[TEXTO] Diogo Santos
Lunice, a forma breve de Lunice Fermin Pierre II se apresentar, fez em 2017 a estreia a solo no formato longa-duração, com a edição de CCCLX. Depois da pausa dos TNGHT, duo em que divide protagonismo com Hudson Mohawke, o produtor canadiano aparece sozinho e cheio de ideias. O conceito teatral do registo merece elogios, mas o resto parece relativamente datado e pouco capaz de impressionar.
Não é a primeira vez que um disco se tenta aproximar das estruturas tipicamente associadas a outras artes, como o teatro ou o cinema, principalmente, nas brincadeiras com as sequências narrativas e com o belo e difícil artifício que é contar uma história. Aqui, em CCCLX, Lunice divide a obra em quatro partes, com “espaço” para a entrada em palco “[CCCLX II (Curtain)]”, a pausa “[CCCLX III (Intermission)]”, a troca de roupa “[CCCLX IIII (Costume)]” e o inevitável final “[CCCLX IV(Black Out)]”. O próprio Lunice caracteriza a sua música como sendo orelhuda e pensada precisamente para grandes palcos, grandes festas, grandes encenações…
Recordemo-nos que Graduation fez 10 anos há bem pouco tempo. Ou que Lunice já havia explorado estas mesmas construções rítmicas – sobretudo a repetida presença do baixo com força e muito poder, algo que parece só fazer muito sentido num PA de um palco do Sudoeste dos tempos que correm – nos dois EP lançados em 2011, Stacker Upper e One Hunned.
Neste CCCLX, o também canadiano CJ Fleming é rapper em três faixas. Não sendo extraordinário, o MC é, nem que seja pela quantidade de vezes que surge em cena, quem melhor tira partido do trabalho de Lunice. Depois, ainda há “Drop Down”, tema que cumpre os requisitos mínimos do trap. E “Distrust”, música em que colaboram Denzel Curry, J.K. the Reaper e Nell, que será o tema menos esquecível do registo.
Este Lunice a solo parece um artesão com a mesa de trabalho numa valente barafunda: parafusos na caixa dos pregos; pilhas de esboços; lápis por afiar; e uma chávena já sem café, mas com o açúcar todo grudado no fundo. Quem escutar CCCLX ficará certamente com a garantia de que está perante um produtor que não olha a despesas. Lunice ataca o ouvinte com tudo o que há de baterias, teclados, baixos, sintetizadores, efeitos…
Há aqui alguma ambição, é certo. Ah, e boa sorte a imaginar uma qualquer obra em que CCCLX assente que nem uma luva. Simuladores de futebol não contam.