LP / Digital

Mark William Lewis

Mark William Lewis

A24 Music / 2025

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 21/10/2025

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De quem é esta voz firme e ponderada que nos canta num registo quase falado? Barítono solitário que assombra, mas também consola? Esta voz que parece mover-se entre o desencontro e a resistência íntima, a alienação urbana e a sensação de deslocamento, cravando-se nos recessos mais profundos da nossa mente. As guitarras que a envolvem evocam as linhas serpenteantes de Vini Reilly nos seus Durutti Column; a harmónica, igualmente ubíqua, podia ser retirada de um bootleg de Dylan ou de Neil Young nos seus períodos mais isolacionistas. Mas a inquietação que nelas se escuta só poderia existir neste conturbado presente. Mark William Lewis, assim se chama o trovador destas solitárias canções, não possui o antídoto para a paz nem a fórmula para a transcendência, mas guarda consigo o condão de escrever grandes canções com muito pouco. E isso, reconheça-se, é cada vez mais raro nos dias de hoje.

Natural de Londres, onde habita nas margens a sul do Tamisa, Lewis é uma espécie de segredo mal guardado. Em julho, a A24, célebre produtora de filmes norte-americana, decidiu alargar o catálogo da sua editora — até então dedicada a bandas-sonoras — à publicação de obras de autor. O primeiro nome a integrar esta nova etapa discográfica? Mark William Lewis. O álbum homónimo que agora assina é um documento transparente de um vulto a caminhar por linhas turvas. Lewis nunca chega a sair totalmente das brumas para se revelar por inteiro, e o mesmo se pode dizer das 12 canções que compõem o seu novo trabalho. Mais do que extensões da sua alma, são fissuras abertas no íntimo de um crooner fora do seu tempo, mas em sintonia com as convulsões do mundo exterior. 

Ao contrário do que o título sugere, Mark William Lewis não abre qualquer tipo de panorâmica sobre o interior do cantor-compositor, revelando, antes, um notável pintor de imagens em movimento, capaz de fixar o instante antes do crepúsculo em telas feitas de luz e sombra. Ainda assim, há algo na reserva do compositor que resiste a ser inteiramente decifrado. A sua voz, grave e arrastada, conduz-nos por ruas desertas, becos sem saída, lugares onde o tempo parece não passar. É o veículo certo para os temas que aqui se adensam — o desassossego, a sensação de alheamento, o gesto de quem observa o mundo à distância.

A harmónica que flutua desgovernada ao longo das suas canções não perpetua o legado de Nick Cave, Leonard Cohen ou Tom Waits, entre outros bardos que fizeram bom uso desse instrumento durante o século XX. Em vez disso, Lewis reivindica para si um lugar na longa linhagem de compatriotas desalinhados a operar nas margens, entre o silêncio ascético de Mark Hollis e a postura iconoclasta de Dean Blunt. Tal como o último, o músico rumina sobre um imaginário urbano e profundamente londrino, discorrendo com simplicidade devastadora sobre o mundano, o banal e o absurdo do quotidiano, sem artifícios nem pretensões. Mark William Lewis é, por isso, um tratado de melancolia suburbana. É poesia beat despojada de fervor, verdade desarmante e sem vaidades, tão livre quanto confessional. Um assombro.


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