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MAVI

Laughing so Hard, it Hurts

Mavi 4 Mayor Music / UnitedMasters / 2022

Texto de Leonardo Pereira

Publicado a: 08/11/2022

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A dimensão de um álbum não é necessariamente definida pela sua duração, nem pelo seu alcance, nem pela sua popularidade, nem pelo dinheiro que gera. Às vezes, essa dimensão é definida pela sua universalidade relativa à experiência humana: seguindo essa lógica, o segundo longa-duração de MAVI, Laughing so Hard, it Hurts, tem um valor astronómico.

MAVI é o nome artístico de Omavi Minder, rapper/poeta de Charlotte, na Carolina do Norte, que estudou neurociência na Universidade de Howard. Começou a lançar projectos em 2016, com apenas 17 anos, com BEACON, que foi seguido de no roses, em 2017, mixtapes que não chegaram a tantas pessoas como Let the Sun Talk (2019) conseguiu chegar devido à sua qualidade inegável; ao mesmo tempo, a crescente presença nos créditos dos discos de outros (e que outros!) como The Alchemist, Earl Sweatshirt, Ovrkast (os dois últimos contribuíram, inclusive, para o seu álbum de estreia com beats) e Pink Siifu deram-lhe outro nível de exposição.

O primeiro single do seu mais recente trabalho aterrou em Setembro e um mês depois recebemos esta pérola na totalidade, que abre com “High John”, cujas primeiras quatro linhas maravilhosas de um refrão que fica na cabeça deixam a pensar e nos lançam para um estado de espírito aberto a questões existenciais – estado necessário que nos prepara para o resto do disco: “Praying they still make love in my size/ Sober up and wipe the crust out my eyes/ My last integrity and trust a trail of crumbs for my bride/ Is it a return or a failure to succumb to the tide?” É um início introspectivo, sim, mas também se sente uma esperança – no amor, na reabilitação e no crescimento pessoal, até pela própria perspectiva que se tem sobre as maneiras que as marés da vida se abatem sobre nós. A produção acompanha este sentimento com melodias calmas e moralizadoras, samples vocais que criam um ambiente harmonioso e o habitual kick ritmado impactante, lado a lado com a voz melosa mas assertiva de MAVI. A canção finaliza com “You need my echo just to hear from me/ But imma echo in your memory” e relembra-nos outra vez a ambição do autor ao mesmo tempo que estabelece a relação entre este e o ouvinte.



A produção segue nas mesmas linhas mas com um leque de ofertas sónicas: em “Baking Soda” (de monte booker e de Amarah), temos um 808 pujante e um stab synth a criar os carris para os finais dos versos contundentes de MAVI; em “3 Left Feet” (de Jacob Rochester), há açúcar e adoçante para todos, alinhavando ideias de r&b e de soul para uma das canções de amor mais bonitas dos últimos anos, mesmo que a mensagem esteja relacionada com um término — saindo aqui um pouco da parte instrumental, sentimos mesmo necessidade de referir a beleza de “3 Left Feet”, um poema sobre um amor que já acabou, com uma série de metáforas e de descrições incrivelmente bonitas e o melhor refrão do álbum; em “Trip” (novamente de monte booker e Amarah) as coisas ficam mais trippy e há um tom mais psicadélico na acumulação de texturas, na percussão mais amontoada e nos samples vocais, curtos e que cortam o ritmo automático da canção; em “Opportunity Kids” (de Angelo LeRoi e Kevin Long) somos levados para BPMs mais elevados e para uma instrumentação mais viva.

O único apontamento “negativo” que se pode fazer a este disco é, provavelmente, a curta duração de algumas faixas que contêm apenas um verso e um refrão repetido duas vezes. Mas, sinceramente, nem essa achega parece válida na íntegra dada a variedade de flows, cadências e tons presentes. Mesmo sendo Amindi a única participação, não sentimos necessidade de mais (porém, não rejeitaríamos se se juntassem uns quantos nomes numa versão deluxe), muito devido à quantidade e à qualidade da escrita — nunca cansa.

Voltando um pouco às ideias de MAVI: são demasiado cativantes e intrigantes para que não se sugira que se vá ouvir de imediato em vez de prosseguirmos com estes escritos. No entanto, sentimo-nos na obrigação de dar este último contributo antes de fechar as contas: há aqui histórias, amizades, crescimentos, amores, desamores, questões raciais, ansiedades, vergonhas, pânicos, questões sobre a posição de cada um no mundo, discussões sobre trauma, relações familiares, perspectivas sobre o lifestyle e sobre o grind, a exposição à riqueza e o distanciamento que ela traz, o processo artístico e as suas rotinas e… já devem ter percebido. A vida e a morte aos olhos de MAVI, numa visão que é exposta tão habilidosamente que nos arriscamos a dizer que existe uma lição para toda a gente. Ou 16 lições muito valiosas. Se gostam de rap, vão certamente apreciar este Laughing so Hard, it Hurts


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