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Fotografia: Doctor Von Jay
Publicado a: 29/03/2024

O álbum de estreia da banda portuguesa que cruza jazz, hip hop e outras linguagens.

Mazarin sobre Pendular: “Entrámos mais no universo das tecnologias musicais”

Fotografia: Doctor Von Jay
Publicado a: 29/03/2024

Chama-se Pendular e é o álbum de estreia dos Mazarin. Acaba de ser editado pela recém-lançada Now Jazz Agora, editora de Rui Miguel Abreu, director do Rimas e Batidas, e marca o primeiro longa-duração da banda formada em 2018 e que neste momento é composta por Léo Vrillaud (teclados e sintetizadores), Vicente Booth (guitarra), Francisco Bettencourt (saxofone alto e flauta), João Spencer (baixo) e João Romão (bateria e percussões).

Pendular, um disco sobretudo construído a sul do país, conta com Soluna, Gil Dionísio, Rodrigo Brandão, Sara Badalo e João Frade como convidados. São oito faixas compostas durante a pandemia que agora vêem a luz do dia, numa altura em que o grupo já prepara coisas novas. O Rimas e Batidas entrevistou João Spencer e Vicente Booth sobre o álbum de estreia dos Mazarin.



Este Pendular era um trabalho que já estava na calha há algum tempo? Como é que surge o projecto?

[João Spencer (JS)] Começou já há algum tempo. O processo de composição aconteceu na altura da pandemia. 

[Vicente Booth (VB)] Há uns três anos, sim. O nosso processo sempre foi juntarmo-nos em temporadas e também foi assim que este álbum em particular começou. Foi uma temporada de ensaios, em que provavelmente tínhamos concertos agendados, e aí dividíamos o tempo entre fazer novo material e ensaiar para concertos que já tínhamos agendados. 

[JS] E neste entretanto começámos a desenvolver novo material. Também foi, de certa forma, um apontar para uma nova direcção, sem perder a identidade que já tínhamos construído nos primeiros EPs.

Como descrevem essa mudança de direcção?

[JS] Quando a banda começou, havia muito esta coisa centralizada entre o jazz e o hip hop, com algumas outras nuances pelo meio — tanto poderíamos ter referências de neo soul como de rock, mas havia muito esta intersecção entre jazz e hip hop. Agora com o Pendular, eu lembro-me inclusivamente, Vicente, dos primeiros retiros para compor o disco que estávamos a fazer na tua casa no Alentejo, e lembro-me de termos referências do que estava a acontecer em Inglaterra. Por causa do novo jazz londrino.

[VB] Sim, eu e o Léo, sobretudo, estávamos muito vidrados na cena do Joe Armon-Jones, Ezra Collective, esses grooves e batidas rápidas. Lembro-me de que isso foi uma grande influência porque, pelo menos no processo de banda, o que acho que mudou dos trabalhos anteriores para este foi pensarmos mais na pré-produção, levarmos os nossos computadores e máquinas para gravar coisas e daí construir bases e maquetes que iam evoluindo cada vez que nos juntávamos. Ao passo que, antes disso, tínhamos as músicas, tocávamos entre elas, anotávamos em papéis as estruturas e progressões e daí gravávamos em estúdio. O primeiro EP foi muito assim, não envolveu a nossa pré-produção do ponto-de-vista mais técnico.

[JS] É engraçado porque, como o Vicente referiu, estas referências e o facto de termos apostado mais em metermos a mão na massa. É interessante porque há aqui outro ponto de efectivamente termos ido buscar estas referências que ele disse do Joe Armon-Jones, Ezra Collective, etc. mas não ficámos apenas por aí. Além desta cena londrina, também é fácil de perceber no nosso disco… Este novo jazz vai buscar coisas à música de dança, à música africana, e isso também transparece um bocado nas referências do Pendular. Ou seja, nós fomos também buscar as referências dessas referências. Temos muita música electrónica, muita música africana… Com a particularidade de ser música africana adaptada à nossa realidade lusófona. Temos até funaná envolvido neste disco, algo que na onda londrina seria difícil de encontrar.

[VB] Esses nomes da cena inglesa são as coisas que nos chegam com mais facilidade, que são editadas e têm um maior reach. Mas, no fundo, a nossa influência, do ponto-de-vista da música electrónica, africana e de outras diásporas, também bebe bué dos concertos que vimos aqui, em festivais como o FMM Sines, concertos em Lisboa, coisas que vamos mandando uns aos outros. 

E, em termos de processo criativo, a grande diferença neste disco foi a tal questão da pré-produção de que falavam?

[JS] Foi um dos pontos mais diferentes. Porque nos primeiros EPs tínhamos muita ajuda de terceiros para isto, não desvirtuando que continuámos a ter muita ajuda de terceiros na produção mesmo. Gravámos com o Sickonce pela primeira vez, continuámos a trabalhar com o Pedro Ferreira na parte da mistura e também tivemos o Hugo Santos na masterização, o Diogo Lima também foi uma das pessoas que assumiram a produção com o Sickonce e connosco. Claro que continuámos imenso a depender de terceiros, mas também aprendemos a ter know-how nas electrónicas e isso também está muito presente naquilo que estamos a fazer actualmente. Começar a mexer mais em softwares, em audio stations como o Ableton Live, estarmos a trabalhar mais com elementos de drum machines, sampling e sintetizadores. Estamos a entrar mais no universo destas tecnologias musicais. Aliás, acho que o Vicente pode ilustrar isto melhor, porque é uma das pessoas que têm contribuído muito com essa componente. 

[VB] Realmente, esse foi um ponto que influenciou muito a composição e do ponto-de-vista criativo. Foi mesmo termo-nos focado na pré-produção e tentarmos ter uma maquete do que é que iria ser a música. Fazer diferentes takes caseiros, com diferentes sons no caso da “Chester” lembro-me perfeitamente da união do groove que fiz electronicamente com a harmonia e a melodia do Léo. Lembro-me de ficar a ouvir essa maquete durante imenso tempo, de achar aquilo muito fixe. E isso evoluiu para este tema que entretanto foi floreado e produzido com outros sons, outros kicks, outros snares. Mas a essência de como foi construído foi fixe. A linha de baixo e tudo… Foi uma cena que se criou ali num dia e em dois anos não mudou grande coisa, mas foi florescendo de uma maneira bonita até àquilo que se vê hoje. E é um bom exemplo do processo em que se tornou a composição de Mazarin.

Sentem que têm vindo a formar uma identidade desde o início da banda, em 2018, que agora está mais madura e melhor expressa neste vosso álbum de estreia? É o registo que melhor ilustra aquilo que é Mazarin?

[VB] Honestamente acho que não… Acho que será uma constante evolução, uma espécie de loop de influências. Ou seja, consigo imaginar um futuro trabalho que possa pegar numa vertente muito mais electrónica, ou também menos electrónica… 

Vai sempre existir essa experimentação.

[VB] Acho que sim. As nossas personalidades são mesmo assim, flutuam muito, e no caso de ficarmos a fazer música juntos durante muito mais tempo, acho que os trabalhos irão ficar diferentes… Esta pode ser uma maturação nossa enquanto músicos, mas…

[JS] Sim, exacto, na melhor das hipóteses isto reflecte onde estamos agora. E mesmo isso é relativo, porque o disco ainda agora saiu e na verdade já estamos a partir para outro. Já estamos a pensar em ideias e directrizes novas. Claro que é fácil pensarmos nessa ideia de que o primeiro álbum reflecte aquilo que somos, mas é o que o Vicente disse, já estamos a pensar noutras ideias, é algo flutuante.

Sim, no fundo cada álbum irá sempre representar cada fase da vossa criatividade e do vosso momento enquanto banda.

[VB] Sim, especialmente trabalhos que demoram este tempo todo a ser editados. Até porque não vivemos todos na mesma cidade. Estávamos a trabalhar com várias pessoas. Então, foi um processo relativamente longo, de dois ou três anos. Esse tempo já reflecte uma mudança, porque de certa maneira já estamos com a cabeça noutro sítio. Já estamos a fazer mais música e noutras direcções. E também nesta direcção, mas vamos sempre sondando coisas diferentes que podem resultar. 

Como é que os diferentes convidados chegam a este disco? 

[JS] Isso, em grande parte, quem merece aqui os louros pela coisa acaba por ser o Léo. Isto porque há pelo menos quatro nomes dos convidados que têm ligação ao Algarve, e o Léo é o algarvio da banda, então são contactos que ele ajudou a facultar, nomeadamente a Sara Badalo, o João Frade, o Gil Dionísio… A Soluna também viveu no Algarve e acho que foi através daí que o Léo a conheceu. Portanto, foi através daí e eram nomes que nós já íamos conhecendo musicalmente. Por exemplo, já acompanhávamos o trabalho do Gil em Pás de Problème e nos Criatura e gostávamos muito da posição dele. E também já tínhamos trabalhado com outro membro dos Criatura, o Edgar, no concerto do 25 de Abril que fizemos em 2019. O único convidado que não partiu do Léo foi o Rodrigo Brandão, que foi sugestão do Vicente, e através de vários elos em comum, conseguimos fazer essa colaboração. O que têm em comum todos estes nomes é que achámos que o trabalho que têm feito faz sentido para estarem no disco. 

[VB] E temos aqui três colaborações de spoken word, que ganha uma preponderância no disco, e duas mais melódicas. 

Sentiam que as músicas, por si só, pediam um pouco aquilo que os convidados acabaram por trazer? Ou tinham sobretudo o desejo de trabalhar com estas pessoas e depois foi perceber onde encaixavam?

[VB] Fazer música instrumental é uma coisa que adoramos e foi assim que a banda começou. Mas, realmente, ter colaborações é algo que pode dar uma vida incrível a um tema instrumental e fazer com que tenha outra projecção e cor. E é tentar alargar aquilo que podemos fazer, e uma voz pode fazê-lo de uma maneira muito boa. E outra coisa que também é importante de dizer é que nós somos baseados no sul do Alentejo, e a maior parte das colaborações têm esta ligação ainda mais a sul, então isso é um marco geográfico de que temos bastante orgulho.

E porquê o título Pendular? Como surge a ideia?

[JS] Foi o Francisco, o nosso saxofonista/flautista, que lançou o nome quando começámos a tentar fazer um brainstorm. Quando o ouvi, para mim fez-me bastante sentido por causa da oscilação de géneros que se faz sentir neste disco. 

[VB] Oscilação de géneros e esse factor de distância entre as nossas viagens pela metade de baixo de Portugal. Estamos muito em Beja, Évora, Albufeira, Portimão… E Lisboa, claro. Há uma viagem nesse sentido, também, e é um título que pode pender para os dois lados.

E como é para vocês inaugurarem este novo selo da Now Jazz Agora? É importante?

[JS] Acho que seria muito difícil dizermos o contrário. Temos aqui um disco que não só representa uma estreia no sentido de ser um longa-duração, mesmo que não seja “o” que nos representa, estreamos também uma label de uma pessoa com quem obviamente temos uma ligação muito grande, o que acaba por ser uma honra. 

[VB] Uma honra e uma responsabilidade fixe que estamos a abraçar.


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