pub

Fotografia: Chikolaev
Publicado a: 16/12/2021

Esta sexta-feira, dia 17 de Dezembro, o grupo regressa aos palcos no Natal do Marginal, no Porto.

M.A.C.: “Não estamos à espera de ganhar ou conquistar nada com isto. O nosso foco está na música em si”

Fotografia: Chikolaev
Publicado a: 16/12/2021

Diretamente da Margem Sul, os icónicos M.A.C., duo formado por TNT e Kulpado, estão de volta aos longas-durações com o lançamento de Sem Título.

Apesar do interregno e volvida quase uma década do lançamento do último projecto, a dupla conhecida pelas rimas ácidas e sempre agressivas esteve largos anos em estúdio a conceber aquele que é provavelmente o trabalho com a fasquia mais elevada na sua carreira.

O Rimas e Batidas esteve à conversa com ambos sobre este novo capítulo da vida dos MCs que continuam a ter uma Missão A Cumprir.



Começando pelo nome deste disco, acaba por ser um pouco fora da caixa quando comparado com os outros dois — Missão a Cumprir e Muito a Contar — que seguem o conceito de jogar com a sigla M.A.C..

[TNT] A ideia era mesmo ser um título disruptivo, em relação àquilo que já estava para trás. Temos mudado tanto de álbum para álbum, não tanto a nível musical, mas mais a nível pessoal. Neste não fazia muito sentido explorar o conceito da sigla, não estava nos planos.

[Kulpado] E ainda não tínhamos esgotado as siglas! [Risos]

[TNT] Exacto! Decidimos simplesmente fazer um ponto de viragem. Para reforçar isso, o título é impactante para nós, no sentido de “não, vamos fazer as músicas pelas músicas” e como o Kulpado disse em conversa há uns dias “é sem título e sem intros”.

[Kulpado] A intro também é curiosa. Ainda planeámos criar uma faixa para abrir o álbum chamada “Isto não é uma intro” para brincar um pouco com isso, mas sentimos que o “Carga Nisso” era uma melhor escolha e enveredámos por aí. No seguimento desse conceito do título, abordámos também a possibilidade de as faixas não terem títulos, ou seja, ser apenas “Faixa Nr. 1” mas logisticamente não seria fácil com as plataformas digitais e não ia correr muito bem [risos]. Num formato físico era uma ideia engraçada e menos complicada!

[TNT] A ideia até era os nossos ouvintes darem o nome às faixas, mas na teoria parece um pouco mais fácil do que na prática e ia ser difícil de concretizar. Ainda sobre o título do álbum, a escolha também surge porque chegamos aqui passado quase 10 anos desde o Muito a Contar e não carregamos às costas aqueles títulos que outra malta por vezes possui, como o melhor em algo, o mais popular…

[Kulpado] É um duplo sentido, de não haver título para o álbum, mas também de não termos títulos de, por exemplo, ganhar campeonatos, troféus, ou nada assim. Não estamos à espera disso enquanto dupla, de ganhar ou conquistar nada com isto, o nosso foco está na música em si.

Ainda sobre a intro, achei interessante o skit que inseriram no fim do “Carga Nisso”.

[TNT] Encontrei isso naqueles diggings de coisas antigas e achei que era uma forma diferente de agradecer a toda a gente que nos ajudou a chegar aqui, porque quando começámos a formação era diferente, éramos cinco elementos e agora somos dois. Curiosamente nesse skit até se ouve mais a malta que fazia parte de M.A.C do que propriamente eu e o Kulpado, portanto é uma forma também de demonstrar que ainda fazem parte do projecto apesar de activamente já não pertencerem. Foi uma pequena homenagem que também lhes quisemos prestar.

[Kulpado] Desses cinco, um dos elementos, o Juanito, ainda continua a trabalhar em cenas dele, mas o resto da malta está afastada, sim. No primeiro disco, o Juanito curiosamente ainda aparece a rimar, fomos três nas rimas e dois a produzir: o TNT e o Juanito. Apesar disso, continuamos todos amigos como dantes, é pessoal aqui da nossa zona, moramos todos perto uns dos outros. Hoje em dia vejo grupos como os GROGNation, muito bem organizados e coordenados em palco e na nossa altura era sempre uma maluquice e uma gritaria em palco, mas até era engraçado [risos].

E, enquanto dupla, como decorreu este processo criativo? Este trabalho esteve alguns anos no “laboratório” e sai quase 10 anos depois do último.

[TNT] Tínhamos aqui um objectivo com este trabalho: queríamos elevar a fasquia. Não podia ser mais do mesmo, mas não podíamos fugir completamente à nossa génese que acaba por estar bem vincada nele, portanto tinha que existir um equilíbrio entre conceitos diferentes e isso foi o que levou a que o disco demorasse uma parte do tempo a ser concebido. A outra parte foi porque estávamos ocupados com outras questões das nossas vidas, que afecta sempre o ritmo a que trabalhamos. Este é um disco que tem, assumidamente, muito o cunho do Kulpado. Foi ele que se chegou à frente com boa parte dos refrões, das temáticas, etc. Durante uma boa parte do tempo, estive algo ocupado com outros projectos e acabei por ter o prazer de ir atrás das ideias dele, dando sempre a minha opinião se gostava mais ou menos daquilo que ia surgindo.

Podemos dizer que este processo se traduziu em duas etapas: inicialmente começámos a rimar em outros beats, beats nossos, etc; e depois páramos e acabámos por começar a fechar as faixas que iam entrar no álbum e aí surge o DJ Player a 100% que acaba por nos produzir todo o trabalho. O contributo dele é muito importante, porque torna-se o fio-condutor que nos faltava na parte da produção do disco para também nos indicar o que estava mais fresh ou não, e foi essa a dinâmica. Já fazemos música juntos há muitos anos e fica fácil perceber quando alguém estava entusiasmado ou não com as ideias que vão aparecendo.

[Kulpado] Exactamente. O facto deste álbum ter se calhar um contributo maior meu em alguns aspectos também se prende muito com o facto do TNT ter a agenda sempre bastante ocupada: desde gerir a label dele, a Mano a Mano, a trabalhar com outros artistas ou até a trabalhar nos seus projectos a solo, como é o caso do EP Forever Young, que andou a ser produzido em paralelo com este disco dos M.A.C. Já eu estava apenas focado nisto e acabei por ir “alimentando” mais o projecto. Relativamente ao processo criativo, nós antes da música já somos amigos há imensos anos, conhecemo-nos bastante bem e é super fácil fazermos cedências de parte a parte, aceitar ou recusar ideias um do outro, porque acima de tudo somos amigos de longa data e é fácil entusiasmar-nos em conjunto para criar música.

[TNT] E convergimos também em vários pontos de vista sobre o mundo em geral, as nossas vidas têm algumas similaridades e isso faz com que se o Kulpado quiser abordar uma certa temática, muito possivelmente ela também fará sentido para mim e acaba por ser mais fácil conceber música assim.

Temáticas essas como as “Insónias” por exemplo?

[TNT] Inicialmente senti que não tinha grande coisa para rimar sobre isso, mas, na realidade, quando me agarrei à caneta, percebi que tinha muito mais para dizer do que aquilo que pensava!

Mergulhando mesmo na concepção do disco, há sempre pequenas experiências que advêm dos meses/anos passados em estúdio e que merecem ser partilhadas! Querem-nos contar algumas?

[Kulpado] Aconteceu algumas vezes eu e o TNT termos um certo conceito na cabeça que queríamos explorar e, como dissemos anteriormente, este álbum foi feito em conjunto com o DJ Player, que nos foi enviando instrumentais e aconteceu ouvirmos alguns que realmente fizeram o clique com essas ideias que tínhamos e no dia seguinte já íamos a estúdio com um refrão, uma quadra ou até uma letra feita e isso foi um ponto de partida.

[TNT] Exemplificando, para nós foi tão normal quanto termos recebido um instrumental chamado “Bada Bing” e acabámos mesmo por pegar nisso e conceber a faixa “Bada Bing” para o disco!

[Kulpado] O TOM no último álbum dele tem um tema com uma produção minha chamada “No Drama” que nasce mesmo disto! O instrumental tinha esse nome e às vezes gostamos tanto de certas produções que acabamos por não ter bem uma temática definida para ali, mas a vontade fala mais alto e agarramos nas mais pequenas coisas como fonte de inspiração para criar música.

[TNT] A letra do “Hoje é Dia” foi escrita para um instrumental totalmente diferente e acabou por ficar meio na gaveta, mas depois o Kulpado trouxe a ideia para o refrão [cantado por Amaura] e o conceito fez-me ir buscar esta letra porque encaixava ali na perfeição. Esta é uma das várias formas de criar música e como é claro, também podemos ir apenas para estúdio e começar mesmo do zero a partir pedra e lentamente ir criando algo.

Citando a faixa “Carga Nisso”, o TNT escreveu “Contas feitas, mais de 20 a bater na tecla”. Já são alguns anos de caminhada nesta cultura hip hop, não é?

[TNT] Sim, sim. Isto dos anos vale o que vale, entendes? O facto de lançarmos o disco agora é por acharmos que temos relevância suficiente para o fazer. Se achássemos que íamos trazer mais areia para a praia, não o faríamos. Mas eu acho que essa questão dos anos é importante porque há bandas que efectivamente param, fazem uma pausa, etc. No nosso caso, nós nunca parámos, só não editámos e para mim faz uma profunda diferença. Permite-me dizer “à boca cheia” que nós temos 20 e tal anos de actividade: podes não editar, mas há trabalho feito e há material que demonstre que permaneces no activo.

[Kulpado] Eu na “Cypher do Marginal” da Mano a Mano até dou uma dica que fala sobre isto – “dizem que estou desaparecido porque eu faço e não edito, o meu coração lá vai batendo ao som deste ritmo”. Há malta que me aborda na rua e pergunta a que se deve a minha falta de lançamentos, mas eu estou constantemente a fazer música, só não tem visto é a luz do dia porque não me apetece, ou não quero…

O contributo do Player acaba por conferir uma certa coesão a este disco, já que foi produzido integralmente por ele. Como correu esta parceria?

[Kulpado] O Player já tem vindo a trabalhar com o TNT nos projectos dele a solo, como o Menino de Ouro e o Forever Young, então já havia esta relação vinda do passado. Quando começámos a angariar instrumentais para este trabalho, o nome do Player surgiu e ele também se chegou logo à frente, oferecendo-se para produzir o disco na íntegra. Com o Player à distância, já que ele vive na Póvoa de Varzim, acabámos por inicialmente ter duas/três sessões de estúdio com ele para começar a traçar o caminho que queríamos para este álbum. Fomos rodando alguns samples e aqueles que mais nos agradavam eram logo utilizados para começar a esboçar alguns instrumentais e eu e o TNT começámos a ter ideias e fomos anotando algumas rimas aqui e ali no telemóvel. Acaba por ser um processo que o TNT já tinha experimentado com o Player no passado e foi o ponto de partida para o novo disco de M.A.C., já que saímos de lá com algumas ideias, bases instrumentais, alguns refrões/letras. A partir daí fomos construindo tudo o resto com os instrumentais que nos iam chegando às mãos.

[TNT] O Player já conhecia e gostava do projeto M.A.C. e existia vontade de fazer um trabalho conjunto de há uns anos para cá e agora acabou por se concretizar. Na minha carreira mais a solo já tinha trabalhado com ele e apreciei bastante a experiência, juntando isso ao facto do Kulpado gostar dos beats que ia ouvindo, tornou tudo isto possível e acabou por ser um processo bastante natural. No seguimento deste projecto, o próprio Kulpado está agora a fechar um trabalho a solo também com produções do Player. É realmente um produtor e, acima de tudo, uma pessoa que acrescentou muito ao Sem Título, porque compreendeu as nossas ideias e teve tolerância para algumas mudanças em produções que aparentemente estavam fechadas e isso é sempre complicado para quem produz.

[Kulpado] Fruto da sua ética de trabalho e versatilidade, a nossa escolha para a produção do projecto recaiu sobre ele porque também achávamos que era capaz de preservar a identidade musical de M.A.C e isso era crucial para nós. O instrumental do “Carga Nisso” foi dos primeiros que ele produziu e facilmente víamos muito de Missão A Cumprir ali, portanto acabou por fluir tudo naturalmente por haver essa química musical.  

Achei bastante interessante e ao mesmo tempo ousado convidarem-no para produzir este trabalho na íntegra. Interessante, porque acaba por haver a tal coesão e um fio-condutor a nível sónico no disco, mas ousada porque por vezes corre-se o risco de o trabalho poder soar mais quadrado, especialmente álbuns, que são mais duradouros. Quando digo quadrado, refiro-me ao facto de a sonoridade poder vir a soar sempre bastante idêntica, criando uma certa sensação de repetição para o ouvinte, o que não aconteceu aqui devido à grande versatilidade do Player.

[TNT] Esse ponto que levantas é super importante e realmente foi algo que nunca nos passou pela cabeça por conhecermos a fundo o trabalho dele e sempre denotarmos essa diferença, essa versatilidade. Ele próprio chegou a agarrar nas seis/sete faixas que tínhamos e sugeria explorarmos algumas texturas e sons diferentes para realmente ir compondo cada vez mais o que tínhamos e fez-nos chegar várias propostas de beats dentro dessas sugestões que ia fazendo para nós trabalharmos.

[Kulpado]: Este trabalho demorou algum tempo a ficar concluído, houve vários avanços e recuos, alguns contratempos como uma inundação no estúdio, uma pandemia, enfim… uma panóplia de condicionantes para apimentar o processo [risos]. 

Recuando um pouco na vossa discografia, os outros álbuns de M.A.C contam ambos com participações a nível de sixteens e este só incluí Amaura e o Chora. a fazerem dois refrões. Foi propositada esta ausência de participações de rappers?

[TNT] Se contabilizarmos o tempo entre o Muito a Contar [lançado em 2012] e este novo trabalho, achámos que tínhamos vários tópicos que queríamos abordar fruto de todo esse tempo que se passou, quisemos trazer toda essa energia e reservámos as rimas para nós. Como é claro, houve vontade de incluir algumas participações, mas no futuro temos tempo para lançar mais álbuns e aí certamente vamos convidar rappers para entrarem em algumas faixas. Nos refrões sim, sentimos essa necessidade de chamar alguma malta para dar esse brilho adicional, neste caso a Amaura e o Chora. para as faixas “Hoje é Dia” e “Começar do Fim”, respectivamente.

[Kulpado] Para além de todos esses motivos, queríamos renovar o nosso repertório para concertos e com participações no disco existia essa condicionante, já que os convidados em questão podiam não conseguir estar presentes para tocar os sons. Concluindo, foi algo mesmo assumido da nossa parte e propositado.

Ainda comparando o Sem Título aos outros trabalhos de M.A.C, este acaba por ter 33 minutos de duração, aproximadamente metade dos outros dois – Muito a Contar com 1 hora e o Missão a Cumprir com 1 hora e 8 minutos. Coincidência ou foi algo mesmo conceptualizado para ser assim?

[TNT] Hoje em dia é difícil agarrar as pessoas a um álbum, como tu sabes. Tu neste caso acabas por ser um hip hop head e, como tal, tens mais paciência para escutar discos maiores, mas grande parte da malta ouve uma mão-cheia de faixas de um álbum e rapidamente perde o foco e “desliga’. Com uma duração mais curta é algo mais fácil de se ouvir: vais para o trabalho ou dar uma volta de carro e, pronto, já ouviste o álbum completo!

[Kulpado] Curiosamente, os nossos dois antigos trabalhos têm ambos 16 faixas e para este achámos que já não fazia sentido, então optámos por lançar algo mais curto, e este tem 10 faixas. No fundo, queremos é lançar mais trabalhos, num período menos estendido de tempo, já que são praticamente 10 anos que separam o Muito a Contar” e o Sem Título.

A parte visual deste trabalho (identidade, videoclipes, capa) acaba por ficar a cargo do Chikolaev, que já trabalhou no passado em vários projetos da Mano a Mano. A estética do trabalho é muito homogénea e compacta, revelando para mim um profissionalismo muito acima da média comparativamente ao que é visto na cultura hip hop portuguesa. Como foi trabalhar com ele?

[TNT] O Chikolaev acaba por fazer parte de M.A.C desde o primeiro dia, seja por ser meu irmão, mas também por nos acompanhar musicalmente. Visualmente falando, o trabalho acaba por ficar na totalidade entregue a ele, o que nos deu um certo “alívio” nesse aspecto, mas também deu um upgrade à nossa música, que realmente era merecido para o trabalho que quisemos trazer para as ruas. Essa questão da coesão visual é bastante pertinente porque ele é uma pessoa sempre atenta ao que se vai passando lá fora e realmente é um ponto importante e bastante explorado por esse mesmo pessoal e quisemos apostar forte nisto, já que os tempos assim o pedem também. Como sabemos, os “olhos também ouvem”. Aqui na Mano a Mano é o segundo trabalho que apostamos forte nesta identidade visual, a Ed Harris Tape do Silab & Jay Fella também teve esse cunho do Chikolaev e o feedback foi muito positivo e ficámos muito agradados com o produto final.

[Kulpado] Foi um trabalho de meses da parte dele, 95% disto vem do Chikolaev mesmo, ainda fizemos uns quantos brainstormings para termos ideias, mas grande parte do trabalho surge mesmo da criatividade que ele conferiu ao trabalho! Temos recebido imensos props por este aspecto, às vezes até mais do que pela música [risos]. Mas é completamente merecido, o trabalho está muito bom e profissional, como disse foram meses a fio de trabalho, foi algo complexo de fazer, aqueles vídeos meios de animação com um certo realismo, quase a emular o Sin City. 

Este trabalho vai ter edição física, assim como os trabalhos mais antigos de M.A.C vão ter reedições, certo? 

[TNT] Vamos muito em breve disponibilizar uma edição física para o Sem Título e também resolvemos reeditar o nosso primeiro disco, lançado em 2005, para que alguma malta coleccionadora e não só tenha a oportunidade de adquiri-lo. Estamos a pensar até criar um pack com os três álbuns de M.A.C para que a malta os possa adquirir a um preço mais acessível. Fora disso, temos também uma linha de merchandise na calha, com sweatshirts, t-shirts e suportes gráficos do álbum (posters da capa ou dos vídeos). Dia 17 de dezembro vamos até ao Porto apresentar este novo disco no Natal do Marginal e, para quem estiver interessado, vamos levar connosco muito deste merchandise.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos