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Publicado a: 20/04/2018

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massive attack review

[TEXTO] Manuel Rodrigues

Encontramo-nos em plena Times Square, Nova Iorque. Henry Letham, um jovem estudante com graves problemas de depressão e paranóia, aproxima-se do do Peep-O-Rama, um conhecido espaço de entretenimento para adultos, localizado na 42nd Street, uma rua que, desde os tempos pré-segunda guerra mundial, tem em si enraizada uma cultura de bordéis, prostituição e casas de strip. No preciso momento em que a câmara inicia o movimento de fade out, que acompanha Henry até à porta do peep show, começa uma conhecida linha de baixo e bateria.

Já no interior do Peep-O-Rama, a nossa personagem dirige-se ao balcão e acende um cigarro, ignorando por completo tudo o que o rodeia, nomeadamente o espectáculo em si, recheado de voluptuosas mulheres a dançar em trajes menores, e, claro, os restantes homens que coabitam o mesmo espaço. À linha de baixo e bateria junta-se uma voz e um apontamento de sintetizador. Os quatro elementos entram em ebulição quando se cruzam com as notas da guitarra e explodem no preciso instante em que Henry é assombrado pelos seus próprios demónios.

 



A cena anteriormente descrita faz parte do filme Stay, lançado em 2005, no qual Ryan Gosling desempenha o papel de um jovem que vive perturbado com a culpa de ter puxado fogo ao seu próprio carro, na ponte de Brooklyn, logo nos primeiros segundos da película, como tentativa de suicídio. A canção em questão é “Angel”, a porta de entrada para Mezzanine, o terceiro álbum dos britânicos Massive Attack, que celebra no dia de hoje o seu vigésimo aniversário.

Inicialmente gravada por Horace Andy em 1973 e reimaginada por Robert Del Naja, Grant Marshall e Andrew Vowles no contexto do álbum onde é possível encontrar ainda uma abordagem a “Quiet Place”, rebaptizada como “Man Next Door”, do artista jamaicano John Holt, “Angel” foi também utilizada em filmes como Best Laid Plans (1999), Snatch (2000) e Firewall (2005), o que não só comprova o seu carácter clássico como a facilidade de sincronismo com a sétima arte.

Mezzanine é tido em conta como um dos álbuns mais emblemáticos dos Massive Attack, uma verdadeira obra de arte que, em 1998, ajudou a definir a textura daquilo que hoje em dia identificamos como sendo trip hop. Em 1991, Blue Lines lançou importantes sementes para o género, alicerçando as sonoridades desenvolvidas pelos The Wild Bunch, colectivo que, para além de Naja, Marshall e Vowles, incluía ainda Tricky, Nelle Hooper, Claude Williams e Milo Johnson. Todavia, e ainda que o disco de estreia explore com primazia os universos do reggae e do r&b, é em Mezzanine que acontece o refinar da receita musical dos Massive Attack.

Foquemo-nos ainda em Blue Lines, principalmente em “Safe From Harm”, canção que dá o tiro de partida para uma história de nove capítulos. A energia gasta na zona grave do espectro de audição em muito se pode equiparar à do tema que abre Mezzanine. As notas de baixo colam-se umas às outras, independentemente da melodia explorada em cada canção, e criam uma base consistente para as baterias e vozes assentarem. Do ponto de vista estético, a grande diferença reside na dinâmica, na forma como os sintetizadores são utilizados e, claro, nos ambientes criados, ou seja, ainda que assentem nos mesmos alicerces, os edifícios diferem na construção.

O mesmo acontece em “One Love” e “Man Next Door” (Blue Lines e Mezzanine, respectivamente). A primeira, que pede a voz emprestada ao jamaicano Horace Andy, presença assídua na discografia do colectivo de Bristol, goza de uma estrutura mais simples, enquanto a segunda, ligada ao reggae pelas razões já anteriormente referidas, explora um esqueleto ligeiramente mais complexo, principalmente a nível das melodias e efeitos utilizados, num universo próximo do dub.

No segundo álbum dos Massive Attack, Protection, a história repete-se. Desta feita, opondo a textura mais crua de “Karmacoma”, “Weather Storm” e “Euro Child” à edificação elaborada de “Inertia Creeps”, “Black Milk” e “Risingson”, citando apenas alguns exemplos.

 



Mezzanine reduziu o pulsar dos Massive Attack, que, já não sendo à partida muito elevado (salvo excepções como “Unfinished Sympathy” e, provavelmente, “Hymn of the Big Wheel”), encontrou neste álbum motivo suficiente para se manter ainda mais calmo e compassado. As canções soam mais arrastadas, o que leva a que a própria batida seja também ela mais recortada, sem recorrer tanto a apontamentos de percussão. “Teardrop”, um dos singles do álbum, que conta com a apaixonante voz de Elizabeth Fraser, dos Cocteau Twins, é basicamente só bombo e tarola, libertando espaço para as notas de guitarra e os acordes de piano, que contracenam num processo quase simbiótico.

Outra das particularidades de Mezzanine, quando comparado com os episódios anteriores, é a homogeneidade na mistura de géneros musicais. Neste disco, todas as componentes surgem evocadas numa linguagem muito própria. Há hip hop nas palavras de “Risingson”, dub nos efeitos utilizados em “Man Next Door”, rock nas guitarras de “Angel” e r&b nas melodias de “Dissolved Girl”, mas, mais do que isso, existe uma preocupação em embeber tudo numa matriz electrónica única e transversal aos onze temas.

 



Mezzanine é um álbum bastante sombrio na sua génese. Por mais que as vozes utilizadas deixem escapar timidamente um raio de luz ou outro (“Teardrop” e “Inertia Creeps” podem ser exemplos disso), existe nos sintetizadores e nas guitarras utilizadas uma vontade de mergulhar tudo num mar escuro e envolvente, quase cinematográfico, onde as variações dinâmicas nada mais fazem do que navegar nessas profundezas que por diversas vezes se colocam no limiar da melancolia (“Angel” e “Dissolved Girl” comprovam-no).

Talvez seja esta uma das razões que levou a que as músicas de Mezzanine tivessem sido, ao longo dos anos, tão utilizadas no contexto do cinema, principalmente por filmes como Stay, que exploram a mente humana e as suas fragilidades de forma tão peculiar. “Dissolved Girl” (Matrix), “Inertia Creeps” (Stigmata, Taking Lives), Risingson (Abre Los Ojos), “Teardrop” (House M.D., Prison Break, Charmed) são os casos que se juntam a “Angel” nesta ideia.

De todos os álbuns dos Massive Attack, Mezzanine é o com mais personalidade e o que melhor se aplica ao contexto cinematográfico.

Vinte anos depois, continua tudo igual.

 


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