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Fotografia: Pedro Francisco
Publicado a: 02/09/2022

Ainda a aprender a andar num parque com história.

MEO Kalorama’22 – Dia 1: das mostras de excelência dos catálogos de James Blake e D’Alva à continuidade infalível dos Kraftwerk

Fotografia: Pedro Francisco
Publicado a: 02/09/2022

Setembro, afinal, não é amanhã, como já se disse em certas lides televisivas talvez demasiado badaladas. Setembro é hoje e, no primeiro dia do mês, “celebrou-se” o surgir de um novo festival em Portugal: o Kalorama, que conta com patrocínio principal por parte da MEO, a decorrer até ao próximo dia 3 no Parque da Bela Vista, em Lisboa.

Podemos “celebrar” o aparecimento de um novo grande festival em Portugal – afinal, a sina capitalista sobre a qual estamos debaixo certifica que quanto mais festivais existirem maior será a competição entre estes e, por consequência, a oferta será melhor – ou, então, podemos tentar perceber se o surgimento do Kalorama servirá apenas como combustível extra à contínua manutenção dos grandes festivais como o epicentro do calendário cultural português. Pensamentos para prolongamento, claro, mas para os quais podemos reservar um espacinho na mente para reflectir com o passar dos dias. Todavia, enquanto não chegamos a esse período de descontos e aos desabafos finais, podemos desfrutar da música e dos concertos – afinal, é isso que nos move, não é? 

Começamos a nossa passagem pela primeira edição do Kalorama por uma visita ao palco principal (o MEO) pelas 17 horas ao concerto de Rodrigo Leão, que veio encantar este final de tarde. O músico, compositor e produtor português trouxe na sua bagagem a estranha beleza da vida, o seu mais recente longa-duração lançado em 2021, mas não deixou de visitar canções mais antigas do seu repertório, com destaque ainda para faixas d’O Método, disco lançado em 2020, e temas como “Pasión”, apresentado numa versão especialmente construída para o Kalorama. 

Ao longo de praticamente uma hora, Rodrigo Leão e o seu ensemble – sopros, cordas, teclas, baixo, bateria e voz – encantaram o (pouco) público presente nas trincheiras do Palco MEO que, mesmo assim, reagiu sempre com encanto às composições cinematográficas e enternecedoras (é como se levássemos um abraço carinhoso) do ex-Sétima Legião e ex-Madredeus. No final, houve ainda direito a vários temas cantados com a ajuda do Coro Juvenil da Universidade de Lisboa, num momento de beleza e classe que merecia um público em maior número.


Foto por Ana Viotti

O concerto de Rodrigo Leão, contudo, revelou-se como uma singularidade neste primeiro dia do Kalorama. A partir daqui o foco principal do cartaz do primeiro dia de festival revelou-se ser a música electrónica, ora mais dançável, ora mais pop, ora mais ou menos alternativa. Tudo começou com a nossa escalada até a um dos palcos secundários do Kalorama – o Colina (o nome bem indica onde é…) – pelas 18 horas para escutarmos o espectáculo ao vivo de Xinobi.

Acompanhado por Meta_ e Vasco Cabeçadas em palco, Bruno Cardoso ofereceu-nos uma viagem por vários momentos da sua discografia – com especial destaque a Balsame, álbum que lançou em 2022 –, apresentados num set que tornou aquele local numa espécie de mini-sunset (cerca de 50 minutos de espetáculo foi pouquinho para aquilo conseguiria certamente oferecer) onde a dança foi o mote de comunhão entre o público. “Başa Bela” abriu o set com pujança, “Fire” manteve a festa bem acesa e “Amor Cego” permitiu a Meta_ – uma peça fulcral deste live show – encantar o público, conquistando corações e encantando paisagens, como bem podemos escutar na feiticeiresca “La Tormenta”. Num concerto onde o diálogo entre público e artista (não com conversa, mas sim através música e dos movimentos corporais) aconteceu sem qualquer paragem, o duplo ataque final de “Searching For”, faixa de On The Quiet, e “Temple” fechou o set em beleza, com o público a oferecer muito carinho a Xinobi pelo bom e bonito espetáculo que ofereceu. Da parte de Bruno, terminada a incursão pelas batidas incessantes de aura punk, e perante tal amor, a dedicação do concerto ao público e ao seu filho, nascido há poucos dias, que disse ir educar para ajudar a fazer do mundo um lugar melhor. Mais uma vez: enternecedor e com classe.


Foto por Pedro Francisco

Se tivermos de subir a colina para irmos ver Xinobi, pelas 19 horas foi altura de voltar a descer, destino inserido para o Palco MEO para irmos ao encontro de James Blake, um dos nomes mais esperados deste primeiro dia do festival. Presença assídua nos festivais portugueses ao longo da última década, o percurso de James Blake tem sido fascinante de acompanhar. Mago visionário da electrónica no início da década de 2010, Blake hoje em dia assemelha-se mais a um cantautor pop com cunho para uma sentimentalidade muito própria, com os seus dois últimos discos, Assume Form (de 2019) e Friends That Break Your Heart, lançado em 2021, a serem o pináculo desse desenvolvimento artístico. O que liga tudo? O seu toque de produtor exímio e a sua belíssima voz.

Se fomos para o concerto de James Blake com a expectativa de que a setlist girasse em torno de Friends That Break Your Heart ficámos surpreendidos – pela positiva – por encontrar um concerto em que, acima de tudo, se celebrou a carreira do produtor, cantor e músico. Acompanhado por um baterista e um multi-instrumentista em palco, Blake abriu o concerto com “Life Round Here” – nota positiva, portanto, desde início – rapidamente nos lembrando que talvez o final de tarde não seja o momento mais adequado do dia para um concerto seu. A sua música pede pista de dança nocturna, escuridão cintilante para fazer fluir as ondas de faixas como “Before”, a suar magnânima na sua melancolia dançável, ou a sucessão de “CMYK”, “Voyeur” – em versão estendida – e “Retrogade”, a relembrar o quão criativo é enquanto produtor de música de dança.

Entre “Before” e “CMYK”, contudo, Blake caminhou por faixas mais introspetivas. A sua cover de “The Limit To Your Love”, faixa de Feist, iluminou o público, servindo de mote para o artista relembrar estar feliz por estar de volta a Portugal e agradecer pelo apoio e carinho que o público português ofereceu ao longo das suas várias passagens pelo nosso país (com a do Kalorama, se contamos bem, terá sido a sétima vez). 

“Say What You Will”, a única faixa de Friends That Break Your Heart a ser apresentada neste concerto, mereceu coro por parte do público durante o refrão, preenchendo totalmente corações partidos e aquecendo aqueles que bateram mais rápido ainda com a voz de Blake que, apesar de soar bela, sofreu um pouco pelas dificuldades ao nível da qualidade de som que ecoava do palco principal neste primeiro dia de festival.

No rescaldo de “Say What You Will”, e com a sentimentalidade ao máximo, “Love Me In Whatever Way” rematou a vibe do momento, rapidamente destruída pelo ecoar da voz de Travis Scott pelo PA do palco, assinalando o início de “Mile High”, numa versão mais desconstruída que poderia bem ter servido de prelúdio para a secção final de concerto (a tal combo “CMYK”/”Voyeur”/”Retrogade”). Contudo, e mesmo que “You’re Too Precious” consiga soar lindíssima, foi o cair de energia e, na boa verdade, talvez o momento mais “fraco” de todo o concerto – mais pela energia do momento que pela musicalidade da coisa.

No final, e já sozinho em palco, Blake brindou o público português com a sua versão de “Godspeed”, canção de Frank Ocean, incluída no EP Covers. Foi um momento belíssimo para fechar um concerto que, mesmo não sendo as condições ideais para brilhar, conseguiu abrilhantar o final da tarde no interior do Kalorama e teve uma das maiores enchentes do dia. A vénia de Blake e os aplausos seguidos foram bem merecidos. Agora, fica a pergunta: para quando um concerto em sala? Já está mais que na altura…


Foto por Eduardo Filho

Terminado o concerto de James Blake, logo de seguida – marcava o relógio as 20 horas – foi hora de voltar a subir a colina, mas desta vez em direção do Palco Futura, e em direção ao concerto dos D’Alva. Perdemos ali um minutinho ou dois do espetáculo, mas chegámos ainda mais que a tempo para presenciarmos a energia sem igual de Alex D’Alva Teixeira, Ben Monteiro e Gonçalo de Almeida em palco. “Frescobol”, com direito a solo de saxofone e lampejos de “Don’t Start Now”, de Dua Lipa, e “I Wanna Dance With Somebody (Who Loves Me)”, de Whitney Houston, marcou o primeiro passo desta enorme festa que foi a celebração dos D’Alva, do seu percurso, das suas influências e do seu futuro.

Canções como “Física ou Química” – banger de pop alternativa – ou “L.L.S”, com as suas influências de hip hop e pop punk, mantiveram a energia em alta, antes de se desenrolarem em “Mas Só Se Q uiseres” (com dedicatória a Carol B, que oferece a voz na versão de estúdio da faixa), precedida por um improviso em palco marcado ao ritmo de canções como “SAOKO”, de ROSALÍA, ou “BREAK MY SOUL”, de Beyoncé. Já percebemos que os D’Alva estão bem a par da boa pop que se faz actualmente, certo?

Um dos momentos mais altos do concerto dos D’Alva, todavia, surgiu com “Só a Pensar”, onde os sintetizadores e bateria à la new wave dos anos 80 rechearam o público com nostalgia miudinha, e o falsete de Alex D’Alva Teixeira revelou um pouco de toda a sua qualidade enquanto vocalista; e acrescente-se os seus dance moves e incentivos ao barulho e ao movimento à lista de dotes enquanto frontman.

E o ambiente tão quente no final de “Só Pensar”, que levou Alex a despir o seu muito elegante casaco (blazer?) branco? De guitarra em punho, e com Ben a ajudar no baixo, “Honesty Bar”, canção que o grupo lançou em 2020 em colaboração com Cláudia Pascoal, prosseguiu a festa, antes de Isaura se juntar à banda em palco para “Sala de Espera”, o seu mais recente single, em que o synthwave se junta ao barril de pólvora que é a pop alternativa dos D’Alva.

“Homologação”, faixa de #batequebate (devíamos dar mais amor a este disco…), surgiu em grande – e com homenagem a “TELEMOVEIS” de Conan Osiris (saudades, Conan!) – para terminar com crowdsurf de Alex D’Alva Teixeira com a ajuda do público. Se isto podia ter sido o final? Podia, mas ainda havia mais três canções. “Coração à Discrição”, dedicadas aos emos presentes, foi perfeição pop desmedida em celebração, “Verdade sem Consequência” manteve a energia da festa em alta e, para o final, lembrete de que SOMOS, o próximo longa-duração do grupo, sai no final de Outubro, antes de se insurgirem num banger de pop punk para terminar o concerto em total êxtase, com direito a toques de “Soul Control”, de Jessie Ware, e “Amanhã Tou Melhor”, dos Capitão Fausto, onde o ritmo da última serviu para acompanhar os screams de Alex D’Alva Teixeira, servindo assim para criar uma espécie de momento death metal da música dos melhores betos de Alvalade. Se foi cursed? Ó se foi. Se foi incrível? Também. Foi uma enorme festa aquela que os D’Alva trouxeram ao Kalorama, e certamente ganharam o selo de concerto mais divertido do primeiro dia do festival. Mais pop como esta, por favor.


Foto por Neia

Se o concerto dos D’Alva foi marcado pela pura diversão, o concerto para o qual nos dirigimos – após um breve período de descanso para encher o bucho – pelas 22 horas foi marcado pela sua total seriedade. Em mais uma visita a Portugal dos Kraftwerk – confinados ao Palco Colina, por razões que vão além da nossa compreensão –, o histórico grupo alemão veio brindar-nos com um excelente espectáculo em que a nostalgia e o futuro do presente continuam unidos pela música criada por estes robôs (o proto-industrial de “The Robots” bem nos lembra ser isto que os Kraftwerk são – máquinas com música pronta a ser replicada ad infinitum por semelhantes e derivados). Música essa que bem podia ter vindo de outro mundo e que deixou bem patente a sua influência no universo da música electrónica através de discos como Autobahn, Radio-Activity ou The Man-Machine – só para mencionar algumas das suas obras mais conceituadas, aclamadas e influentes.

Com visuais 3D apropriados à música, os Kraftwerk desfilaram canção atrás de canção como se fossem um algoritmo bem oleado, onde cada input garantia um output de um dos seus hits. Entraram e saíram um a um, sob palmas do público que, pelo meio, reagiu com efusividade a canções como “Computer World” (tão actual no seu tema), “Space Lab” (com direito a geolocalização num mapa da cidade de Lisboa) ou “Autobahn”, com a sua batida motorik a levar-nos numa viagem (mesmo que não tão longa quanta a versão de disco) até à auto-estrada de alta velocidade que confere título à faixa e ao disco.

Destaque ainda para canções como “Computer Love”, que permitiu muitos passos de dança no seio do público, “Radioactivity” e “Trans-Europe Express”, electrizantes em toda a sua extensão, e o momento Tour de France do espectáculo, que certamente foi não só o pico de todo o concerto (e há vários para escolher), como possivelmente o melhor momento de todo este primeiro dia do Kalorama. No final, “Music Non Stop” lembrou-nos que a música, não importa a situação, não pode parar: e a dos Kraftwerk, enquanto existir estrada para andar, continuará a tocar por esse mundo fora, rumo a um futuro que, esperemos nós, não seja tão distópico quanto as suas canções conseguem soar.


Foto por Pedro Francisco

Para terminar a nossa passagem por este primeiro dia do Kalorama, vale a pena ainda conversar sobre o estranho caso do concerto de 2 Many DJs e de Tiga que tocaram no Palco MEO praticamente à mesma hora dos Kraftwerk e que, passado 20 minutos, foram forçados a terminar o concerto devido a um “conflito de som entre os palcos” (era notório que o seu set se ouvia por entre os sintetizadores e drum machines do grupo alemão), uma queixa que se replicou um pouco ao longo do dia. Não só pela qualidade de som de cada palco individualmente – o concerto de Moderat parece ter sido particularmente mau nesse aspecto, a avaliar pelos comentários nas redes sociais do festival e por quem escreve bem sobre o assunto –, mas também pela sobreposição do som de diferentes concertos, particularmente entre o Palco Futura e o Palco Colina. Notas iniciais já para discussões no tal “prolongamento”.

O MEO Kalorama prossegue esta sexta-feira (2 de Setembro) com concertos de Arctic Monkeys, Jessie Ware, Róisín Murphy, Bonobo, entre outros.


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