LP / Digital

Marika Hackman

Covers

Sub Pop Records / 2020

Texto de Gonçalo Tavares

Publicado a: 04/12/2020

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A cada álbum que lança, a voz meiga de Marika Hackman canta-nos assuntos bastante distintos. É dona de uma melancolia igualmente meiga, entusiasta do synth rock e envolve-se na lírica com fantasias obscuras, episódios da sua vida romântica ou apetites lascivos. Numa senda percorrida ao longo de mais de duas dezenas de lançamentos, a cantora de 28 anos partilhou connosco o que bem entendia. No novo LP, a sua criatividade descomprometida pousa sobre um ninho de canções alheias.

Covers, editado pela Sub Pop, foi um produto da quarentena. “Senti que fazer versões era uma maneira de me expressar sem a pressão das páginas em branco”, confessa. Contudo, ao fim dos primeiros acordes, apercebemo-nos que, mais do que qualquer preocupação com inovações de qualquer tipo, Covers combina os diferentes registos já explorados pela cantora, como se as sensibilidades que ouvimos em We Slept at Last e Any Human Friend se encontrassem para reinterpretar estes temas. Com “You Never Wash Up After Yourself”, a música perdida dos Radiohead que abre este registo, regressa o encantamento magoado que ouvimos em “Drown” ou “Ophelia”, mas por caminhos menos taciturnos. Esta mistura de impulsos criativos é especialmente evidente em “Playground Love”, que tanto aparenta ser despreocupada como sussurra uma saudade profunda. Em “Realiti”, a energia infantil de Grimes é desfeita pela melancolia. Por outro lado, a versão da belíssima “Between the Bars” de Elliot Smith não consegue acompanhar a melancolia original. Sem a sua escrita peculiar, a performance da cantora fica mais exposta. Para o bem e para o mal.



Um álbum não se faz destes elementos — uma voz doce, guitarras, arranjos minimalistas de sintetizadores e drum machines — sem uma intenção que ultrapasse os próprios sons. Marika sabe como impor as suas armas, e o resultado exprime-se em faixas bem conseguidas (destaque para a “All Night” da Beyoncé, o momento mais subversivo do registo). Mas se não há nenhum cover infeliz, também são poucos os que arriscam. A cantautora despe estas canções e aponta os holofotes para o essencial, as relações fracturadas que são cantadas. A sua voz consegue aplicar uma camada intensa de sinceridade, relacionando este material com vivências pessoais, mas não ultrapassa esta dimensão.

Covers sonorizam excelentes momentos de domingo, óptimos para serem degustados no conforto do lar. Já os covers em si são pouco independentes em relação aos originais e pouco memoráveis a longo prazo.


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