Porta de entrada para o universo sónico de Marcus Amadeus, este Portal. Constituído por uma colecção de 10 beats em 4/4, todos com acabamentos polidos e produção cuidada, o projecto forma assim uma vistosa montra da técnica e criatividade do produtor portuense, arquitecto de profissão, mas apaixonado pela “música e dança”, tal como se pode ler na apresentação que faz na sua página de Bandcamp.
De “Abertura” a “Cru” – ou seja, na primeira parte deste seu álbum de estreia –, Marcus Amadeus optou por faixas de animosidade moderada, quase sempre de euforia contida, mas suficientemente coloridas e dinâmicas para nos manter ligados à sua narrativa. O músico arrisca-se por terrenos úmbrios em “Purga”, geografias contemplativas em “Perdão” – tema que, aliás, merece menção honrosa nesta primeira metade – e por estruturas soul em “Cru”, sem que isso catapulte o ambiente que transversa a obra para fora das vibrações relaxadas que dela emanam.
E se chillin‘ é a palavra de ordem ao longo das primeiras cinco faixas, da sexta em diante entramos num mundo bem mais ritmado e enérgico. O título “Ascenda” é, aliás, profundamente revelador dessa intenção de propulsão rumo a outros universos musicais, aqui traduzida num inspirado crescendo que pede por movimento e abala as fundações deste Portal. A instabilidade foi aí criada e, por isso, “Almejo” bebe do mesmo éter espacial do seu antecessor. Já “Fuso” é essencialmente um interlúdio ao qual é sobreposto uma declamação de um poema de Álvaro de Campos por Napoleão Mira. A mesma voz recita também Fernando Pessoa em “Beijo” e “Lúcido”, faixa que, juntamente com “Gene”, termina o álbum numa linha estética que incorpora elementos orquestrais, loops em reverse, field recordings, basslines pronunciadas e breaks variados.
Criado a partir de samples minuciosamente escolhidos e drum patterns interessantes e imprevisíveis, Portal é um trabalho bem logrado da autoria de Marcus Amadeus. Porventura as drums são mesmo um dos pontos mais fortes do trabalho, a par da dinâmica que o produtor consegue impor nos temas e da suavidade com que os faz fluírem entre si. No seu conjunto, estas são características que diferenciam este trabalho e enaltecem a sua qualidade. Indubitavelmente uma louvável estreia do produtor.