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Fotografia: Manuel Casanova | Íris Cabaça / World Academy
Publicado a: 10/08/2019

O rap português em primeiro plano no terceiro dia do festival.

MEO Sudoeste’19 – 9 de Agosto: primeiro batalha-se, depois tempera-se

Fotografia: Manuel Casanova | Íris Cabaça / World Academy
Publicado a: 10/08/2019

Até onde é que pode ir o hip hop português? A pergunta, neste momento, tem uma resposta fácil: a todo o lado. Existe espaço no NOS Primavera Sound, Bons Sons, Super Bock Super Rock, NOS Alive, EDP Cool Jazz, Sumol Summer Fest, ID_NOLIMITS e por aí fora. No entanto, e em termos de captar rapidamente o que está a borbulhar com maior intensidade nas escolhas das camadas mais jovens, não existe nenhum festival como o MEO Sudoeste.

Ontem, essa constatação foi tirada a partir de bem cedo, começando logo com Chong Kwong, rapper que se encontra em pleno processo de reformulação artística — ainda só conta com dois singles (“Chong Kwong” e “Não te Convidei”) e foram esses que mereceram, obviamente, a maior ovação.

Com um conceito orientado para a sua “costela” asiática, Vanessa Pires mostrou que tem a visão necessária para não cair no marasmo, preparando um espectáculo com várias nuances: começámos com o aquecimento de DJ Maskarilha (ouvimos IAMDDB, Cardi B, Kendrick Lamar, Travis Scott), a seguir a entrada com bailarinos vestidos a rigor (“os guardas do palácio”) e, depois, as canções, uma pausa para dançar e o “dia-a-dia” da MC (acorda com “Mo Bamba”, almoça com “Win”, o pôr-do-sol vê-se com “Big Poppa” de fundo, a noitada faz-se com “A Milli” e o sono chega com “I Can”).

Filha da Mãe, o álbum de estreia, está a caminho e a ocasião especial (“um sonho realizado”) serviu para estrear alguns dos temas que ainda precisam de mais rotações para ficarem no ponto.

Enquanto os escolhidos de Piruka — Guetto Roots, Baby Dog e Timor YSF — iam fazendo as delícias dos amantes de rap crioulo (e ainda eram alguns), a Think Music, representada por Lon3r Johny e Sippinpurpp, proporcionou duas das maiores enchentes do Palco LG by Mega Hits. Não é difícil perceber o porquê (os milhões de visualizações e as agendas preenchidas comprovam-no), mas ao vivo é que se pode entender melhor: as roupas, a pose e os beats (tão importantes como aquilo que se canta) ressoam com uma geração que só está preocupada em se divertir. Nada contra. E as duas actuações foram, num plano geral, semelhantes: Auto-Tune para harmonizar com a faixa pré-gravada (mesmo que não seja essa a intenção) e moshs quando assim se exigia.

Com rkeat nas costas, o autor dos EPs Sangue Frio e Goth Lullaby foi o primeiro a subir a palco e encontrou à sua frente uma plateia conhecedora de grande parte da sua curta obra, cantando em uníssono canções como “my life”, Vampire Bite”, “Goth Bitches” e as mais recentes “Crystal Castle”, “Trapstar”, “Death Note” (a primeira vez que Finíx MG subiria a palco) e “Drip”. No meio disto, ainda houve tempo para trazer Mizu para a remistura de “Salta Comigo” e para xtinto e a sua explosiva “Quentin Miller” — esperamos vê-lo na próxima edição do festival, e já com um EP cá fora.

A beneficiar do final do concerto dos Wet Bed Gang no palco principal — e já lá vamos –, o revendedor mais conhecido de “Sauce” em Portugal não poderia pedir um melhor regresso à Herdade da Casa Branca (foi um dos convidados de YUZI em 2018, devolvendo o favor com a chamada a palco para “Tsubasa”).

Sippinpurpp é um dos fenómenos mais curiosos do rap nacional: poucos sons lançados, uma entrega que às vezes parece do maior goofy da sala, outras do bandido mais perigoso da sua zona, letras com catchphrases que dificilmente sairão da vossa cabeça se ousarem carregar no play e o estilo irreverente que se pede a qualquer aspirante a rockstar. Todos estes elementos acabam por atrair mais do que afastar, mesmo que muitos dos curiosos nas filas de atrás não se mostrassem totalmente convencidos. Não é para toda a gente; nem tem que ser.

“Avião”, “No Meu Copo”, “Dr. Bayard” e “Sauce” não faltaram no alinhamento, mas as principais novidades foram “Havana” (que foi actualizada com um verso de ProfJam), “Tudo Pago” e “Extravagante”, faixas que ainda não saíram e que farão parte do seu primeiro longa-duração. Não queremos fazer futurologia, mas as notícias não são boas para aqueles que lhe vaticinavam um queda rápida depois de uma subida fulminante: é provável que ainda ouçam falar deste auto-intitulado trapper durante os próximos tempos.

Momentos antes, no palco principal, mais um retorno: Wet Bed Gang, depois de substituírem Hardwell no ano passado, não deixaram créditos em mãos alheias, apresentando-se com uma banda que lhes dá um twist mais rock ao vivo perante milhares de festivaleiros. E só impressiona quem não tem acompanhado o percurso do quarteto de Vialonga.

A Zambujeira do Mar transformou-se num enorme bairro onde GSon — que liderou o grupo com pulso de ferro –, Kroa, Zizzy e Zara G, a tropa de elite de serviço (os camuflados e os coletes à prova de bala foram uma escolha acertada), colocaram ordem e caos à sua maneira e nem a passagem confusa de Nenny (não por culpa própria, mas sim por um qualquer problema com o microfone) abrandou uma festa que teve como banda sonora as potentes “Chaminé”, “Maluco” e “Aleluia”, o hino “Bairro”, a omnipresente “Devia Ir” e, entre outras, “Não Tens Visto”, a música que abriu as portas para o grande público.

No entanto, e apesar de a energia nunca ter saído lá de cima, admira que, em certas alturas, e tendo em conta a rodagem desta formação, os instrumentistas e os quatro rappers ainda se atropelem ou não soem tão fluídos como já deveriam. Um apontamento que não macula o concerto, mas que o afasta da sua melhor concretização.

Dito isto, o céu é o limite. Com este andamento (pense-se que já tocaram em alguns dos maiores palcos do país e ainda nem lançaram um álbum…), o futuro augura-se grandioso para este “fantastic four“.

2017 já lá vai e o efeito-surpresa que Russ causou aquando do anúncio do seu concerto no Coliseu dos Recreios (que mais tarde passou para a Altice Arena) também desapareceu. Ao chegar, em 2019, à Herdade da Casa Branca, não existe espanto perante uma plateia que canta praticamente todas as canções, das mais velhas às mais antigas, de “Do It Myself” a “The Flute Song”.

Sozinho em palco, tal como Post Malone, o autor de There’s Really A Wolf e ZOO não é o mais carismático dos MCs nem o mais inventivo dos produtores, mas, ao vivo, cumpre com aquilo que lhe é pedido — e isso, para já, ainda é o suficiente.


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