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Publicado a: 16/06/2017

Maze e GROGNation: “Fazer rap hoje em dia é um peso de responsabilidade”

Publicado a: 16/06/2017

[TEXTO] Diogo Pereira [FOTOS] Sebastião Santana 

Nesta segunda viagem ao Estúdio Kambas, a História do Hip-Hop Tuga, concerto imperdível que vai acontecer no Sumol Summer Fest, voltou a ser a razão principal para o encontro com Maze e GROGNation. O veterano MC e o grupo emergente (à beira da consolidação final, diga-se) conversaram sobre o passado, as mudanças que o hip hop trouxe para as suas vidas, a possibilidade de uma carreira internacional ou os nomes mais importantes na história do rap português.

 


Que desafios e problemas entendem que o vosso movimento enfrenta nesta altura?

[MAZE] – São desafios e problemas completamente diferentes do que eram no início. E ainda bem. É sinal que crescemos bastante. Agora há muita gente a fazer rap, e a fazer hip hop em geral, em todas as vertentes. E se dantes nos queixávamos de falta de visibilidade e de falta de canais para comunicarmos o que estávamos a fazer, agora não. Agora já não nos podemos desculpar, porque no fundo há muita gente interessada no hip hop, há muitas máquinas de fazer dinheiro interessadas no hip hop e isso traz-nos visibilidade, a todo o movimento. Portanto, os problemas mudam. E os desafios também são diferentes. Tens muita gente que quer estar aí, nessa máquina. Tens outros que não conseguem entrar nessa máquina. Tens rivalidades que sempre existiram no rap, e no movimento e no que tem a ver com a fundação, e com o hip hop que cresceu nos Estados Unidos. Tem a ver com a genética do movimento. Mas esses desafios são importantes para o crescimento de qualquer cultura, e ainda bem que eles existem. É isso que nos leva a crescer, e que tem feito o hip hop crescer durante estes vinte e tal anos.

[PAPILLON] – Acho que o maior desafio neste momento, e acho que é transversal a quase todas as indústrias, porque também nos estamos a tornar, a nível do hip hop, cada vez mais numa indústria, é a informação. Se antes não havia muita informação, e uma pessoa para conseguir ouvir uma música dos Estados Unidos se calhar tinha que esperar uma ou duas semanas ou até mais, hoje em dia a informação está à velocidade da luz, e há muita informação, e o grande, grande, problema é o filtro, ou às vezes a falta do filtro do que é bom e do que é mau porque, com tanta coisa a acontecer, às vezes é um bocado difícil distinguir o que é que é mesmo bom, o que é que é mau, o que é que é muito bom, o que é que é extraordinário. Isto se calhar sou eu já a propor uma solução mas se calhar os guardiões do portão para saber o que é que entra e o que é que sai, ou pelo menos pessoas qualificadas ou que se qualifiquem para esse efeito. E acho que cada pessoa pode também ser ela própria o seu próprio filtro, filtrar a melhor informação. Não se deixar levar por tudo o que é consumível. Hoje em dia tudo se consome com uma facilidade tremenda. Também tudo vai com uma facilidade tremenda, e acho que isso é uma desvantagem. Principalmente para quem é músico, que nós fazemos com tanto esforço, tanta dedicação, tanto amor, não é uma coisa para ser consumida numa semana. Nós gostamos que as pessoas ouçam vezes e vezes sem conta. Da mesma forma que nós consumimos. Nós habituámo-nos a consumir as coisas assim, também gostávamos que hoje em dia as coisas fossem consumidas assim. Acho que esse é o maior desafio.

[MAZE] – Há muito mais gente a consumir rap, e esta nova geração ouve principalmente música no YouTube, e quase não ouve música, pica música, pica videoclipes e ouve segundos de cada vídeo. E já nem consome música, consome vídeos, a música está associada à imagem. Concordo contigo, é esse o principal desafio, mas isso tem a ver com educação e formação. E ensinar as pessoas a apreciar arte. Acho que é a principal transformação que vai acontecer. Provavelmente, numa próxima geração que não queira consumir todos os produtos que são cada vez mais. E há milhares de putos fechados em quartos a fazer álbuns diariamente, quase que os podem por na rua diariamente. Vai haver tanto, tanto a inundar o mercado que as pessoas vão querer seleccionar melhor, e vão querer investigar melhor, e vão querer fruir a música como se fazia no meu tempo, que gravava uma cassete e andava a ouvir aquela cassete durante dois, três meses, quatro ou cinco, e só ouvia aquela cassete. Lembro-me de ouvir 36 Chambers assim, tinha a cassete no meu Walkman, em loop, até a fita já não dar mais.

 



Acham que as coisas estão melhor do que estavam quando começaram?

[NASTYFACTOR] – Uma das coisas em que realmente se nota a diferença, mas que pode não querer dizer muita coisa, é a questão das visualizações, por exemplo no YouTube. Lembro-me de começar a ver rap português a ter por exemplo um milhão de visualizações. Hoje em dia é uma coisa que já muita gente tem. Isso pode não querer dizer grande coisa. Mas é uma das coisas em que eu sinto que houve diferença, desde o tempo em que começámos, mas também não começámos assim há tanto tempo.

[MAZE] – Há uma diferença abismal. O pessoal que começou a fazer rap teve que abrir caminho, teve que desbastar caminho, e abrir portas. E não estou a falar só de lançar discos ou de estabelecer conexões com editoras, ou tentar por o rap no mapa, ou tentar dar concertos em tascos sem condições. Dantes não havia condições, não eram as mesmas condições que existem hoje em dia. Para fazeres estrada em Portugal, com um projecto de rap, era totalmente diferente. E esse trabalho foi feito ao longo dos anos, foi muita gente, não só estes artistas que estão neste cartaz, que estão a representar muitos outros que também abriram este espaço, e alguns já nem fazem música, porque foi um trabalho ingrato, muitos deles nunca conseguiram viver da música, e iam fazendo isto por carolice, porque gostavam, e amavam a cultura, e muitos deles amam e não estão a fazer música, ou estão a fazer em casa deles, mas não estão a viver da música, e eles também fazem parte, também estão representados neste pessoal que vai estar aqui a fazer esta retrospectiva. E eu acho que uma nova geração que está aí com força, eles e muitos mais projectos de vários estilos, porque agora o hip hop subdividiu-se em tantos estilos, que há gente a fazer sonoridades muito diferentes, já colhem os frutos do que esse pessoal todo foi fazendo. E há que aproveitar. E há que valorizar o que foi feito, se as portas estão abertas, têm que expor a vossa música. E tocar em condições, por cachets dignos e fazer bons videoclipes, tudo coisas que se calhar outra geração batalhou muito e não conseguiu fazer. Portanto é um peso de responsabilidade também. Ter consciência que houve muita gente que abriu esse caminho e que nem sequer chegou a viver do rap. Portanto aproveitem e valorizem e façam acontecer.

Em que outros aspectos essa evolução do movimento se tornou mais notória e importante para vocês?

[MAZE] – No meu caso foi a altura em que eu percebi, com os meus companheiros, com Dealema, sairmos de um quarto que era o Segundo Piso, em casa do Mundo, de um projecto de amigos e de repente estávamos a passar a nossa mensagem para muita gente. E as pessoas abordavam-nos na rua e diziam “Olha, a tua letra mudou a minha vida, tens impacto real na minha vida”. E esse foi o momento em que eu percebi que houve uma transformação, que houve uma mudança e que estava a fazer o que queria fazer.

O reconhecimento.

[MAZE] – Sim, o reconhecimento, mais do que visibilidade ou dinheiro, que nunca foi muito, ou seja lá o que for. O reconhecimento, esse reconhecimento de que estava a ser útil, que estava a ter um impacto que queria ter na vida das pessoas, porque cresci a ouvir rap americano e essas letras tinham impacto na minha vida, à distância do Atlântico. E eu estava a ter impacto na minha sociedade, nas pessoas que estão comigo. E isso foi um ponto de viragem.

 


maze


Do que tens mais saudades?

[MAZE] – Precisamente desses tempos. De estar no Segundo Piso, e de estarmos a passar o lado B dos singles americanos que o DJ Guze tinha comprado em vinil, e estarmos horas a improvisar, e a curtir, e a partilhar cassetes que tínhamos gravado do Mariño, do último programa dele, e essa partilha desses tempos era mágica, porque não havia tanta informação, não havia Internet, ou havia, e nem toda a gente tinha, havia dificuldade em chegar às músicas, e essa partilha de informação era mesmo especial. E tenho mesmo saudades desses tempos.

Acham que é mais difícil para um artista começar hoje do que quando vocês começaram?

[HAROLD] – Acho que não. Hoje em dia é tudo mais fácil. Temos acesso às coisas muito mais facilmente. Há um bom microfone, toda a gente tem um bom computador, é mais fácil gravar em casa, ainda por cima com a Internet. Nesse aspecto de fazeres o teu som em casa, de dares os teus ajustes, pronto, está ao acesso de toda a gente. Depois a partir daí é a questão de divulgar a música, mas começar é muito mais acessível.

[NECK] – Há muita informação neste momento, e a pessoa que sabe fazer o filtro da informação que quer consegue chegar lá, porque se quiseres saber como produzir vais ao YouTube, aprender a filmar e editar, até a fazer graffitis, é por aí, neste momento há muita informação, é só filtrar como deve ser.

[NASTYFACTOR] – E consegues se calhar fazer uma carreira inteira sem sair de tua casa, e sem gastares praticamente dinheiro. Gastas dinheiro no computador, gastas dinheiro em algum material básico como o microfone, o interface e isso, e tudo o resto, se fores mais malandro, consegues arranjar na Internet. E fazes tudo, tens o teu estúdio em casa virtual todo, sem gastares um tostão.

O que mudou nas vossas carreiras e vidas desde que começaram esta viagem?

[HAROLD] – Os objectivos de vida, principalmente. Porque eu antes até fui mais ligado a jogar à bola, e se calhar quando jogava à bola as pessoas que me conheciam eram do meio, jogavam à bola também, e quando comecei a fazer música, senti que à medida que as coisas foram crescendo, a música já chegou a muita gente, que até se for preciso a amiga da minha mãe que nunca falou comigo já sabia quem eu era, por causa do filho que viu não sei onde, as abordagens na rua, e essas coisas, acabas por começar a sentir que realmente já influencias a maneira de pensar de outras pessoas. E se calhar foram as coisas que mais mudaram, o facto de saber que há pessoas que me conhecem, e que o que eu escrevo influencia também a vida deles, de certo modo. E pronto, ter mais cuidado ou mais atenção, ou ter mais noção que isso está a acontecer, foi o que criou maior mudança na minha vida. De resto continuo igual, o que eu faço, as minhas rotinas continuam iguais, o que fazia antes.

[NECK] – Por exemplo, eu nunca sonhei ser rapper, há muita gente que tem o sonho de ser rapper, ou fazer disto vida, e foi uma coisa que aconteceu, a minha vida não estava, se calhar estava direccionada para isto, mas na altura eu não fazia ideia de fazer isto para o resto da minha vida. Agora se calhar penso “Quem me dera fazer isto para o resto da minha vida”, porque é uma coisa que me dá prazer. Estou a fazer aquilo que mais gosto. E antigamente queria ser realizador, queria ser mil e uma coisas, mas neste momento gosto mesmo de fazer isto, porque é isto com que me identifico.

[MAZE] – Já falei um bocado disso na outra resposta, mas eu acho que precisamente nesse ponto de viragem que descrevi há bocado, quando percebi que a música de Dealema estava a chegar às pessoas, eu percebi que a minha vida iria por ali, durante um pedaço, e no fundo a minha bênção é um bocado a minha maldição, porque a minha vida podia ter-se transformado, e podia ter uma vida bem mais segura financeiramente, podia ter feito outras coisas, estive ligado às artes visuais, a minha vida podia ter seguido vários caminhos, e eu preferi ir por aqui. Preferi fazer este desvio e seguir o caminho mais difícil. E ainda bem que o segui, não estou nada arrependido. Principalmente por estar a tocar pessoas e ter descoberto uma das coisas que mais quero fazer, que é ser educador. Entretanto descobri as artes marciais e vou fazendo algumas coisas em paralelo com a música, também profissionalmente, que são todas com o objectivo de formar, de educar pessoas.

[NECK] – Porque a educação não vem só de casa, há vários tipos de educação, não são só os nossos pais. Um exemplo, eu ouvi o Sam, cheguei a estar a ouvir Sam na escola, e, de uma forma ou outra, ele está a educar. E conseguir fazer isto para as pessoas é um espectáculo. É um papel educativo na sociedade. Uma das coisas mais bonitas no hip hop é aprender com os outros, a partilha da vivência.

Quais as lições mais importantes que aprenderam desde que começaram as vossas carreiras?

[HAROLD] – Nada é por acaso. Nada é garantido. Nada é impossível.

[NECK] – Temos de nos aceitar uns aos outros como somos, porque nem toda a gente pensa ou funciona da mesma forma. E isso num grupo é claro.

[NASTYFACTOR] – Olhando para o espectro geral do hip hop português tens muita variedade e se calhar podes não te identificar exactamente com a música que certa pessoa faz mas se calhar depois conversas com ela e percebes que ela tem um propósito para fazer aquele tipo de rap, por exemplo, e acabas por aprender a aceitar a variedade.

[PAPILLON] – O que as pessoas vêem sempre ali no palco é o resultado de muitos pequenos movimentos e muitos treinos e muitas frustrações e muitos momentos de prazer e de diversão, mas é mesmo o esforço, e a dedicação, e o saber estar nas alturas certas com as pessoas certas, eu agora estou a lembrar-me do momento exacto em que conheci o Sam, e o olhei olhos nos olhos, eu ‘tava a curtir a minha noite na boa, eu e os meus rapazes, tínhamos acabado a noite a distribuir flyers, nós sabíamos que estávamos a começar o nosso grupo, e queríamos que as pessoas ouvissem a nossa música, e ouvissem o nosso nome, o que é uma coisa muito inocente de se fazer e de querer, e numa dessas noites em que nós fizemos isso e depois fomos curtir para o Estado Líquido, estava lá o Sam, foi a primeira vez que o Sam me deu um toque aqui nas costas e disse “Boy, boa mixtape, granda sonoridade, gostei”. Quando tu ouves unanimemente um dos melhores rappers de Portugal, o Sam moldou o carácter de muita gente da minha geração, dizer-te uma coisa dessas, de um trabalho que tu fizeste quase na inocência, por pura diversão, de uma forma tão honesta e tão espontânea, quando tu ouves uma pessoa que tu tens como referência dizer-te “olha eu gostei do que tu fizeste”, só porque tu saíste de casa, porque no início era o teu esforço, o teu grind, por assim dizer, vale sempre a pena. E eu nesse dia pensei mesmo “Vale sempre a pena”. Porque eu sou bué introvertido. Eu fico na minha, estou sempre calado. E era um esforço para mim, gasto muito mais energia em sair à noite, dar-me a conhecer do que ficar na minha. E eu também não sabia que havia festas de hip hop à noite, eu não sabia, era completamente ignorante nessa altura, porque para mim sair à noite era ir para as discotecas dançar kizomba. E foi preciso esse esforço psicológico da minha parte de querer sair da minha zona de conforto e sempre com essa mentalidade de o esforço compensa, o trabalho árduo compensa, que eu tive uma grande recompensa e a partir daí ficou para sempre esse momento. O esforço compensa sempre.

[MAZE] – Aprendi muita coisa, porque isto tem sido a minha vida, a minha ligação ao hip hop. Tenho aprendido muito em Portugal inteiro, com as pessoas que vou conhecendo, tive essa vantagem de poder conhecer o país, conhecer o Portugal real, e as pessoas, e relacionar-me, aprendi muito sobre relações humanas, e sobre as pessoas, sobre o português, aprendi muito sobre a nossa terra, sobre como gerir o meu ego, também. Quando estás exposto, e tens visibilidade, e és um artista, e normalmente as pessoas têm tendência quando estão nessa situação e nesse ponto em que têm visibilidade e passam a figuras públicas normalmente os egos ficam um bocado descontrolados e desmedidos. Aprendi muito nesse momento, a valorizar-me, a perceber quem é que eu sou, o que é que eu sou, e a controlar esse ego. Aprendi muita coisa com a música, com a vida, que foi mais ou menos a mesma coisa. A minha vida foi indo pela música.

Neste ponto da história do hip hop português, o que é que vos dá mais orgulho e o que acham que ainda falta fazer no futuro?

[HAROLD] – Tomar conta disto tudo [risos].

[NECK] – Há tanta coisa para fazer. Tem que haver uma evolução constante da parte de toda a gente, de quem está cá, de querer inovar, de querer trazer coisas novas, e quando eu falo nisto, falo do hip hop em geral, não é só do rap. Acho que é a cultura que tem de crescer porque é a cultura que está a ser cada vez mais aceite, pelo menos em Portugal. Vês agora graffitis pintados nas Câmaras, as Câmaras promovem o graffiti e isso já é bom, tem é de haver mais iniciativa, de toda a gente do meio para fazer isto crescer.

[NASTYFACTOR] – Eu acho que já houve pelo menos um avanço na tentativa de se profissionalizar, ou de levar mais a sério, nós próprios nos levarmos mais a sério. Há muita gente que já se leva a sério, e que já trabalha, acorda cedo e quer realmente trabalhar, vê isto como um trabalho. Nem vou dizer trabalho, porque pode ter uma conotação mais pesada, mas é no sentido de “esta é a minha ocupação, é isto que eu gosto de fazer, quero passar a minha vida a fazer isto”. Já há pessoas a fazer isto, mas às vezes parece-me que há falta de seriedade do tipo “esta é a minha profissão, tens de me respeitar, a mim e ao trabalho que estou a fazer”. Mas acho que as coisas estão a correr muito bem.

[MAZE] – E nunca tivemos tão bons representantes em todas as vertentes como temos agora. Tens pessoal no graffiti reconhecido internacionalmente, DJs a ganhar campeonatos mundiais, tens projectos de rap com tanta qualidade como o rap feito em qualquer parte do mundo, o rap já não é só americano, é mundial.

[NECK] – E começa-se a ver essa internacionalização também, no graffiti há pessoal que já vem pintar a Portugal, pessoal de Portugal vai pintar fora.

[MAZE] – E em quase tudo o que foi feito aqui, neste país, temos sempre uma latência muito grande. Uns dez, vinte anos de atraso, em relação ao que está a ser feito lá fora, e de repente a Internet veio encurtar isso um bocado. Acho que estamos a fazer coisas com qualidade para a dimensão que temos, para a quantidade de habitantes que temos neste país, há muito boa oferta e muita qualidade e diversidade. É claro que ainda falta fazer muito, há sempre margem para progredir, e falta mesmo fazer muito.

[NASTYFACTOR] – E acho que havia coisas que fazia sentido terem sido feitas e que hoje em dia se calhar já não vão ter tanto impacto se acontecerem do que se houvesse antes. Por exemplo, revistas de hip hop, na altura houve, e não tiveram tanto impacto porque na altura as coisas não estavam preparadas. E hoje em dia se houver uma revista de hip hop já não vai resultar.

Falaram bastante na questão do país e de Portugal. Carreiras internacionais? Ambicionam, desejam? O que é que sentem em relação a isso?

[HAROLD] – Não posso dizer que é um objectivo, mas é algo que pensamos sempre, de fazer a nossa música chegar ao máximo de pessoas possível. Tentamos sempre primeiro no território português, estamos em Portugal, depois por consequência chegar ao Brasil, Angola, Moçambique, até outros países, outros festivais que possam misturar música portuguesa com americana e latina. Acho que o objectivo de todos os artistas é mesmo esse, é conseguir que a música atravesse fronteiras.

[MAZE] – Eu estive no festival Terra do Rap, do Vinicius Terra, que faz um trabalho já há muitos anos precisamente para ligar a lusofonia, que é uma das coisas que falta fazer, respondendo à pergunta anterior. Há muito por fazer, e a lusofonia está muito mal explorada, já há muito tempo. Agora começam a aparecer alguns projectos, a perceber isso, e a perceber que há aí um filão gigante, o Vinicius Terra já faz isso há muito tempo, e o primeiro projecto lusófono é precisamente dele, o BPM, dele, do Mundo Segundo e do Nel’Assassin. Agora há o projecto Língua Franca. O DJ Caíque junta Portugal e o Brasil há anos, é a missão dele, fazer essa ligação. Angola está atenta ao rap português desde sempre, desde ‘96. Moçambique também. Os países lusófonos gostam de rap português. Falta é articular aí alguma coisa para fazer esse intercâmbio. Mas o próprio Brasil, que não nos entende muito bem, o português de Portugal, há ali uma certa barreira, uma dificuldade de perceber o nosso português, já começa a apostar, a estar atento, as redes sociais começam a encurtar esse espaço. Falta é se calhar haver uma articulação mais política. É mais fácil para alguns artistas, que têm um som mais popular, e vão tocar lá fora porque existe uma base de fãs que permite pagar o cachet e essas viagens. Não há uma igualdade, isto ainda é muito dependente do agente e de quem está a comprar o concerto e se há apoios, quando essa estrutura toda estiver mais evoluída, eu acho que vai ser mais fácil entendermo-nos melhor.

 



Eu fiz esta pergunta ao Sam The Kid e ele mostrou-se um pouco relutante em responder, mas vou arriscar na mesma: sem querer estar a fazer disto uma competição, e sei que isto é muito subjectivo, mas que nomes destacam como os mais importantes da história do hip hop português? E porquê?

[PAPILLON] – No início, muito Sam, muito Valete, depois à medida que fui descobrindo mais rap tuga, Dealema, Mind da Gap, Boss AC, Black Company. Eu posso dizer isto porque eu sou novo, porque eu bebi das influências deles todos. Eu não conhecia General D, mas quando ouvi percebi perfeitamente a essência da cena e acredito que provavelmente se tivesse nascido uns anos mais cedo seria dos meus artistas favoritos. Bomberjack, Cruzfader, por causa das mixtapes.

[NASTYFACTOR] – Lá está, nós somos de um tempo em que apanhámos isso já tudo montado, já havia muita gente a fazer rap português, por isso é fácil para nós dizermos quais foram os nomes mais importantes para nós.

[MAZE] – Eles nomearam os nossos pares, pessoal que fez isto acontecer connosco, há ali uma diferença de anos, mas é mais ou menos o mesmo grupo de pessoas que fizeram isto acontecer e eu ouvia estes artistas enquanto fazia música também, e acho que não dá para destacar assim um nome ou outro, esquecemo-nos sempre de alguém. E por isso entendo bem porque é que o Sam não quis responder, porque é mesmo ingrato e é difícil escolheres só um poster boy. É um trabalho de partilha, e há muita gente a puxar a carroça ao mesmo tempo. O que distingue o hip hop é mesmo esse espírito de união entre as vertentes e entre as pessoas que fazem essa linguagem. Eles estavam a dizer que ouvem rap italiano, é uma linguagem universal, não precisas de perceber a língua, estás a sentir o que a outra pessoa quer dizer, a emoção que indica, o movimento do b–boy que comunica com o emcee, inspira o writer a pintar. Existe uma linguagem invisível que une. É esse espírito de união que nos fortalece, e que faz deste movimento um movimento que vai prevalecer e que tem uma margem de progressão gigante como expressão artística.

 


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