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Publicado a: 02/04/2016

MashUp: The Birth Of Modern Culture: um retrato da nossa modernidade

Publicado a: 02/04/2016

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTOS] Direitos Reservados

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No hip hop, por exemplo, é um gesto perfeitamente comum: um produtor percorre as caixas de discos usados de uma qualquer loja de velharias, apaixona-se por uma capa com um grafismo sugestivo ou um título prometedor, dá os 2 ou 3 euros pedidos, leva o disco para casa, passa-o pelo sampler e sai-se, com talento e imaginação, com algo como isto… O gesto de apropriação, embora comum e eternamente repetido na música electrónica desde pelo menos que Pierre Schaeffer aprendeu a manipular a fita magnética (não se pense que é exclusivo da era do sampling), está longe de estar circunscrito à música e até, sequer, à arte em geral. E essa é a principal ideia que atravessa MashUp: The Birth Of Modern Culture, um novo livro acabado de lançar pela Black Dog Publishing em conjugação com a Vancouver Artgallery, já que funciona igualmente como catálogo de um ambiciosa exposição inaugurada em Fevereiro último e que estará patente até Junho próximo.


 


 

Uma palavra sobre a Black Dog Publishing: esta casa livreira londrina possui um muito interessante catálogo de títulos dedicados ao universo da arte com vários deles a focarem-se em aspectos muito específicos da música, casos dos tomos celebratórios da Ninja Tune, Warp ou do Krautrock (infelizmente já descatalogado, mas ainda disponível na Amazon embora não a preços muito simpáticos), adições fundamentais a qualquer biblioteca mais orientada para os meandros da música electrónica.

O primeiro artigo que assinei num jornal, publicado a 16 de fevereiro de 1989 n’A Capital e dedicado à então  recente explosão acid house em Inglaterra, abria com uma citação dos Art of Noise em epígrafe:

“O processo criativo em todas as formas de arte tem tido sempre uma relação directa com a pilhagem. Sem aquilo que foi, nada poderá vir a ser”.

A frase poderia igualmente abrir MashUp: The Birth of Modern Culture, livro de cerca de 350 páginas profusamente ilustradas que se divide em quatro grandes partes:

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“Early 20th Century: Collage, Montage and readymade at the Birth of Modern Culture”,

“The Post-War: Cut, Copy and Quotation in the Age of Mass Media”,

“Late 20th Century: Splicing, Sampling and the Street in the Age of Appopriation”

e, finalmente, “The Digital Age: Hacking, Remix and the Archive in the Age of Post-Production”.


 


 

Em cada uma destas secções organizativas do livro há textos que apontam ao universo da música: Rob Stone escreve sobre o futurista Luigi Russolo e os Intonarumori que inspiraram os Art Of Noise na parte focada no arranque do século XX; David Katz debruça-se sobre Lee “Scratch” Perry e o dub na segunda secção do livro; Tim Lawrence aborda a cultura Queer, o disco e o Vogueing, Paul D. Miller, também conhecido como DJ Spooky, aborda o hip hop, Christopher Scoates assina um texto sobre My Life in The Bush of Ghosts de Brian Eno e David Byrne e Stephanie Rebick escreve sobre Christian Marclay na terceira parte do livro, dedicada ao final do século XX; finalmente, na última secção, apontada à Idade Digital, encontram-se textos de Paul D. Miller, uma vez mais, sobre o sampling e a memória ou de Stephanie Rebick sobre sampling na idade digital dos arquivos infinitos.


 


 

Estes são os exemplos mais claros de textos focados em questões específicas do universo da música, mas a verdade é que ao longo do livro, nos múltiplos textos que abordam o cubismo e o futurismo, a fotomontagem, os “readymades” de Marcel Duchamp, Andy Warhol e a arte pop, Guy Debord e a sociedade do espectáculo, o cinema de Jean-Luc Godard, Frank Gehry, o graffiti, a pintura experimental chinesa, as esculturas de Liz Magor ou Doris Salcedo, os “readymades” de Cory Arcangel ou as oposições entre arte e design na era digital, a música acaba sempre por ser tocada, senão directamente, pelo menos nas entrelinhas, já que aí reflecte tanto do que se experimenta noutras linguagens artísticas.

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Escreve-se na apresentação da exposição patente na canadiana Vancouver Art Gallery:

“No momento em que Pablo Picasso e Georges Braque assumniram o revolucionário gesto de acrescentar um rectângulo de papel de parede florido, um título de jornal ou um pedaço de papel de música às suas composições, eles deram início a uma imediata e fundamental viragem na arte europeia”.

O mesmo aconteceu com a música, campo em que sucessivos gestos revolucionários expandiram e alteraram para sempre a natureza e até o próprio entendimento da música: o abraçar do ruído e da velocidade das modernas sociedades industriais pelos futuristas, a integração da ideia de apropriação directa na arte concreta de Pierre Schaeffer, a procura de novos sons e práticas pelos pioneiros da música electrónica, a concepção do estúdio como um novo instrumento pelos pioneiros jamaicanos do dub, o erguer de novas ferramentas como o gira-discos pelo hip hop, que entendeu uma das maiores invenções da era moderna como um “interface” para recuperar pedaços significantes do passado, a pilhagem da memória musical na era do sampling digital, a construção de arquivos infinitos na internet – estes foram os degraus com que se construiu a escadaria que nos trouxe até ao futuro presente. O gesto que começámos por descrever – do produtor que entra na loja de velharias em busca de um pedaço significante de vinil que é o primeiro impulso transformativo para uma nova realidade – não seria possível sem todos os outros que o precederam. Este livro é, por isso mesmo, um documento importante para se entender o lugar da música no mais vasto devir da arte que transformou a história, que moldou o presente em que todos vivemos imersos.

E se passarem por Vancouver, não deixem de visitar a exposição que se espalha ao longo dos quatro pisos da Vancouver Art Gallery:


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February 20–May 15, 2016

The Digital Age: Hacking, Remix and the Archive
in the Age of Post-Production

DJ SPOOKY TO HITO STEYERL

February 20–May 15, 2016

Late 20th Century: Splicing, Sampling and the Street
in the Age of Appropriation

KEITH HARING TO BARBARA KRUGER

February 20–June 12, 2016

The Post-War: Cut, Copy and Quotation in the Age of Mass Media
ANDY WARHOL TO DARA BIRNBAUM

February 20–June 12, 2016

Early 20th Century: Collage, Montage and Readymade
at the Birth of Modern Culture

PABLO PICASSO TO HANNAH HÖCH


 

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