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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 27/11/2023

Diálogo em tempo real entre bateria e electrónica.

Matthew Herbert & Julian Sartorius na Culturgest: um berlinde à solta numa caixa de ressonância

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 27/11/2023

Desde os longínquos sons do corpo e construção de narrativas associadas [Bodily Functions . !K7 . 2001], ao imaginário das sonoridades caseiras [Around the House . !K7 . 2002] o prolífico universo de Matthew Herbert, empurrou-nos, em movimentos surpreendentes e bem enérgicos, para realidades quotidianas próximas, mas sempre deslumbrando-nos com uma perspectiva desconhecida, porque nada óbvia. A obra de Herbert constituiu, pelo menos no início do presente século, matéria de análise atenta e audição cuidada. As diferentes estruturas sonoras que concebia, as matizes que dela emergiam fundavam espanto e serviam de influência para muito do que se fazia na época. Por distracções várias e por derivas sonoras sinuosas que se vão interiorizando, perdemos-lhe o rasto. 

Há precisamente dois anos [25 de Novembro de 2021], em Londres, deu-se o encontro entre Mathew Herbert e o percussionista suíço, Julian Sartorius. Drum Solo [Accidental Records] é a sua materialização fonográfica. Em Abril deste ano, a corporificação e estreia em concerto — no Rewire, em Haia, no Concordia CC. Diálogo bem encaixado entre a percussão de Sartorius e a electrónica agitada de Hebert. Sem os traumas que, normalmente, emergem deste tipo de colaborações — hesitações não propositadas, acompanhamento pastelão, inexistência de uma ideia concreta que se pretende aprofundar. Felizmente, 2023 tem sabido contrariar, com inegável perícia, esta imagem em torno desta simbiose nem sempre feliz. Apenas como ilustração e reforço argumentativo — concertos de Will Guthrie & Container [Serralves em Festa, no Porto, e Escola do Largo, em Lisboa | Junho de 2023] e Sven-Åke Johansson & Jan Jelinek [Out.Fest – Barreiro | Outubro 2023]. Se entre Guthrie e Container sobressaía uma atmosfera densa, impregnada de registos fortes e sonoridades próximas do noise, em Sven-Åke Johansson & Jan Jelinek oferece-se espacialização mais aberta, flutuante, próxima de registo psicadélico.

Entre Herbert & Sartorius, uma terceira via parece ter emergido. Sem qualquer conotação “blairiana”, de triste memória, o encontro entre os dois baseia-se numa troca enérgica, bastante entretida até, de micro-sonoridades. Uma leitura pessoal de tese – antítese – síntese. Marxistas e a crença no colectivo. O trabalho é união, nunca simples somatório. É realidade nova. À semelhança do concerto no Rewire, uma hora de construção e desconstrução rítmica. Dançável — que o digam os pés bailantes de Herbert — contemplativa e ambiental e de forte carga experimental. O segmento sonoro torna-se tão curto e assume direcções tão incomuns que o campo é próximo no tempo, distante na configuração. Um diálogo permanente que reforça a vertente sonora de cada um. Acresce uma iluminação cuidada e minimal, de subtis trocas de tonalidade que indiciam atmosfera. Mínimo movimento, como Herbert a mexer botões e a recordar a máxima: desconfiar sempre de quem é muito enérgico no botão. Experimentalismo sonoro como berlinde em caixa de ressonância. Estrutura amarrada como cana de bambu que sustenta arranha céus. E! Frouxo final. Ninguém acaba assim.


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