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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/04/2022

Atracada no conforto.

Lyra Pramuk na Igreja de St. George: como um peixe na água

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 16/04/2022

Lyra Pramuk é uma artista que cresceu em coros de igrejas e foi lá que começou o seu processo de exploração vocal. Isso explica não só a preferência pela voz como seu principal instrumento, como também as abordagens corais na sua composição e um lado estranhamente espiritual e ritualístico nas suas músicas. Era, portanto, de esperar que Lyra sentisse como um peixe na água ao tocar na Igreja de St. George, um sítio que já nos proporcionou uma quantidade incontável de concertos memoráveis, a convite da Galeria Zé Dos Bois no passado dia 6 de Abril.

E a verdade é que foi isso mesmo que sentimos desde o momento em que pisou o altar da igreja (agora palco). A forma como ocupava o espaço, como se movia livremente, como fazia a sua voz ecoar pelas paredes sagradas, todos os sinais de um conforto absoluto da artista estavam lá. E essa energia contagiou-nos a nós público, que assistiu com um olhar reluzente e ouvidos atentos aos primeiros passos dados no concerto, marcado por respirações fortes que criavam ritmos e camadas à medida que era fixadas em loops e iam sendo processadas com efeitos. E foi por entre essas camadas que ouvimos pela primeira vez a poderosa voz de Lyra propagar-se em alto e bom som pela Igreja de St. George num tom angelical que nos deu pele de galinha.

Foi assim que começou a apresentação de Fountain, o disco de estreia da artista lançado em 2020. Sempre comunicativa e simpática, Lyra mostrou-nos, com a ajuda de um computador, o quão imaculada é a sua voz ao vivo, que nos fazia tremer com os seus vibratos e com a sensibilidade transparente que nos transmite quando canta. Sabemos que é uma verdadeira mestre da exploração vocal, não fosse o álbum inteiro feito apenas recorrendo à sua voz como instrumento. Mas a forma como intersecciona a utilização da 1) voz como instrumento sintetizado pós-humanista com criações meticulosas de timbres e texturas diferentes e 2) a voz como instrumento de comunicação de emoções e sentimentos expressados pelas suas cordas vocais poderosas mas ao mesmo tempos ricas em sensibilidade e nuances culminam numa experiência surreal que nos faz achar estarmos a ouvir música do futuro, ao mesmo tempo que com inúmeras referências a campos tradicionais como o folk, a música coral e campos mais eruditos. 

A estes dois componentes é acrescentada uma vertente espiritual que, misturada com as suas influências club, criam uma energia transcendente que nos transporta para uma realidade mais ligada ao nosso subconsciente e à sua ligação com a natureza que nos rodeia. Afinal, como disse a própria artista perto do fim do concerto, o objectivo da sua música e das suas performances é o de assentar os nossos corpos nas frequências das quais todes somos feites, as mesmas frequências que constituem plantas, pedras, água, o planeta, as estrelas e as galáxias, utilizando o som como instrumento para nos conectar à beleza do mundo.

O facto de se ter limitado quase a cantar o seu disco do início ao fim faz com que não haja muito mais a escrutinar sobre esta noite, que serviu mais para vermos uma artista virtuosa ao vivo fazer o que melhor sabe mas que ao mesmo tempo sentimos ter ficado um pouco aquém das expectativas a nível de construção do concerto. Isso não anula a qualidade do que vimos, mas deixou a sensação que havia potencial para criar uma performance ainda mais transcendente e marcante, ainda para mais num lugar como a Igreja de St. George, coberta por uma aura que não deixa ninguém indiferente. Menção ainda para a última música do concerto que criou a rara ocasião de levantar o público todo da igreja e metê-lo a dançar ao som do remix de Hudson Mohawke de “Tendril”, presente em Delta, álbum lançado em 2021 com uma seleção de allstars para interpretarem músicas de Fountain à sua maneira.


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