Pontos-de-Vista

Gustavo Costa*

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Descortinar mecanismos.

Máquina Magnética

A relação entre o gesto físico de um instrumentista e a sua materialização sonora através de um instrumento musical assumiu, até ao advento da electricidade, uma forma clara onde os códigos de percepção das partes intervenientes se foram sedimentando e produzindo concepções generalizadas sobre aquilo que é som e música. Com as devidas exceções, sendo uma das mais notáveis a do órgão de tubos, a produção sonora baseou-se num sistema bem definido, que incluía a linguagem musical, a execução manual de um instrumentista e um dispositivo de emissão sonora junto de si — o instrumento. Nestas situações, um gesto físico, no acto de um sopro, uma arcada ou na percussão de um idiofone, traduz-se num resultado facilmente entendido e decifrado pelo ouvinte. No entanto, esta relação, aperfeiçoada ao longo de séculos, produziu também uma série de efeitos colaterais. O gesto e a fisicalidade associada à execução instrumental passaram também a ser entendidos como uma articulação de graus de dificuldade mensuráveis e nos quais se valorizam os níveis superiores. Esta obsessão, justificada pela própria evolução da música ocidental, foi introduzindo subliminarmente normas de apreciação, análise e aprovação das obras musicais não só pelo seu conteúdo musical, mas também pelo grau de dificuldade técnica, nos níveis composicionais e instrumentais. A transição para o século XX, com a introdução da electricidade e a abertura ao ruído como elemento primordial na construção musical, afigurou-se assim como a grande promessa de uma música realmente livre e concentrada na sua essência — o som. Não só se libertou o som, como a sua representação passou a ser múltipla, afastando-se da típica relação bidimensional palco/plateia e das sequências temporais lineares. Mas também esta promessa, acentuada pelas constantes incisões das inovações e revoluções elétricas e eletrónicas, acabou por se consumir e produzir os seus próprios paradoxos. Algumas das problemáticas inverteram-se, e a tecnologia revelou-se, talvez mais do que nunca, um simples artefacto que através de várias formas evolutivas serviu apenas de mediador do complexo processamento e materialização do pensamento musical.

Esta peça, ao combinar a visceralidade física da percussão com uma perspectiva electrónica que lhe é complementar, utiliza estas propriedades como elementos expressivos e onde se reforça a força sublime dos gestos do som, da forma como o sentimos e como o percebemos. Assenta numa partitura gráfica, com andamentos, que foi desenhada durante o processo de construção, marcada por planos firmados, mas com o lugar para gestos e opções de improviso.

Mais do que tentar solucionar problemáticas específicas, procura-se ir de encontro ao ponto inicial de qualquer obra – a organização do som e dos seus significados.


*Gustavo Costa é um dos músicos da Máquina Magnética. O espectáculo será transmitido online no próximo sábado, dia 27 de Março, às 22 horas, através de gnration (via site, Facebook e Youtube) e Rimas e Batidas (via Facebook).

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