[ENTREVISTA] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados
O OFF September começa já no dia 2 de Setembro e terá lugar no Village Underground, em Lisboa. A programação tem uma particularidade que salta logo à vista: as mulheres tomam conta de tudo, desde a música à comida. O projecto nasceu da vontade conjunta de Sonja Câmara (curadora musical), Inês Coutinho (produtora e DJ que assina como Violet) e Mariana Duarte Silva, gestora do VU, em mobilizar um conjunto de talentos no feminino.
A programação musical está já fechada para o mês de Setembro: Mary B, Caroline Lethô e Emauz (na foto) actuam no dia 2; Chima Hiro, Sonja e Jackie actuam na sexta-feira seguinte, dia 9; A.M.O.R, EDND (live) e Violet são as responsáveis por tomar conta da noite do dia 16; na única alteração do dia de actuação – o evento decorre no dábado, dia 24-, Carie DJ, Sheri Vari, Heartbreakerz e Inês Duarte preenchem os quadros de actuações; a última sexta-feira de Setembro – dia 30 – terá Jejuno (live), Trigher (live) e MVRIA entre as artistas convidadas.
Eleanor Legge-Bourke (repórter freelancer para várias revistas internacionais), João Manuel Oliveira (investigador no ISCTE-IUL), Georgia Taglietti (directora de comunicação e estratégia digital do festival Sonar) e Eline Van Audenaerde (fundadora de The Unicorn Mothership e Chairwoman da shesaid.so na Bélgica) são os primeiros nomes confirmados para as conversas/apresentações com temáticas escolhidas pelas oradoras, que se irão sempre realizar-se à sexta-feira, pelas 19:00.
O Village Underground destaca-se como um espaço multi-cultural onde várias valências se unem para criar um projecto de força maior: existem estúdios de som – DJ Glue é um dos residentes -, espaço para eventos, projectos, workshops e exposições e cafetaria. A propósito de todas estas movimentações, o Rimas e Batidas esteve à conversa com a Mariana Duarte Silva sobre o OFF e o que podemos esperar da programação de Setembro no Village Underground:
Podes começar por explicar como nasceu o projecto OFF?
Fui manager de uma dupla de DJs mulheres durante 6 anos (Heartbreakerz) e enquanto fazia o meu trabalho, talvez cega por uma paixão arrebatadora pela sua atitude e originalidade, não me apercebi na altura que era efectivamente mais difícil promover um gig delas do que dos DJs homens que eu agenciava. Agora que finalmente se fala abertamente da falta de equilíbrio nas oportunidades para eles e elas, posso lutar à minha maneira, pela positiva, dando palco, a tantas e tantas mulheres com talento nesta e noutras áreas. Assim, centrei-me no melhor que posso fazer (ceder o espaço e promover) e pedi ajuda a uma curadora musical, a Sonja, que lida com artistas diariamente e está muito atenta (por ser ela própria DJ e dona de uma label) e a outra agitadora a Inês que através da sua Rádio Quântica e por estar em Londres tem também muito a contribuir para o tema. Respondendo directamente à pergunta, nasceu de uma vontade de fazer uma noite só com mulheres DJs e acabei a programar um mês inteiro e juntando conversa, gastronomia, vídeo e outras surpresas.
Uma possível tradução para a palavra OFF é “fora de”, como em Off Broadway, “fora da Broadway”. Acreditas que as mulheres ainda são colocadas de parte em muitas plataformas importantes, incluindo a música?
A escolha do nome não foi nada fácil. A minha preocupação e da Sonja foi sempre não tornar isto num “evento feminino de empowerment das mulheres e cor-de-rosa”. E isso tinha de reflectir-se, claro, no nome. O OFF chegou-me à cabeça exactamente porque muitas vezes o melhor, mais puro e original que acontece, é “à margem” de outros grandes eventos (Off Sonar, lembrei-me…) . Sim, as mulheres são colocadas de parte, falo da música, porque é o que tenho mais conhecimento, mas vemos que isso está a mudar e queremos contribuir para isso. O que sentia enquanto manager das Heartbreakerz é que a maior descriminação, infelizmente, vinha dos seus próprios “colegas de profissão”, os homens DJs. Eles viam nelas uma “concorrência desleal” pensando que eram contratadas por serem giras e nunca lhes dando o devido valor.
Como é que se chegou à programação que vão apresentar durante o mês de Setembro? As propostas musicais são muito variadas…
100% “culpa” da Sonja. Terás de perguntar a ela. A ideia era precisamente não focar apenas em música electrónica na vertente do house e techno mas sim mostrar também aqui a variedade do que se faz por cá.
Foi ainda recentemente publicada uma lista dos DJs mais bem pagos do mundo e não há mulheres no Top 10. O mesmo se passa com os actores mais bem pagos de Hollywood… Como é que se muda este estado de coisas?
Pela positiva. Fazendo, fazendo, fazendo, fazendo.
O Rimas e Batidas teve o cuidado no seu primeiro festival de programar uma noite só com mulheres e tem sido uma luta encontrar vozes femininas para a revista: tanto a Violet como a Sonja já deram o seu contributo, mas precisamos de mais vozes. Achas que as criadoras femininas nesta área específica, da electrónica, ainda temem fazer-se ouvir?
Penso que tem a ver com a personalidade de cada uma. Umas são, sem dúvida, mais faladoras e abertas do que outras. Mas sim no geral ainda têm medo de falar sobre coisas que pensam “não controlar” e que poderão ser criticadas por homens. Há um medo maior nas mulheres, de falhar. (vantagem dos homens neste campo, que arriscam mais).
Fala-nos do projecto shesaid.so: vai também começar a operar em Portugal, certo?
Sim. A Georgia (do festival Sonar) há tempos que me falava desta plataforma de que ela fazia parte e cuja fundadora Andreea queria expandir. Na altura em que me sugeriu para representar o projecto em Lisboa eu estava muito focada em lançar o Village e fazê-lo andar (mais os meus 3 filhos) e não tinha infelizmente tempo para dedicar-me como deve ser ao mesmo. Mas este ano ela voltou a falar sobre o assunto e começamos numa troca de emails e conversas skype muito intensas com a Andreea, entretanto enquanto criava o OFF, tudo fazia sentido. Convidar a Georgia para vir apresentar o projecto (a Andreea vive em LA por isso fica mais dificil) e outras oradoras como a Eline (fundadora do The Unicorn Mothership e representante shesaidso na Bélgica) e ainda outras duas convidadas que anunciaremos brevemente.
O Village Underground tem-se assumido como espaço laboratorial em que muitas ideias encontram ambiente fértil para se desenvolverem. Queres fazer o balanço desta tua aventura?
Não poderia definir o Village melhor do que isso . Esse principio, o de sermos laboratório, vem de Londres, da visão do meu sócio e da qual eu partilho 100%. Tem sido uma aventura, cheia de bons momentos, outros tantos, mais dificeis. Bons porque tenho a oportunidade de criar do início, de dar palco aquilo em que acredito e de trabalhar com pessoas da minha de outra gerações que sempre admirei. É o caso por exemplo da Good Mood (que lá tem escritório), da editora Enchufada (que lá fazem a global village), de artistas como o Akacorleone e a Kruella que constantemente pintam e usam os contentores ou do DJ Glue que agora lá tem o estúdio com o João Pedro Moreira. De fazer mostras de teatro breve onde novos encenadores e actores podem trabalhar, de ali ver nascer um programa de televisão, de poder trabalhar lado a lado com o meu marido que lá tem o seu estúdio de som (metalbox.pt) e por onde passam diariamente músicos. De poder conhecer pessoas novas , de poder gerir uma equipa da qual muito me orgulho e que luta comigo todos os dias. De poder organizar sessões de cinema ao ar livre ou dentro de autocarros com apoio do Rui Tendinha, de poder receber em “casa” os meus amigos, amigos dos amigos e tantas pessoas que por lá passam a querer saber “o que aquilo é”. De poder dizer sim a jovens, estudantes ou novos artistas que por lá passam a sugerir algo novo. E sempre, o melhor de tudo, o de ter como exemplo o Village em Londres, a sua qualidade e rigor na forma como encaram a multiculturalidade, a forma como trabalham e se divertem. Somos uma equipa e “pêras” (londres e lisboa) apoiamo-nos mutuamente. (e se calhar deixava para depois a parte dos “momentos difíceis”, agora já não interessa!).
Que podes, para já, desvendar em relação ao futuro do Village e desta ideia de programação OFF? Que outros eventos se perfilam no horizonte?
O futuro do Village passa por inaugurar uma sala de espectáculos este Inverno com capacidade para 300 pessoas e que será o palco onde podemos finalmente programar sem medo da chuva e trazer algumas das festas mais icónicas que acontecem no Village em Londres, como por exemplo a Superstition. Mas não esquecendo que somos também um espaço de trabalho, estamos a concorrer para tornar o Village como incubadora certificada para indústrias criativas e assim podermos ajudar mais negócios a desenvolverem-se. Para isso criámos um conselho consultivo que inclui nomes como Vhils, Branko, Pedro Pires, Felix Peterson ou a Presidente do ICA (cinema e audiovisual). O objectivo aqui é aumentar, desenvolver, acompanhar projectos criativos e contribuir para a expansão da comunidade criativa em Lisboa e Portugal.