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Fotografia: Joana Andrade
Publicado a: 04/06/2020

União roxa para preencher o som do caminho até ao centro.

Maria & DarkSunn: “Nós somos os geeks do contexto”

Fotografia: Joana Andrade
Publicado a: 04/06/2020

Baseado no conceito das split tapes dos anos noventa e das bandas de garagem, Crooked N’ Grinded é o título do trabalho que une DarkSunn a Maria, dois beatmakers da editora, colectivo e agência Monster Jinx. A cassete, com lado A e B, repescando a ideia do velhinho Walkman, serve de banda sonora para viagens de autocarro, barco, comboio, metro ou carro — e também para quem anda a pé de auscultadores nos ouvidos.

Bruno Dias e David Almeida são oriundos dos subúrbios de Lisboa — Almada e Alverca, respectivamente — e essa particularidade transforma-os em verdadeiros especialistas nas deslocações entre a periferia e o centro da cidade, onde a distância e as longas filas de trânsito, bem como a experiência nos transportes públicos, se tornam uma constante no dia-a-dia da dinâmica casa-trabalho. Crooked N’ Grinded, que vai buscar o nome a uma nobre manobra de skate, é cru e sincero em toda a sua fundação e concepção, recorrendo a técnicas de field recording e a uma construção com uma abordagem humana, longe da perfeição maquinada e dos apertados processos de masterização que caracterizam muita da música feita nos dias que correm.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com os dois artistas no PARK, em Lisboa.



Antes de mais, queria dizer-vos que gostei bastante do que ouvi. Principalmente depois de ler o press, que me deu mais luzes sobre o conteúdo deste projecto conjunto. O que impulsionou esta parceria?

[DarkSunn] Eu estava a pensar nisso no meu caminho para cá e a verdade é que não me lembro de quando é que decidimos que isto seria uma split tape, em torno aquele conceito clássico dos anos 90. Talvez tenha começado com o Maria a desafiar-me, eu já não lançava nada há algum tempo.

[Maria] Começámos a falar nisso depois de uma experiência que tivemos com o J-K. Fomos os dois à Maratona de Leitura, um festival que existe na Sertã, são 24 horas de pessoas a lerem textos. O J-K escreve e está ligado ao ambiente cultural. Foi-lhe feito o convite e ele, por sua vez, convidou-nos para musicar o que ia ler. A nossa linguagem é distinta mas há ali certos momentos em que se encontra e nós percebemos que aquilo se podia encontrar mais vezes do que pensávamos, ou seja, a probabilidade de se aproximar era maior do que se afastar. Foi aí que falámos em fazer alguma coisa juntos, foi o indicador inicial. Não queríamos fazer mesmo um disco, porque eu tinha acabado de vir de um álbum há pouco tempo, e ele também não estava nessa onda. Tentámos encontrar algo que se assemelhasse à vontade dos dois e que representasse esse casamento, porque a nossa linguagem é próxima. Como produtores, influenciamo-nos um ao outro.

[DarkSunn] Estamos ligados mesmo a nível estético. Esta experiência da Maratona de Leitura foi mesmo engraçada. Tocámos às quatro da manhã. Aquilo soou muito bem. Gostámos da ideia. Decidimos fazer uma cena em conjunto mas sem produzir em conjunto, cada um tem o seu lado. Não tens faixas que sejam produzidas pelos dois, são mesmo todas singulares.

Por acaso pensei que tivesse havido alguma partilha de trabalho nos temas, ainda que assinados a nível individual…

[Maria] Houve um encontro de ideias apenas. Se ouvires pormenorizadamente vais encontrar coisas que se ligam entre si. Houve coisas pensadas em conjunto. Ou seja, não houve aquela participação de dividirmos tarefas numa faixa mas sim de pensar a estética entre músicas.

[DarkSunn] Foi mais de direcção artística, sim. O que acabou por ser interessante é que apesar de serem duas pessoas diferentes a produzir os dois lados, se ouvires tudo junto faz sentido. E saiu de forma natural.

Quanto tempo é que durou mesmo a concepção?

[DarkSunn] Nós começamos a fazer isto sem deadline. É uma das coisas importantes a ressalvar. Tem um pouco a ver com a estética de lançamentos da Jinx. Não tínhamos aquela pressão de ter que sair num dia específico. Fomos criando. Ainda foram uns meses valentes.

[Maria] No meu caso tenho lá coisas que fiz na altura do meu primeiro EP como Maria. Eu não gosto que a música seja representativa de uma única fase. Gosto que as coisas fiquem a amadurecer…

Neste caso pode-se dizer que ficam em banho-maria [risos]. 

[Maria] [Risos] Vou utilizar essa! Eu tenho ali músicas que foram feitas entre 2015 e 2016. Pelo menos a estrutura base, sendo agora revisitadas. Regravei alguma partes que não estavam resolvidas.

E como é que nasce este conceito das vossas deslocações entre a periferia e o centro?

[DarkSunn] O projecto passou por várias fases e ideias. Eu e o Maria somos dos subúrbios de Lisboa. Um mais próximo do que outro mas continuamos a ser dos subúrbios, estamos distantes do centro. Não é só uma distância de quilómetros mas também estética. Tu vais a Alverca e Almada e sentes que não estás em Lisboa. Para o bem e para o mal. Depois há uma parte interessante. Tanto o nome Alverca como o nome Almada derivam de nomes árabes, ao contrário de Lisboa, que foi eventualmente a evolução de um nome romano. Brincámos com a ideia, pensámos numa série de nomes para o projecto que representassem realmente essa ideia de subúrbio. E depois começámos a pensar na ideia de deslocação para a cidade nas rotinas normais do dia-a-dia. Nós somos filhos dos subúrbios, sempre fomos, independentemente de vivermos próximo ou longe de Lisboa. Não somos de Lisboa, isso é uma cena clara naquilo que fazemos, e acaba por ser o ponto de encontro disto.

[Maria] Uma coisa influencia a outra, ou seja, a parte sociológica influencia a música e vice-versa. Eu acho que até é uma coisa global, as coisas nascem nos subúrbios e depois manifestam-se na metrópole.

A própria história do hip hop na Grande Lisboa é assim, veio do Miratejo para o centro…

[DarkSunn] Exacto. Na Jinx acontecia muito eu falar de algo que se passava na minha zona e de acontecer o mesmo na zona do Maria. Era a mesma coisa, era a vida dos subúrbios. Essa vida levou a que tivéssemos essa proximidade uns com os outros.

[Maria] Não quero ser preconceituoso nem para um lado nem para o outro. Mas, se calhar, para uma pessoa que viveu sempre em Lisboa, em Campo de Ourique, por exemplo, esta coisa de Lisboa ser mulata é nova. Para nós não é. Cresceste a comer cachupa na casa de amigos em que a mãe só fala crioulo. Tu estás habituado àquilo. Mesmo a consciência punk. Estas coisas reflectem-se na cidade porque são coesas e porque felizmente as mentalidades estão a abrir aos poucos, independentemente de tudo o que vai contradizendo isso. Não podes esquecer do sítio de onde vens ou das tuas raízes.

[DarkSunn] Nos subúrbios levámos com toda essa questão musical, era natural. Essa mistura era perfeitamente natural em Alverca, como era em Almada, como era na Linha de Sintra. Tu tens interligação entre as cosias. Tens uma comunidade tão positivamente misturada que bebes disso tudo. Essa questão do kuduro acaba por ser natural. Tu veres isso a acontecer e o espaço que está a ganhar é normal. Mas nós já estávamos a levar com isso.

[Maria] As primeiras manifestações musicais que tive com 10 anos eram essas. Um dos fenómenos maiores na altura era o Hélder Rei do Kuduro. Era uma coisa mesmo grande. Mas não era uma realidade para uma pessoa de uma classe média alta que cresceu no meio de Lisboa.

[DarkSunn] Essa ligação aos subúrbios acaba por ser pedra-de-toque quando nós dizemos que isto é música para ouvires no Cacilheiro, no comboio ou no metro. Bem ou a mal acabámos por criar uma música que queremos pôr nos nossos fones quando viajamos para Lisboa. Mesmo a questão da duração acaba por representar essa viagem.

Curioso, nem tinha pensado nisso…

[Maria] Não foi pensado dessa maneira, mas acaba por ser assim. Somos da altura dos Walkmans, dos lados A e B. E tu demoras mais ou menos 45/50 minutos a chegar ao centro de Lisboa, ou seja, consegues ouvir dois lados. Quando vinha para Lisboa com os meus 15 era isso que fazia.

Acho maravilhoso tu lembrares-te disso…

[Maria] Lembro-me muito bem. Cronometrava o meu tempo e via que a cassete dava para fazer isso.

[DarkSunn] Acabou por se tornar isso, sim. Nós não começámos a escolher faixas a pensar que queríamos algo que totalizasse o tempo que levamos a fazer a travessia dos subúrbios para o centro. A música acabou por se tornar nisso sozinha. Acabou por ser música de background. Tens ali momentos de destaque nas faixas mas eu oiço aquilo como música que meto nos fones e vou a andar, seja como for e para onde for. É um bocado essa perspectiva.

E como nasceu o título?

[DarkSunn] O nome inspira-se numa manobra de skate, o crooked grind [grind com o nose e com o truck]. A própria expressão em si conduz a duas componentes muito grandes. Tens o crooked, de crook, que é aquela ideia mais marginal do estilo “vamos saltar a cancela do Metro”.

[Maria] Não quer dizer que hoje em dia o faças, mas cresceste com essa realidade…

[DarkSunn] Exacto. E depois tens a parte do grinded, de grind, que também está ligada à ideia do subúrbio. É do estilo “vais ter que fazer à pista, ponto”. Achámos que isso fazia sentido. Mas o título não foi desenvolvido por nós, por mais engraçado que seja.

[Maria] Há um grupo assim mais fechado de artistas da Jinx — não só artistas mas pessoas que contribuem — que trata desse exercício criativo. É engraçado que nós funcionamos quase como uma empresa criativa. É como se fosse uma agência mas os recursos são produzidos internamente para nós. Então as pessoas contribuem assim numa espécie de briefing. O nome foi dado por outra pessoa da Jinx, e faz todo o sentido.

O artwork também foi produzido internamente?

[DarkSunn] Fazemos bastante internamente, mas este não foi o caso. Nos últimos anos começámos a trabalhar com muitos artistas que nós respeitamos. E funciona quase da mesma forma. Expomos os artistas com quem pensamos vir a trabalhar e é debatido internamente. Apareceu o nome do Oker, que é alguém próximo, curtimos muito o trabalho dele. Por norma, damos a liberdade total ao artista. Fazemos um pequeno briefing e deixamo-lo trabalhar.

[Maria] Inicialmente, quando escolhes a pessoa, já estás a estabelecer directrizes. No caso do Oker, como ele tem uma representação dos nineties com uma linguagem muito particular, já é escolhido com essa ideia.

[DarkSunn] A ideia que tínhamos inicialmente era que isto não fosse uma cena anacrónica ou demasiado throwback. Queríamos que isto fosse o que nós bebemos constantemente. Mas queríamos que tivesse uma determinada vibe. Aquele comic exagerado dos noventas era a nossa representação ideal. A partir daí as coisas nasceram todas sozinhas. Este trabalho retrata um pouco essa autogénese. É como a questão das skits e do sound design…

Fala-me sobre isso…

[DarkSunn] Há uma skit do meu lado que nasceu de forma incrível. Eu estou na Jordânia, no lobby de um hotel e, numa zona de conferência, arranca um casamento muçulmano. Nunca tinha visto aquilo na vida, o meu contacto com a cultura muçulmana nunca tinha chegado à parte do casamento. Aquilo é animado, mesmo ultra animado. Gaita de foles, levam o noivo em cima dos braços, uma cena incrível, uma grande festa. Gravei com o meu telemóvel, que é um vício que eu tenho e que sei que o Maria também tem. De repente, decido ausentar-me do local para fumar um cigarro. E mesmo ao lado do casamento muçulmano, com grande estrilho e tambores, estava a haver uma espécie de missa católica com pessoal da Índia ou do Bangladesh. E estavam a fazer coros. Então tu tens um skit com coros em que ouves uns tambores por trás. Isso foi altamente para mim. Tens um outro skit de um concerto jazz em Almada que foi a mesma coisa. Deixei o telemóvel em cima da mesa; estava bastante afastado. Ouves um piano no fundo a tocar e o pessoal a falar. Essa componente dá uma camada de honestidade à música que fazemos. Música sem artifício de produção para parecer que é outra coisa. É o que é.

Calculo que o lado do Maria também guarde algumas histórias interessantes a nível de field recording… Queres partilhar?

[Maria] Neste trabalho acho que não. Mas tenho uma curiosidade. A primeira música do meu primeiro EP acaba com uma voz que diz “a felicidade acaba quando e onde quisermos”, ou algo assim. Esse EP era completamente isolado e tinha como ideia representar a música que eu fazia quando tinha 17 anos, que era assim um hip hop mais clássico, sampling, MPC. Era isolado, não tinha um conceito, uma representação base. O meu segundo trabalho, Cor e Forma, é a sonorização da minha visão enquanto designer, já tinha um conceito. E o que acontece neste é que também não é conceptual, como o primeiro. E por mais incrível que pareça a primeira música acaba com a Agnès Varda, falecida realizadora, a fazer uma comparação entre comida — que é uma coisa que gosto muito de ver e fazer — e emoções. E acaba por falar sobre o que é a felicidade. Ou seja, a primeira música de um disco que não tem conceito acaba como a primeira música de outro disco que não tem conceito. E não aconteceu de forma propositada, não fui à procura daquela voz. Foi uma ligação involuntária.

[DarkSunn] Tem a ver com a tal questão da honestidade. Eu também tenho um skit que é inteiramente gravado no metro. Estava alguém a passar com o seu tambor e eu gravei o som. Aquilo fez sentido quando comecei a arrumar as coisas. Como a cena do piano do concerto jazz. Para muitas pessoas não vai fazer sentido nenhum. Mas eu lembro-me bem do dia, com quem eu estava e como foi o mood. Aquilo é quase uma skit para mim mesmo.

[Maria] No álbum há assim uns bónus de parte a parte. A forma como passa do lado A para o lado B, da margem norte para a margem sul, foi inspirada numa série. Foi algo pensado mas não propositado.

[DarkSunn] Nós somos os geeks do contexto. Tu teres contexto à volta da música engrandece-a. Queremos dar essas pequenas parcelas. A cultura skit no hip hop viveu-se muito nos anos 90. Tinhas bué isso. Neste caso, não quisemos criar skits como momentos isolados, só temos uma faixa com esse título, o resto está embebido nas próprias músicas. Ou seja, tens músicas de dois minutos e meio em que 30 segundos são skit.

Vão ter algum tipo de vídeo a acompanhar as músicas?

[DarkSunn] Temos um conceito para o YouTube que vai recriar a experiência da cassete. As músicas vão ser vídeos de vinte e tal minutos, dois vídeos apenas, um para o lado A outro para o B. A ideia não é ouvires aquilo fatiado. Faz sentido ouvires tudo seguido. O facto de não existir um single também vai ao encontro dessa ideia.

[Maria] Pensámos inicialmente num todo. Não há um single, até porque a nossa música não é algo que vá bater, não tem esse propósito…

Quando ouvi o disco fiquei com a ideia que faz sentido como uma só peça, ou seja, não andamos ali a saltar músicas ou a “picar” temas de forma isolada…

[Maria] Não, até porque o mood é mesmo servir de banda sonora para uma deslocação.

[DarkSunn] Quisemos fazer faixas mais curtas e muito directas. Ou seja, não tens uma construção típica na maior parte dos temas, não tens uma estrutura clássica de verso, refrão, verso, refrão, etc. Quisemos perder um pouco isso e ir ao encontro da ideia de isto ser música instrumental, criada para existir sem voz.

Uma das coisas que notei ao ouvir o álbum é que há muitos pormenores que aludem a essa ideia de viagem em transportes públicos, como campainhas e sinais sonoros…

[DarkSunn] A ideia foi conseguir trazer detalhes, incorporados de forma natural. Conseguimos fazer isso sem ser muito pensado.

[Maria] Tens ideias e consegues representá-las sem muito esforço.

[DarkSunn] Nós quisemos coisas muito imediatas. Muitas coisas saíram ao primeiro take, porque era assim que queríamos. E dentro dessa ideia tens imperfeições. Nós conseguimos fazê-lo porque já temos alguma bagagem que o permita. Longe o meu tempo em que puxava e equalizava o kick ao milímetro, porque tinha que bater naquele sítio. Agora bate onde tiver que bater — e vai bater no meu ritmo natural, no sítio certo. Quando falamos em música honesta é tu seres esse veículo.

[Maria] Não tem que ser sempre assim, não é uma obrigatoriedade. É só mais uma ferramenta que tu podes utilizar desta maneira, porque a tendência hoje em dia é o inverso. É muito processado, muito tratado. O importante aqui muitas vezes é a ideia. Eu antigamente tinha um bom sample e obrigava-me a cortar tudo, sentia-me mal se não o fizesse. Agora se eu tiver um bom loop não quero saber, fica assim.

[DarkSunn] Era aquela ideia de teres que fazer um time stretch, chopar e encontrar a sonoridade do time stretch para ficar tudo certo. Agora é mais cru. Corta aqui, corta ali, puxa uma ou outra coisa e está bom.

[Maria] O erro também conta. Pode jogar a teu favor. Muitas vezes não, porque não estás com o sentimento certo ou não estás a tocar as coisas bem. Mas quando as coisas estão a fluir o erro conta, é daí que muitas coisas vêm. Se o cabo estiver mal ligado e fizer algum tipo de ruído até pode fazer sentido.

Umas das coisas que atento frequentemente quando oiço música é na waveform do áudio e reparei que a vossa é bastante smooth, ou seja, não parece ter havido um grande processamento na masterização, não é o bloco quadradão como é costume ver em muita coisa que se faz hoje em dia…

[DarkSunn] Isso vai muito ao encontro do efeito que queres. Nós não quisemos que a nossa música tivesse níveis altíssimos. Tem power, o kick e a tarola estão lá, mas preferimos que fosse confortável ao ouvido. Todos sabemos que se tiveres um dia inteiro a ouvir música em brickficas com a cabeça em água. A nossa ideia é o master que aglutine as coisas, que as cole entre si e que dê um sentimento geral a cada lado. E ao mesmo tempo que te permita respirar um bocado, que não seja uma cena muito intensa. O meu cérebro não lida bem com a ideia da perfeição. Se for tudo muito na batata não te faz abanar a cabeça.

Até a música de dança, quaternária, tem o seu groove

[DarkSunn] Se fores para o house de Chicago tens aquela estética da MPC, tens o swing. É essa cena do erro. Eu oiço as minhas faixas e sei que estão lá erros, uns atrás dos outros. Mas isso é fixe. Soa-me bem.

[Maria] Eu gravei coisas directas. Neste momento, no meu processo criativo, começo a produzir as coisas na Maschine e depois passo para o Ableton por faixas. Muitas vezes corto um drum break e não estou ali a arranjar as coisas ao milímetro.

[DarkSunn] Grande fatia da minha produção é feita na MPC Live, descobri uma máquina que é a minha amante. Eu cheguei a exportar determinadas coisas da MPC porque queria que aquilo distorcesse. Queria uma distorção de MPC. E depois disso ainda passou pela SP404. Aconteceu também com a TR-8, que veio da casa do Maria. Meti a faixa a andar, sincronizei o midi clock para ficar certinha e desliguei o pattern para tocar à mão, algo que não seria suposto fazer numa TR. Essa ideia do orgânico e de estares a usar as máquinas numa abordagem humana sempre me atraiu. De todos os meus projectos este é o que tem mais representada essa ideia de mão humana.

[Maria] A ideia e a experiência são importantes — mais até do que o próprio resultado.

[DarkSunn] Neste trabalho, tens faixas de dois minutos sem resolução. O que foge à regra de teres uma espécie de conversa, de fazeres uma pergunta e a música responder, e assim sucessivamente, de ires criando crescendos que são eventualmente resolvidos com uma determinada progressão. As notas em si significam isso. Tu sais de uma nota para outra como forma de resolveres alguma coisa. Nas faixas de dois minutos isso muitas vezes não existe. E isso é bom. Fica pendurado.

[Maria] Ficas à espera de algo que vai acontecer e não acontece. Automaticamente o teu cérebro presta atenção àquilo, porque ficou uma coisa por resolver.

[DarkSunn] Mas isso também é um pouco como a vida real, há coisas que não têm resolução. E a música não tem que ser a ideia de algo que tem que ser resolvido. E depois há a questão do sampling que no meu caso foi explorado ao máximo. Há 20 anos dizia que nunca iria usar um sample que fosse demasiado directo. Eu ali tenho pelo menos um sample que é uma cena ultra directa, só assim é que servia.

[Maria] Para mim é um mundo muito estimulante. O sample limita-te logo à partida. Vais confeccionar e não tens os melhores ingredientes. Não tens tudo ao teu dispor, a tua dispensa está meio vazia. Vais tentar usufruir da melhor maneira. O sampling só acontece porque tu te pressupões a ouvir um álbum daquela pessoa, porque gostas dela ou porque está relacionada com uma altura ou uma época com a qual tu te identificas ou mesmo uma localização geográfica.

Estão a pensar em levar isto para os palco? Se sim, como é que estão a pensar fazer?

[DarkSunn] Nós queremos apresentar isto em banda. Vamos ser os dois a tocar mais um guitarrista. A ideia é apresentar o projecto ao vivo, quando a normalidade regressar, num formato conjugado, ou seja, as faixas dele deixam de ser só dele e as minhas deixam de ser só minhas.

[Maria] A ideia inicial partiu da experiência da Maratona de Leitura. Sabemos como é que vai funcionar, porque já fizemos isso, e faz parte da nossa intenção. Não seria apenas lançar isto e pronto. Queremos partilhar com as pessoas, gostamos de tocar ao vivo. Queremos que as pessoas usufruam desta experiência connosco.

[DarkSunn] Vamos apostar num formato que transcenda o DJ set, vai ser live act. Vamos ter várias coisas para criar uma envolvência, vamos contextualizar. Durante aquela hora, as pessoas vão andar de Alverca até Almada, vão passar por Lisboa e andar de metro e cacilheiro, vão caminhar pela Ribeira das Naus. A Maratona de Leitura teve isso de bom. Não quero dizer que estávamos a fazer improviso puro mas estava a sair uma coisa interessante.

[Maria] Havia uma linha condutora não declarada. A ausência de estrutura também te permite isso. Quando tocas ao vivo, se as coisas estiverem a fazer sentido naquele momento, podes continuar de forma quase infinita.

[DarkSunn] Tens flexibilidade para fazer isso, ou seja, se o loop tem duas barras, facilmente se transformam em 16. E depois vamos pegando nas coisas um do outro e desenvolvendo. Quando tivermos o guitarrista, ele vai estar a fazer ainda outra coisa por cima. A ideia é encontramos espaços que nos permitam também uma componente audiovisual.


 

 
 
 
 
 
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