Marlena Shaw, celebrada voz da soul e do jazz, conhecida sobretudo pelo clássico “California Soul” editado em 1969, faleceu aos 81 anos. A notícia foi confirmada pela sua filha, Marla Bradshaw, num vídeo partilhado no Facebook na última sexta-feira, 19 de janeiro.
“É com pesar que anuncio o falecimento de nossa querida mãe, ícone e artista, Marlena Shaw, hoje às 12:03”, declarou Marla Bradshaw no vídeo. “Ela estava em paz. Nós estávamos em paz. Sei que viram posts de [uma] celebração de aniversário ontem, e a minha irmã gémea e eu ficámos muito gratos — e a nossa família — por ela ter estado aqui a celebrar isso.”
Shaw começou a carreira a cantar em clubes de jazz. Há registos que indicam que em 1963 trabalhou com o trompetista de jazz Howard McGhee, um dos primeiros passos firmes no estabelecimento da sua carreira. Indicada para se apresentar juntamente com o colectivo de McGhee no famoso Festival de Jazz de Newport, Marlena Shaw acabou por não usufruir dessa oportunidade de exposição por ter abandonado o grupo após desentendimento com um dos membros da banda.
Mais tarde nesse ano, conseguiu uma audição com o caçador de talentos da editora Columbia, John Hammond, homem que, por exemplo, descobriu Aretha Franklin ou Bob Dylan. Tal como revelou anos mais tarde em algumas entrevistas, esse primeiro encontro com a indústria discográfica não correu bem e Marlena manteve-se no mais invisível circuito de pequenos clubes de jazz até 1966, ano em que pela primeira vez se apresentou no Playboy Club, em Chicago, palco com uma reputação mais firmada e a que as editoras locais costumavam recorrer para auscultarem novos talentos.
Foi através deste espetáculo no Playboy Club que Marlena conheceu representantes da editora Chess Records, com a qual assinou contrato. Selo de Etta James ou Muddy Waters, a Chess era uma marca respeitada no universo da música. Foi através da Cadet Records, subsidiária da Chess, que Marlena lançou os seus dois primeiros registos, Out of Different Bags e The Spice of Life, em 1967 e 1969, respectivamente. Neste último álbum, além de versões de standards como “Call it Stormy Monday” ou “I Wish I Knew (How It Would Feel to be Free”, Marlena deu voz a dois dos temas com que a sua carreira mais ficaria associada: “Woman of the Ghetto” e “California Soul”, criação da dupla Ashford & Simpson originalmente editada como single pelo quinteto pop americano The 5th Dimension. Na voz de Marlena Shaw ganhou a sua versão definitiva.
O catálogo de Marlena Shaw foi fonte onde muitos produtores, sobretudo de hip hop, beberam abundantemente. “California Soul”, para citar apenas um dos mais notórios casos do cancioneiro de Shaw, serviu de base para temas dos Gang Starr (“Check the Technique”), Quasimoto (“The Unseen”) ou, por exemplo, Jay Electronica (“The Curse of Mayweather)”.
Em 1972, catapultada pelo sucesso de “California Soul”, Marlena Shaw assinou contrato com a prestigiada Blue Note, tendo lançado então o primeiro de seis registos para a editora, Marlena. Mas foi o álbum que documentou a sua passagem pelo mais famoso dos festivais de jazz europeus da época, Cookin’ With Blue Note at Montreux, de 1973, que se incluiu a mais conhecida versão de “Woman of the Ghetto”, aí alvo de uma memorável interpretação que conheceu uma segunda vida quando serviu de base para o clássico das pistas de dança “Remember Me”, tema assinado por BlueBoy em 1997, que se tornou num enorme sucesso de vendas. Três anos mais tarde, foi à mesma canção que St. Germain foi beber para criar o tema que é um dos seus maiores clássicos, “Rose Rouge”.
Em 1977, Shaw lançou Sweet Beginnings na Columbia, álbum que continha: “Yu Ma / Go Away Little Boy”, um medley contendo o velho standard de Goffin e Carole King, originalmente gravado por Nancy Wilson. O álbum também continha a faixa “Look at Me, Look at You”, peça que se tornou bastante popular na cena rare groove do Reino Unido. Deu ainda voz a “Don’t Ask to Stay Until Tomorrow”, do filme de 1977 Looking for Mr. Goodbar, e gravou também um dos maiores êxitos da era disco, um remake de “Touch Me in the Morning”, também editado na Columbia Records.
Compreensivelmente, a comunidade musical reagiu ao desaparecimento de Marlena Shaw, facto que mereceu obituários em publicações de referência, da Variety à Billboard, passando pelo Hollywood Reporter.