correia

Sem grandes rodeios, DRAIVE é uma estreia em longa-duração consistente e de alta qualidade técnica (bastante acima da média, diga-se), como seria de esperar do grupo que reúne membros da Amadora e de Loulé. Apesar de todo o talento, os MGDRV acabaram por privilegiar a forma sobre o conteúdo, acabando por não sobressair numa galáxia de rimas e batidas com muito mais profundidade. Durante quase uma hora, numa espécie de desgarrada que se prende quase unicamente em farras, no “eu-sou-muita-bom-e-vocês-ficam-aos-papéis” e em desejos de desenfreada volúpia, parece que fica a faltar qualquer coisa. Assim, apesar de terem passado seis anos desde Vida Louca, continua a ser difícil dissociar os MGDRV dos Macacos do Chinês. Afinal, a produção e grande parte das letras continuam a vir exactamente do mesmo sítio. Num trio em que as idades andarão à volta dos trinta, DRAIVE parece quase uma crise de idade: cantam-se grandes deboches, mas sabemos que quando a ressaca bater vai ser muito pior do que era há uns anos.

 



DRAIVE é, também, um disco orelhudo, quase sempre a piscar o olho a altas rotações. De uma ponta à outra, quase todas as faixas podiam ser singles. Nem de propósito, quatro deles chegam ao disco já bem conhecidos do público. O mais antigo, “Salta Só”, vem de 2014, mas é verdade que continua a soar quase tão fresco como quando chegou ao YouTube. Além deste, também “Abana a Cabeça” e “People à Rasca” já não são novidade. Também não totalmente nova é a reinvenção do clássico “Taras e Manias” (um original de Elimar Santos que conheceu êxito deste lado do Atlântico pela voz de Marco Paulo), “Tu Não Tens”, mas fica a nota máxima para esta que é uma das melhor adaptações da música nacional.

Com a Internet a dizer-nos que “Maroto” é um dos temas de maior sucesso (mais de 44 mil audições no Spotify e 350 mil visualizações no YouTube), não deixa de ser estranho que não apareça no alinhamento final. Apesar de se perceber facilmente como seria difícil encaixá-la no alinhamento, a verdade é que se há espaço para o veraneante refrão de “Tudo Bem” não se entende por que é que o outro ficou pelo caminho.

Num álbum de produção imaculada, em que MCs de alto gabarito manobram a nave-mãe com a confiança de quem já anda há muitos anos a ultrapassar meteoritos, estrelas e outros astros, temo estar a ser algo injusta ao focar-me no que mais me despontou no disco. Três anos depois do primeiro EP, é certo que estava à espera de mais profundidade temática. Mas também é certo que a lírica não são só os temas sobre os quais se debruçam versos e há em DRAIVE muitos motivos para acreditar que os MGDRV têm tudo para estar na linha da frente da facção mais modernista do movimento. “Fazer um Hit” traz resquícios de “Look At Me Now” de Chris Brown e Busta Rhymes, uma referência a “Thong Song” de Sisqo, mas chega vestido de fim de década e bem que podia ter lugar cativo em qualquer festa que se preze. Se é festa que procuram, também não podem faltar ao “Baile” da faixa nove.

 



É preciso dizê-lo – Pité é, indiscutivelmente, um dos melhores MCs nacionais. Rápido como poucos, desdobra as esquinas do português com as métricas mais precisas da parada. Ao lado de Apache, podemos dizer que são uma das dream teams do movimento. Isto seria o suficiente para intimidar qualquer pessoa que se quisesse juntar à trupe, mas, de certa forma, Yo Cliché encaixa no trio de forma perfeita e é a peça que faltava para trazer algum equilíbrio à formação. Com uma postura que contrasta na perfeição com o chorrilho de versos que Pité debita à velocidade da luz, Yo Cliché aproveita-se da sua cadência mais lenta para desenhar (quase) sempre momentos reflexivos.

No skit de “Modo Avião”, ouvimos Skillaz recitar:

“Rádios que não passam disto,
editoras que não papam disto, (…)
Fuse, Dealema, sabes qual é o esquema
irritação como eczema
E a gente a dançar
e a mandar um álbum com mais de uma dezena
de sons
treze, para aí catorze ou quinze,
e dezasseis,
eu vou fazer para agradar aos reis da indústria..
Yo! Filhas da p*ta!”

Há umas semanas, o Alexandre Ribeiro escrevia por aqui, a propósito de SP Deville, como ainda havia muros por derrubar na música em Portugal e de como alguns artistas parecem aprisionados num sistema que não sabe dar valor ao que tem. Os MGDRV são talvez um dos expoentes máximos desse fenómeno. Com um valor de produção que faz inveja a alguns discos saídos com selos multinacionais, DRAIVE é um disco que apesar de não trazer grandes surpresas sublinha a certeza de que enquanto a indústria (e/ou o público) não abrir os olhos, saímos todos a perder. Talvez depois do reconhecimento devido os MGDRV consigam voar mais alto, sem os grilhões que se impõe sempre que querem “Fazer um Hit”.

 


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