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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/05/2023

Ensinamentos de um fenómeno cada vez mais incontornável.

Marina Sena no Capitólio: a chegada de uma Primavera eterna

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 27/05/2023

Que se lance o alerta: a nova pop brasileira foi tomada de assalto por um fenómeno em ascensão que veio para ficar. Em quanto tempo se faz uma estrela? Marina Sena ensina. Um conjunto de antíteses: da cena musical independente com A Outra Banda da Lua e Rosa Neon à carreira a solo; do norte mineiro para o sudeste de São Paulo.

No percurso da sua tour europeia, parou em Lisboa para nos dar a possibilidade de sermos testemunhas do seu merecido sucesso. Mas escrever reportagens de concertos sabe sempre a pouco. Fica sempre a sensação de que o que se viveu em certos lugares não se condensa em caracteres. Não lhe fazem jus. Assim sendo e para que não vos falte nada, o que partilharei convosco são aprendizagens retiradas do universo Sena.



[Brasilidade é sinónimo de essência e a essência move-se]

A identidade visual dos álbuns possui uma linguagem que lhe é própria, que dialoga com o meio no qual surge e lhe concede pistas para desvendar o interior do artista. Em Vício Inerente — também o título de um filme de Paul Thomas Anderson, um dos favoritos da cantora — a capa em tons azulados, ambientes urbanos, relembram o cair da noite em São Paulo, cidade para a qual Marina Sena se mudou. É a nota de rodapé que demonstra que Marina teve acesso a sonoridades que outrora não tinha.

Dino D’Santiago afirmou que os nossos corpos também são pátria. Com Marina Sena esta afirmação não é exceção, mas sim a regra. Num momento de diálogo com o público, constata que o que diz pode não ser percetível para quem não fosse de Minas Gerais. Numa tentativa de compreender qual a percentagem de sensação de casa tinha fora do Brasil, pede que os mineiros – habitantes de Minas – ergam as suas mãos, num claro reconhecimento dos vínculos que a sustentam.

[O pódio faz-se de reconhecimento]

Alcançar o pódio é um caminho complicado e, para alguns, também solitário. No caso de Marina Sena, a tendência inverte-se. O caminho faz-se em conjunto e quem lá chegar primeiro carrega consigo uma carta de recomendação, tal como fez com o rapper Fleezus, única colaboração que aparece no álbum da mineira e a quem teceu elogios ao interpretar o seu tema conjunto Que Tal, seguindo-se a apreciação pública do trabalho dos “meninos do BRIME!”, projeto encabeçado por Fleezus, Cesrv e Febem, que mistura o ritmo londrino do grime com a cultura brasileira. Contraria-se a tendência que por vezes existe, de se pensar que o panorama internacional musical é somente moldado por influências norte-americanas e europeias, retirando o reconhecimento da importância do sul global para a diversificação da música como hoje a conhecemos. Não faltou também a confissão de que a sua aproximação com o rap advém da sua ligação com a palavra, com o ritmo.

[Quem não arrisca, não petisca]

Numa altura que sucede ao lançamento de um álbum onde transita entre géneros musicais, desde o funk ao trap, cria novas formas de composição e de olhar para a música, demonstrando que impossível é só o que ainda não foi feito — e até mesmo isso pode já ter sido pensado por Marina.

A passagem do violão para a domesticação de ferramentas como o auto-tune, debruçado sobre uma explosão de emoções, evidenciam um claro crescimento, por um lado; por outro, uma vontade de fazer mais, melhor e diferente para não se cair numa estagnação, sem que isso dite que se esqueça o passado. O que veio antes não foi esquecido e a prova disso foi a presença no alinhamento de músicas como “Ombrim”, juntamente com “Pelejei” e “Partiu Capoeira”. O que existe é uma quase que necessidade fisiológica associada ao ter de se expressar.

[A sensualidade é uma ferramenta]

Quem se deparou com a figura de Marina Sena e das suas bailarinas em palco decerto se sentiu hipnotizado pelos movimentos corporais. A prova disso é que os telemóveis se levantaram em menos ocasiões que as esperadas, nomeadamente em músicas como “Por Supuesto”. Era como se estes corpos-falantes conduzissem a aura do espaço. O profano da paixão vai criando uma química com músicas como “Me Toca”, “Olho no Gato” ou “Dano Sarrada”. A acrescentar a isto, prontificou-se a encurtar distâncias através do diálogos com os fãs, sempre de sorriso na cara, como se de uma velha amiga se tratasse, consequência direta de se falar uma língua em comum com um público jovem que não só consome música, mas é influenciado por ela e produz conteúdo através dela, como se pode verificar pelo sucesso que muitos dos seus temas fizeram no TikTok.

“Meu lugar de poder, mesmo. A primeira vez que me senti gostosa foi em cima do palco” – partilhava a artista connosco após a euforia do público ao exclamar “Marina, gostosa”, aproveitando para comprovar que a autoconfiança nem sempre foi uma constante na sua vida e aliviar-se de tempos menos bons no que diz respeito ao modo como se via. Confessa-nos: “é, depois dos 18 anos realmente eu fiquei gata”.
A adolescência e os espelhos foram um bicho de sete cabeças para muitos de nós, e ver um “inimigo” no nosso reflexo dita-nos regras de sobrevivência que ali foram excomungadas.

[Um coração partido nem sempre é triste]

Recomenda-se Marina Sena para três tipos de pessoa: a) as que padecem de males amorosos, que claramente fizeram das tripas-coração para cantar “Mande um Sinal” ou “Temporal” ; b) as que rebolam ao som de “Mais de Mil” ou “Me Ganhar”; c) a quem faz ambos. Os males do coração ali dançaram-se.
Houve um choque de amor próprio que nem nos deu tempo de contestar quando nos deu uma chapada de luva branca logo com “Tudo Para Amar Você”, em que Marina repetiu “amor, eu te deixei” e fez com que o público o repetisse com ela, alto e em bom som, como se quisesse que a mensagem ficasse entranhada nas nossas cabeças.

As lições foram ensinadas e é seguro dizer que embora tenha existido uma prevalência para a comparação entre as duas, Marina Sena não é a nova Gal Costa, ela é a primeira Marina Sena!


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