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MediaFired

RoadHouse Diaries

Tear Souvenir / 2025

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 26/08/2025

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Foi um dos primeiros a adotar as linguagens nostálgicas da vaporwave, subgénero da música eletrónica que atingiu o seu pico de popularidade no começo da década passada. Em Portugal, terá sido mesmo o primeiro a fazê-lo. Fê-lo nos sofás gastos de um apartamento em Coimbra, o mesmo onde habita nos dias de hoje, com um pé no bulício académico da cidade e o outro nas águas movediças do Mondego. Sabemo-lo por via de uma longa conversa nos seus aposentos, a propósito de um artigo publicado nas páginas do Bandcamp Daily. Não poderia ser de outra forma. João Costa Gonçalves, como escrevia na altura, recusa qualquer noção que se aproxime de uma ideia de legado. 

Quinze anos depois de se ter estreado nos quadros da Música Pop Desempregada — etiqueta onde militavam outros desalinhados de Coimbra e arredores, incluindo uns Sensible Soccers em fase embrionária — são ainda poucos os que sabem da sua existência. Pelo menos dentro dos limites deste jardim à beira-mar plantado. A sua presença online é esguia, e nas crípticas notas que acompanham os seus lançamentos são revelados poucos pormenores sobre a sua identidade. Os detalhes da sua vida pessoal, parece, são irrelevantes para a definição do seu vasto e expansivo corpo de obra, que se espalha por mais de uma dezena de pseudónimos.

The Pathway Through Whatever, a estreia em longa-duração de MediaFired, o mais popular dos seus alter-egos, caiu nas malhas da Internet em 2011, meses antes de Floral Shoppe, de Macintosh Plus, cristalizar as bases estéticas da vaporwave para sempre. Com ele partilhava uma afinidade pela apropriação de material pré-existente, pela repetição obsessiva, pelo eco persistente de um refrão memorável, em loop constante até se embrenhar no nosso subconsciente. Partilha, também, o selo de uma importante editora. Após o lançamento inicial, The Pathway Through Whatever foi alvo de uma reedição em cassete de maior prensagem, selando a entrada de MediaFired no catálogo da Beer on the Rug, casa fundamental para a afirmação da vaporwave enquanto movimento de contracultura digital.

O longo intervalo entre The Pathway Through Whatever e Div@’s Paradise, o sucessor lançado em 2022, só contribuiu para alimentar o mito em torno do disco de estreia. A espera por um novo capítulo, no entanto, acabou por ser bem mais reduzida. Roadhouse Diaries; Reflections on a Dude and His Shadow Walking Into a Bar With These Songs for & About Her Playing in the Background as Kind Reminders That Love Is Real, o novo trabalho de MediaFired, foi lançado no passado mês de julho e traz consigo alguma da melhor música que João Costa Gonçalves já produziu. 

Em muitos sentidos, é uma súmula de tudo o que o músico tem vindo a explorar ao longo dos últimos anos, em projetos paralelos como Tempo Extra, MediTosas e JCCG.  A colheita é de boa cepa e confere profundidade ao que já havia sido ensaiado, acrescentando-lhe mais caos, mais fragmentação e mais saturação. Mas também mais cor. Costa Gonçalves pega em detritos do passado e reconfigura-os à sua imagem distorcida, construindo algo novo pelo caminho. Algures nesse processo de desconstrução e recomposição erguem-se silhuetas estranhas mas familiares, vozes reconhecíveis apenas pelos versos entoados em retalhos de melodia e colagem digital.

Ao longo do disco encontram-se espectros de vozes facilmente identificáveis (Clapton, Strokes) e outras mais discretas (ABBA, Kate Bush, Ramones), encobertas por camadas de vapor e compressão. Todas elas são sujeitas a um processo de corte e costura que as afasta da sua forma original, reorganizando-as em paisagens sonoras distintas. O que sobra é uma avalanche de ecos, ruídos e matéria em suspensão, uma nebulosa de recordações e vestígios corroídos pelo tempo, pronta a ser absorvida pelo ouvinte mais aventureiro. Sem saudosismo.


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