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Publicado a: 13/11/2018

Manuel Guimarães: “Observar e sentir o trabalho de diferentes artistas é um processo constante de aprendizagem”

Publicado a: 13/11/2018

[TEXTO] Vasco Completo [FOTOS] Joana Raposo Gomes & João Taveira

Jogar com o (im)previsível está nas raízes dos ideais da música ambiente que Brian Eno “defende” desde os anos 70. Durante os anos 90, o músico desenvolveu um novo conceito derivante desse primeiro género: o de música generativa. A ideia era que a aleatoriedade da música – tendencialmente semelhante a paisagens sonoras meditativas e/ou cinematográficas – ditasse a evolução dos sons no tempo.

É também nestes moldes que Manuel Guimarães apresenta Bloom: a synopsis of generative compositions, um trabalho que reintroduz estes conceitos na música electrónica portuguesa. A programação e mistura de diferentes (mas aglutinados) sons tornam Bloom progressivamente mais envolvente pelas texturas harmónicas que muito lentamente alteram a paisagem que ouvimos. Jogar com o silêncio, com o espaço, também é bom para fecharmos os olhos, pôr os headphones e esvaziar a mente. Esquecer tudo e, logo a seguir, criar novos mundos.

Em conversa com o Rimas e Batidas, o produtor e designer de som falou sobre o processo de Bloom, os artistas que o fascinam, o amor ao cinema e a maneira como junta todas as influências e vertentes e as transforma em algo seu.

 



Fala-nos um pouco do que é para ti esta sinopse de música generativa.

Desde há cerca de um ano que me tenho dedicado ao estudo e composição de música generativa. Este disco acaba por ser uma espécie de “colectânea”, composta por excertos de diferentes composições/estudos que tenho vindo a desenvolver. Optei por registar alguns minutos dessas composições (teoricamente infinitas) e assim criar temas com narrativas diferentes, mas também complementares, que comunicam entre si fazendo um álbum.

Quais consideras ser as tuas maiores influências? Não só na música, mas também no cinema ou outros, considerando o trabalho multifacetado que desenvolves.

Ao falar de música generativa, é fundamental falar de Brian Eno, artista que tornou o termo popular e que tem vindo a desenvolver imensos trabalhos segundo esse princípio. É uma influência clara nos meus trabalhos. Evocar as minhas maiores influências torna-se difícil, muito difícil, pois existem muitos artistas dos quais admiro o trabalho. Ligados à música, os primeiros nomes que me surgem no pensamento são: Talk Talk (em especial o disco Spirit of Eden), Pauline Oliveros, Radiohead, Ryuichi Sakamoto, Nuno Canavarro, André Gonçalves, Nils Frahm, Ben Frost, Bing & Ruth, Tim Hecker, Chihei Hatakeyama, Christina Vantzou, Steve Reich, Erik Satie, entre outros (a lista seria bastante extensa, na verdade). Observar e sentir o trabalho de diferentes artistas sonoros/visuais é um processo constante de aprendizagem, pelas técnicas, filosofias, pela abordagem da relação som e espaço e sobretudo da forma como o silêncio faz parte de todo universo criativo. No cinema, Godfrey Reggio e o seu belíssimo Koyaanisqatsi; Sebastian Schipper destacando o filme Victoria; Wim Wenders; sem dúvida David Lynch; da pintura, por exemplo, Mark Rothko. Sobre artistas que desenvolvem trabalhos em diferentes áreas: Jonathan Uliel Saldanha e João Pedro Fonseca.

Como pensas que te influencia o tipo de trabalho que desenvolves na organização de festivais como o Zigurfest? 

A ligação com a Associação Zigur, com o seu Zigurfest e com a ZONA – Residências Artísticas de Lamego, é muito visceral. Estou dentro desses projectos desde a sua criação, acompanhando o seu crescimento e ramificações. A visão do festival/residências incide sobre música e arte contemporâneas, tendo sido ao longo dos anos um ponto de encontro de diferentes artistas de estilos muito diferentes incluindo as sonoridades mais orelhudas e criações mais extremas, procurando, sempre que possível, incluir artistas e elementos da comunidade e região. Assim, havendo lugar para a experiência, sempre pude contactar de perto com diferentes artistas, ouvir, ver, conversar, trocar ideias e perspectivas. Por outro lado, sendo uma associação e um festival compostos maioritariamente por um grupo de amigos com reduzida experiência prévia na organização de eventos deste cariz, tem sido uma aprendizagem grupal constante, com impacto no desenvolvimento pessoal a diferentes níveis: no método, organização, assertividade ou empatia, o que inevitavelmente irá ter influência no processo criativo.

Tens por hábito colaborar em vários projectos musicais e visuais. Como sentes que difere o trabalho que realizas para outrem? Em termos de processo, do resultado final, etc.

A minha visão sobre a música está muito ligada ao conceito de comunicação, encaro-a como uma língua. Trabalhar de forma colaborativa é muito desafiador e enriquecedor, pois envolve um exercício de se colocar no lugar do outro, perceber a sua visão e a ideia do que se quer comunicar. Respeitar o silêncio é fundamental para o surgir de uma mensagem clara e para não existirem atropelamentos nesta comunicação. O processo criativo torna-se desta forma menos “autista”, mas sim muito enriquecedor. Existindo essa boa comunicação o resultado não é apenas mistura de ingredientes, mas tem uma identidade própria.

Com que artistas gostarias de colaborar? Víamos-te bem num filme do Denis Villeneuve

Vou encarar esta pergunta como um enorme elogio, por respeitar muito o trabalho do Denis Villeneuve em especial o Inciendies. Um filme (dentro da sua temática forte) muito bonito, onde a relação com a banda sonora é fantástica. Desde a cena inicial, onde vemos uma criança libanesa no processo inicial de transformação em criança soldado e surge a “You And Whose Army?”, dos Radiohead, que condiciona a mensagem da cena. Nesse momento senti: esta é a guerra civil do Líbano, vista aos olhos do “mundo ocidental”. Um exemplo onde a relação entre o som e a imagem transcende os dois elementos isolados.

Mais do que com quem, é onde gostaria de trabalhar. O cinema e o teatro são áreas nas quais gostaria de trabalhar. Independentemente dos “grandes nomes”, gostaria de colaborar com alguém com quem fizesse sentido comunicar.

Se Bloom é uma sinopse, o que vem a seguir? 

Ao longo do meu percurso musical estive envolvido em diferentes projectos musicais com estilos algo distintos, nesse percurso fui construindo a minha identidade musical. Embora sinta que essa identidade esteja em constante construção ou transmutação, agora assumo lançamentos em nome próprio, pretendendo que surja um espelho desse crescimento, da experiência, da conversa com o silêncio. O silêncio, esse elemento que sinto como angular neste percurso.

 


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