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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/02/2020

A artista lisboeta mostrou ontem o seu novo projecto a solo em "casa".

Maria Reis na Culturgest: ao sabor das mudanças de humor… e de amor

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 13/02/2020

Sala cheia na Culturgest para a apresentação do mais recente disco de Maria Reis, Chove na Sala, Água nos Olhos, lançado pela Cafetra Records, editora que co-fundou com os seus amigos em 2011. Depois das suas aventuras na exploração do punk com a sua irmã nas Pega Monstro, e de um EP homónimo em 2017, Maria tornou as suas composições mais complexas, com arranjos mais variados e a explorar instrumentos diferentes, desde a flauta à drum machine, cantando, como de costume, sobre as suas fragilidades e inseguranças e amores que, outrora bonitos, hoje em dia não passam de estilhaços impossíveis de unir novamente.

Era difícil antever o que esperar deste concerto. Os mais curiosos, que foram explorar a composição da sua banda, mais confusos devem ter ficado quando se depararam com um quinteto de cordas, um baixo, uma bateria, uma flauta e um fliscorne. Iremos assistir a uma versão orquestrada de Maria Reis, sentados nas confortáveis cadeiras do auditório da Culturgest? A resposta foi sim…. e não.

O pano subiu e vemos os músicos em palco rodeados de uma cor azul forte. Do lado direito de Maria estavam Simão Simões no baixo, e João Portalegre na bateria; do lado esquerdo, a mini-orquestra composta por Ana Elisa Ramos e Gergana Ribeiro nos violinos, Sofia Gomes na viola de arco, Luís Azevedo no violoncelo e António Quintino no contrabaixo. O concerto iniciou-se com “Sensação”, do disco Casa de Cima das Pega Monstro, acompanhado pelas cordas e bateria, o que nos deixou logo com saudades dos concertos das irmãs Reis. Mas, ao contrário do que acontecia nesse formato, em que a voz de Maria estava coberta de efeitos, ontem a vocalista apresentou-se completamente crua e bem mais vulnerável. Essa vulnerabilidade sobressaiu quando a sua voz por vezes fraquejou ou saiu ligeiramente de tom; no entanto, isso aconteceu de forma tão doce e honesta que nos fez acreditar que não existiria outra forma possível de cantar catarticamente sobre a sua vida.

O concerto continuou no registo Pega Monstro orquestrado, desta vez com “Fado da Estrela do Ouro”, com arranjos clássicos do quinteto a criarem uma intro perfeita para a música. E foi com “Resquício”, faixa que abre o seu mais recente álbum, que vimos a direcção do concerto mudar para outro ambiente, com a bateria, o baixo e a guitarra a tomarem as rédeas e criarem uma atmosfera completamente diferente, pondo o lado contemplativo de lado para abrir as portas à energia que nos impelia a levantar das cadeiras. Por esta altura, o azul do palco já estava a desaparecer e a transformar-se em cores quentes à medida que entrava “Insensível”, que continha a mesma energia punk da faixa anterior.

O concerto voltou, no entanto, a dar uma volta de 180º com “Preguicite”, com a orquestra em foco, algo que continuou da mesma forma em “Automático”, desta feita com a presença de Diogo Duque no fliscorne, “Picada de Vespa” e “Soror Mariana”, duas das músicas mais melancólicas do seu reportório. “Um Ai” teve também direito a um arranjo completamente diferente do álbum, uma introdução meditativa apoiada no fliscorne. Após a apresentação da sua banda, “Lars Von Trier” voltou a dar lugar à bateria e baixo e, em jeito de finalização da noite, todos os músicos se juntaram finalmente para tocar “Odeio-te”, o single de Chove na Sala, Água nos Olhos.

Enquanto a banda se despediu e saiu do palco, Maria permaneceu no mesmo lugar e, após a efusiva standing ovation, dirigiu-se ao público no mesmo tom tranquilo com que nos abordou durante todo o concerto: “Ia sair para voltar”. Havia, portanto, um encore à nossa espera: “És Tudo O Que Eu Queria” logo seguido de “Fado D’Água Fria”, temas que nos fizeram voltar aos tempos do Alfarroba, quando as Pega Monstro ganharam uma nova dimensão no panorama nacional e exploraram esta estranha aura riot grrrl lo-fi que até à altura não existia no país.

A noite foi de festa, ternura e emoção. Maria Reis abriu-nos o seu coração, mostrou-nos o que a transtorna e a deixa mal e também como tentar lidar com essas situações de cabeça erguida. Tal como as duas facetas diferentes que definiram o concerto, também o amor tem lados opostos na mesma moeda e, se o que ouvimos são histórias de um coração partido, que nos arrepiam pela sua frontalidade e nos fazem agradecer por não sermos a pessoa sobre quem ela escreveu estas músicas, é porque este outrora fora bom e intenso ao ponto de ter deixado marcas. Por detrás de cada letra melancólica, veem-se nas entrelinhas sentimentos bons e recordações que vale a pena guardar.

A constante mudança de mood cortou alguma fluidez ao concerto: às vezes estávamos prestes a entrar num estado contemplativo, no meio de todos os arranjos detalhadamente orquestrados e etéreos, e acabávamos a levar uma chapada na cara com a entrada de uma guitarra agressiva e uma banda que a seguia fielmente. Mas tudo isto é um trabalho em processo. Tal como quando estamos a ultrapassar uma relação e a recuperar das nossas feridas: nessas fases, as nossas mudanças de humor são também imprevisíveis e, numa questão de minutos, podemos passar de nos sentirmos em paz para voltarmos ao caos, e vice-versa.

A história de Maria Reis foi recebida com um apoio entusiástico de quem lá estava: seria difícil não nos relacionarmos de todo com algumas coisas que estavam a ser transmitidas… Afinal de contas, todos já sofremos por amor, mas precisávamos de alguém como a Maria Reis, que o admitisse com tamanha transparência na sua arte, que não é mais que uma extensão de si mesma. Esta actuação acontecer uns dias antes da “grande” comemoração anual do amor pode ter sido o melhor remédio para aqueles que procuravam uma solução para os seus problemas. Ou não.


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