pub

Fotografia: Inês Mineiro Abreu*
Publicado a: 19/04/2022

Entrem agora.

Mané Fernandes no Água Ardente: de Santo Tirso ao Porto com paragem na capital antes de conquistar o mundo

Fotografia: Inês Mineiro Abreu*
Publicado a: 19/04/2022

Ontem foi um dia longo para Mané Fernandes, o guitarrista que acaba de lançar Enter the sQUIGG na Clean Feed: fez a viagem Porto-Lisboa de comboio, “correu” até à Jazz Messengers, na LX Factory, para uma curta conversa (com quem assina estas linhas) que incidiu sobre o seu novo álbum e, sobretudo, sobre os concertos de apresentação já feitos – Fernandes tocou no passado dia 16 no Carpe Diem, em Santo Tirso, e no ermo do caos, no Porto, no dia seguinte. O entusiasmo com que falou do que aconteceu nessas duas datas é revelador da paixão que lhe escorre dos dedos. À curta conversa a meio de uma tarde carregada de turistas que acham que vinil rima com selfie seguiu-se uma igualmente curta, mas incisiva apresentação a solo. Na Jazz Messengers, e sem o amparo dos companheiros com quem “desceu” ao palco do Água Ardente – já lá iremos –, Mané pôde mostrar um lado diferente daquele que tão brilhantemente expõe no seu álbum: o de livre improvisador capaz de oscilar entre fraseados firmemente ligados à longa história do guitarrismo jazz e uma vontade de explorar outras nuances do instrumento através de um generoso conjunto de pedais de loops e de efeitos que lhe permitem ir da Terra ao espaço em menos de nada.

Aperitivo perfeito para o que apresentou depois perante uma compacta plateia no minúsculo Água Ardente, novo espaço dedicado às artes, situado mesmo em frente da escola António Arroio, com ligação ao nortenho ermo do caos e gestão repartida por uma série de artistas, incluindo Pedro Melo Alves, que tem sido o principal programador dos seus eventos. A cave onde acontecem os concertos pode ser de dimensões muito reduzidas, mas a música que por lá tem passado é imensa.

Com o saxofonista José Soares (outro dos cooperantes do Água Ardente), o acordeonista João Barradas e os companheiros da aventura de Copenhaga Luca Curcio no contrabaixo e Simon Albersten na bateria, Mané Fernandes mostrou que a matéria que em Enter the sQUIGG é resultado de minúcia laboratorial em estúdio pode igualmente ser dominada em palco. Algumas breves palavras sobre cada um dos músicos, começando pelo baterista: Simon é, claramente, um baterista criado no hip hop que foca a atenção sobretudo no bombo, tarola e pratos, compensando com imaginação e exuberância a sua económica abordagem ao kit. O tempo não tem quaisquer mistérios para o baterista que tanto é capaz de quebrar cadências quanto de soar preciso como uma MPC, mostrando diferentes intensidades no toque que servem da melhor forma os arranjos do líder. Ao seu lado está um sólido e fluído Luca Curcio, sempre fundido com a bateria quando o groove surge claro e musculado, mas igualmente atento a qualquer possibilidade de fuga que se atravesse no seu caminho. Depois, a ladear Fernandes estão João Barradas e José Soares, dois portentosos improvisadores, poliglotas fluentes, tão firmes nos diferentes uníssonos (a três ou duas vozes) como nas derrapagens solistas com que arrancaram entusiasmados “yeahs” do público presente.

E, finalmente, o líder: Mané Fernandes é artista completo que sabe conceptualizar a sua arte, compor peças que são complexas obras de relojoaria rítmica, melódica, harmónica e textural, produzir e montar os seus discos e depois conduzir músicos em palco. Não há pautas à frente, mas é óbvio que estas são músicas que todos ali estudaram e interiorizaram, conhecendo cada recanto dos arranjos. O álbum foi tocado na íntegra (mas com reorganização da ordem das músicas), retendo cada tema de forma muito eficaz a sua identidade de estúdio, mas, ao mesmo tempo, abrindo-se às possibilidades que um palco oferece e que a simbiótica relação com uma plateia receptiva potencia. Deu assim para escutar solos carregados de alma, com Mané a pontualmente vocalizar as frases que escrevia com os dedos, de olhos fechados e completamente imerso na sua música — um jazz que é daqui e de agora e que tem tudo para se agarrar também ao mundo e ao amanhã. É só deixarem-no tocar por aí.

Esta noite, Mané Fernandes, os músicos que o acompanharam no Água Ardente e ainda José Diogo Martins (em sintetizador) concluem a curta digressão em que embarcaram há dias com concerto no Maus Hábitos, no Porto. Imperdível, pois claro.


*As fotos de grupo foram feitas durante o ensaio, antes do concerto.

pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos