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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/05/2022

De volta a Portugal.

Mary Lattimore: “A minha música é muito mais emo do que minimalista”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/05/2022

A música encantatória (e que parece suspender o tempo) de Mary Lattimore vai soar ao vivo no nosso país em dois concertos (um deles no Theatro Circo, em Braga, outro na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa) que estão a gerar grandes expectativas em quem ouviu os seus Silver Ladders e Collected Pieces II, ambos saídos em 2020. Não é todos os dias que podemos ouvir uma harpa sem ser em contexto sinfónico, e o que esta harpista de Los Angeles faz com ela também não é muito comum, combinando os mundos da pop, da música experimental e da improvisação de modos muito pessoais. É como ela diz, já aqui de seguida.



Costuma ser apresentada como uma artista “experimental”. O que significa essa categorização para si, pessoalmente, considerando que vem de uma formação clássica e que é, de alguma forma, influenciada pela música pop?

Para mim, a experimentação sonora decorre de haver elementos de surpresa e de improvisação combinados com acordes a que podemos chamar de pop. A beleza e a liberdade vêm desta base de acordes simples e depois acrescento movimento e camadas e sabores, moldando e dobrando os acordes até obter algo que já não é assim tão simples. Utilizo algumas melodias dentro de uma armação solta, em cima de loops e, se não me impressionam, coloco uma camada e outra até o emaranhado inicial ficar obscurecido. É como se fosse uma florescência viva e não uma canção polida. O meu passado clássico ajudou-me a tocar depressa e forte, mas tive de desaprender o perfeccionismo rígido que resulta daí, pelo que agora deleito-me com o não saber como as coisas se vão resolver.

Quando a oiço fico a cismar sobre se terá influências de compositores minimalistas como Steve Reich e Terry Riley. Usa uma loop station para repetir motivos, e essas repetições estruturam as suas improvisações de algum modo. É realmente o que se passa? Há um legado do minimalismo na sua música?

Gosto muito de ouvir Steve Reich e Terry Riley e provavelmente absorvi grandes lições dessas escutas, mas para ser honesta devo dizer que apenas tento fazer o que quero e não pensar em como vai ser rotulado ou como vai ser comparado ou se a minha música transporta em si alguma herança. Não sei se estou a ser vaga, espero que não. Quando toco é como se estivesse num transe, sem nenhumas regras, e não penso em referências, apenas em acordes e pedaços de melodias, tentando contar uma, por vezes secreta e pessoal, história sem palavras. Se me torno demasiado conscienciosa ou cerebral a música perde alguma da sua faísca inocente. Esta música é muito mais emo do que minimalista.

Em linha com o que me diz, parece-me que o lado improvisacional do seu processo criativo não tem quaisquer influências directas do jazz ou da música livremente improvisada. É, então, apenas um método e não uma opção estética?

Acho que é somente um método, sim. Apenas me deixo conduzir pelo que pretendo tocar. Mas presumo que os músicos de jazz e de improvisação livre fazem também isso. Ouvir e responder com todos os sentidos num hiper estado de criação, tentando traduzir as emoções em sons. Na minha opinião, são parentes todas as músicas que não estão estritamente escritas ou que não são criadas de modo científico.

A harpa é um instrumento raro nos circuitos da música criativa, e já disse em entrevistas várias que a deseja tirar do museu e tratá-la como se não fosse um móvel dispendioso. A sua abordagem à harpa está ciente do que outros harpistas criativos, ou “experimentais”, fazem com ela? E se sim, que harpistas são esses que ouve e com quem não quer ser comparada?

Sim, estou decididamente consciente do que tocam outros harpistas e celebro-os. Somos uma família muito ligada e é sempre cool ouvir o que fazem. Os seus estilos são diferentes e é fantástico verificar como este velho instrumento é amado em 2022. As coisas estão a abrir e há cada vez menos opções caras para adquirir uma harpa, para obter lições, para explorar os seus sons, para assistir a concertos com harpa e para encontrar diversos tipos de harpistas a utilizar as suas próprias linguagens musicais. Recomendo que se oiçam Rhodri Davies, Brandee Younger, Zeena Parkins, Dolphin Midwives, PG Six, Nailah Hunter, LEYA e Marilu Donovan, Ahya Simone, Shelley Burgon, Kety Fusco, Jeff Majors, entre outros, para além, claro, das grandes Alice Coltrane e Dorothy Ashby.



A sua música é descrita pela imprensa musical como sendo de “soundscaping”, mas tem uma qualidade imersiva que contradiz qualquer rótulo de “música ambiente”. Sendo a música a arte do tempo, foca-se em estratégias que parecem suspender o tempo. É algo de conceptual para si?

Adoro essa ideia de “suspender o tempo”. Que bonito. Seja o que for o que faço, não estou conscientemente a colocar em prática um conceito definido. É, basicamente, como se um extraterrestre estivesse a tentar comunicar com outros extraterrestres numa linguagem colada e amalgamada, com a intenção de que resulte alguma coisa de funcional.

A sua música é muito melódica, evitando abstracções e materiais ruidosos, ou seja, aquelas abordagens que geralmente se identificam como experimentais. Surge-lhe naturalmente assim ou é premeditada e, assim, sendo, um statement?

Sou menos noisy, sim, mas por vezes acrescento uns bocadinhos de ruído. Depende de qual é o meu estado de espírito. Quando estou em Nova Iorque e os espaços em que actuo me fornecem uma má harpa de aluguer, sempre a mesma, que eu chamo de Dogbite (Mordidela de Cão), os meus sets vão ser mesmo ruidosos, porque a Dogbite desafina horrivelmente a meio. Os concertos transformam-se numa cavalgada selvagem. Não deve haver muitas harpas na cidade para alugar, pelo que esta harpa está sempre a aparecer na minha vida e é sempre um motivo para as coisas ficarem mesmo bizarras. Seja como for, nada do que toco é um statement intencional. Apenas gosto de melodias e estas tentam sempre brilhar.

Se a música que lança em seu próprio nome é geralmente a solo, é também conhecida pelo seu trabalho colaborativo, por exemplo com artistas como Meg Baird, Jeff Zeigler, Steve Gunn e Thurston Moore. Como relaciona os seus projectos pessoais com aqueles que partilha com outros músicos? São diferentes aspectos da sua carreira ou estão ligados e são complementares?

Colaboração para mim é conversação, é social. São todos bons amigos meus e conversar com eles através de música é lindo. Está tudo entrelaçado.

Esta é a sua terceira vinda a Portugal, depois de um concerto com Meg Baird há quatro anos. Tem algum conhecimento da cena criativa portuguesa? Conhece, por exemplo, o trabalho da harpista Angelica V. Salvi?

Adorei tocar na ZDB com a Meg e antes disso toquei nos Jardins Efémeros, em Viseu. É um festival bem fixe. Não ouvi a Angelica Salvi, mas vou já fazê-lo. Obrigada pela recomendação. Estou ansiosa por voltar ao vosso país. 


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