pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/03/2023

Entrega total e constante.

Luís Vicente: “Gosto que o factor surpresa esteja bastante presente”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 02/03/2023

Luís Vicente tem um ar tranquilo: o sorriso que tem no rosto quando se senta num espaço no Chiado para a conversa que se segue não permite que se perceba imediatamente que pertence a um irrequieto espírito criativo. Em vésperas do arranque para uma digressão à frente do seu 4tet – com quem acaba de lançar, através da Clean Feed, o álbum House in The Valley -, o trompetista abre o livro e o jogo e revela ideias, experiências e dúvidas que lhe alimentam o fervor.

Com o saxofonista John Dikeman, o baixista Luke Stewart e o baterista Onno Govaert – cada um deles dono de uma irrepreensível reputação -, Vicente tocará na loja lisboeta Jazz Messengers (quarta-feira, dia 8 de Março), no Grémio Caldense das Caldas da Rainha (dia 9) e na Casa da Cultura em Setúbal (dia 10), num rápido périplo em que espera repetir a intensidade da entrega que o seu lançamento recente tão bem documenta.

A conversa é livre, franca e não planeada e toca em múltiplos aspectos do seu momento presente e do futuro que nos próximos tempos tem por diante. E deverá servir de convite a que se marque presença num concerto em que, como aliás sempre acontece, promete dar o máximo.



Este quarteto parece uma anedota, daquelas que começam assim: “dois americanos, um português e um holandês entram num bar…” É uma coisa, assim, muito internacional. Como é que vocês os quatro se reuniram aqui? Obviamente já tinhas uma relação com o Onno e com o John Dikeman, mas é sempre uma proposta diferente em cada momento, não é?

Claro. Então, como é que isto aconteceu? Eu elaborei um projecto, foi a uma candidatura na GDA e consegui o apoio da GDA. Seria com o John… O John estava inicialmente envolvido e o Onno também. O baixista não. O baixista inicial era para ser o John Edwards, mas infelizmente, semanas antes, ele escreveu-me: “Olha, quase de certeza que não consigo fazer a tour. O meu pai foi para o hospital de urgência, é muito grave e eu vou ter de dar-lhe apoio.” Isso foi semanas antes da coisa acontecer. Eu contactei o Luke e ele estava livre e interessado. A coisa aconteceu assim.

Nós vemos muito estes discos de jazz, que são o resultado de encontros pontuais, creditados aos músicos envolvidos naquele determinado momento. Ver isto creditado como Luís Vicente 4tet, indica-me que há aqui vontade de futuro. É essa a intenção?

Sim, sim. Aventura começou, continua e tem um futuro próximo pela frente.

Destas datas que vocês anunciaram, três delas são em Portugal — Lisboa, Caldas da Rainha e Setúbal — e vão ser gravadas na eventualidade de daí sair mais material?

Curiosamente, ainda não pensei nisso. Ainda não contactei nenhuma das salas para saber se essa possibilidade pode vir a acontecer ou não.

É engraçado, porque dá-me a ideia de que nesta “zona” musical as coisas acontecem todas muito natural, orgânica e inesperadamente. “O que acontecer, aconteceu. E se acontecer, a gente logo vê o que fazer com o que aconteceu”. É um bocado isso?

É um bocado por aí. Eu sei que o Ricardo costuma gravar quase todos os concertos que acontecem nas Caldas. Ele confirmou-me que ia gravar. Houve salas que gravaram apenas para arquivo, mais nada — nenhuma futura edição ou algo do género. Eu sabia que o Ricardo ia gravar e aconteceu. Gravou. Podia ser utilizado ou não. Neste caso, eu gostei da música, curti a música, e decidi assim.

Olhando para a tua discografia no Discogs — e deve estar incompleta, presumo eu…

Sim. Eu não actualizo isso. Mesmo no meu site faltam os últimos.

Mesmo assim, a impressão com que se fica é que, apesar de não planeares nada, as coisas acontecem com uma frequência incrível. Agenda peenchida, foco afinado e capacidade de trabalho. Isso define-te um bocadinho, não é?

Sim. Curiosamente, no ano passado, o disco em que eu estive mesmo — mesmo — envolvido e que saiu foi o trio com o Seppe Gebruers e o Onno Govaert. O resto foram participações — aquele ensemble grande com o Evan Parker, que saiu no final do ano pela JACC; uma gravação com um músico esloveno, Samo Salamon, que reuniu dezenas de músicos do mundo inteiro. Outra foi uma colaboração com o Paulo Vicente (e com a Joana Guerra) fruto de um workshop dele, de cerâmica, que ele registou. Estive envolvido com afinco nisso. Eu, quando vou para as coisas, vou com um propósito, se não nem sequer me envolvo com elas.

Na tua cabeça, o que é que distingue o Luís Vicente que nós escutamos num registo como este, o House In The Valley, daquele Luís Vicente que simplesmente aceita um convite? “Aparece aí e vamos lá ver no que isto dá.” É um Luís diferente, aquele que escutas em todos estes contextos, ou é sempre o mesmo?

Não consigo olhar para isso e distinguir com toda a precisão. Eu envolvo-me totalmente em todos os aspectos num disco que eu possa lançar — do primeiro e-mail e do primeiro telefonema à primeira nota escrita e tudo o resto que daí deriva. Aí o grau de envolvimento é total. Se for através de um convite, o meu envolvimento e entrega é igual. Há uma entrega total à música. A minha predisposição é a mesma.

Eu sei que são coisas completamente diferentes, mas permite-me a ousadia da comparação: quando escrevo para o Blitz, eu sei que o perfil dos leitores é “aquele”; se escrever para o Expresso ou para o Rimas e Batidas, sinto que activo diferentes nuances na minha escrita — e já aconteceu escrever sobre a mesma coisa para os três sítios. É como se eu tivesse a noção que estou a escrever para três públicos diferentes que requerem tons diferentes. Enquanto músico, activas isso também?

Eu acho que sou sempre o mesmo, mas sou influenciado por com quem estou a tocar. Por exemplo, eu participei numa gravação e nuns concertos, em Barcelona, há uns meses — é uma gravação que deverá de sair, talvez, para o final do ano. Sabia ao que é que ia, tinha estado a estudar o material em casa, mas nunca tinha tocado com os músicos.

Foste ouvi-los?

Sim, ouvi. Mas agora, quando vou tocar com um grupo meu, sei exactamente o que é que irá acontecer. Mas no que toca à minha pessoa, o foco é o máximo e a entrega é total. Acho que não há muita… Talvez esteja mais presente ou…

Nunca te veio à cabeça, “vou tocar mais quente” ou “vou tocar mais frio”?

Se calhar, inconscientemente, dou mais espaço à pessoa que está na linha da frente desse projecto. É possível que, inconscientemente, isso aconteça.

Isso é uma ética que vocês vão desenvolvendo, não é? “Eu não sou a estrela aqui. O espaço é daquela pessoa e eu só vou entrar quando me derem licença.” É um bocado por aí?

Não é uma norma que siga, mas que, inconscientemente, acaba por acontecer. A não ser que essa pessoa [me diga], “quero que tenhas total liberdade.” Mas a minha entrega é total.

Neste disco, cada um dos músicos está creditado com o seu respectivo instrumento, tal como tu. Mas tu tens uma linha adicional, a da composição. O que é que, neste contexto em particular, significou seres o responsável pela composição? Quando chegaram ao concerto, nas Caldas, o que é que lhes entregaste? Pautas? Eles já conheciam o material?

Eu fiz-lhes chegar às mãos quase a totalidade do material que trabalhámos. Enviei pauta e áudio. Algumas coisas tinha tocado previamente. A tour não se resumiu exclusivamente a essas quatro composições, mas para aí a oito ou dez, e fomos variando o repertório ao longo da tour. Eu fiz-lhes chegar material escrito na totalidade — ou quase — dessas composições. A parte áudio, executada com banda. Outras gravei as melodias de cada uma das composições e enviei. Também escrevi umas linhas acerca de cada tema, da estrutura, as direcções, o approach em cada tema…

Descreve-me uma pauta tua. Quando falas desse approach, dás indicações subjectivas, emocionais?

Houve alguns temas que tinha tocado muito pouco. Tinha uma melodia, uma estrutura e uma composição. Tenho uma ideia do que é que ela é antes de ser executada. Ou seja: “Qual a cor deste tema? Como é que eu sinto este tema e esta melodia? Com este instrumento a abrir o tema, um solo, um duo ou um tutti? Mais composto ou mais aberto? Mais ou menos abstracto ou delineado?” Alguns temas têm coisas escritas, com indicações, no que toca à intensidade e à intenção, a nível rítmico.

O tempo rítmico é definido?

Sim, sim. Posso dizer que o A deste tema é bastante lento, ou é totalmente livre e cada um interpreta à sua maneira, ou é um uptempo, um tempo não tempo… Em muitos temas, não conto e entramos todos.

E seja o que Deus quiser?

Não. Quero que seja assim mesmo. Pronto. Há assim umas coisas, uns temas que são mais delineados do que outros.

Apesar de teres essa responsabilidade de definires a arquitectura dos temas — a orientação, a cor, a melodia principal, etc. — dás por ti, durante os próprios concertos, em que estas coisas estão a ser executadas, a ser surpreendido pelo que os teus colegas estão a fazer?

Claro. É isso que eu… É uma das cenas que mais me cativa na música que faço. Especialmente dos músicos com que me faço acompanhar, gosto que o factor surpresa esteja bastante presente. Para mim, essa é a grande magia dos concertos, do tocar ao vivo — ser surpreendido. Sei que os músicos que tocam comigo são músicos que o fazem de forma natural. Muitas vezes trago umas ideias, umas coisas estruturadas, e “‘bora lá tocar e ver, todos juntos, para onde. Qual é a direcção que isto toma?” Um tema tocado com determinado tipo de músicos é completamente diferente se for tocado por outro tipo de músicos. As coisas estão escritas, mas podemos tocar de outra forma. Ou seja, nunca tocamos exactamente igual. É por isso que eu posso repetir temas aos longo dos anos, porque são sempre diferentes.

Vamos falar de uma coisa completamente diferente. Já por aqui mencionaste a GDA e, olhando para a capa do teu disco, vemos aqui mencionada igualmente a DGArtes. Dirias que actualmente se vive, em Portugal, num contexto em que esta arte — mais exploratória, experimental, difícil, se quiseres — tem o apoio necessário para poder existir condignamente? Como é que tu te sentes neste ecossistema, a fazer o trabalho que fazes? É uma luta diária ou já sentes um pouco mais de amparo?

Os apoios nunca são demasiados. Se olharmos para os países onde tenho tido o prazer de tocar e fazer carreira, fora de Portugal, os meus colegas têm outro tipo de almofadas…

Podes dar-me um exemplo?

Por exemplo: tu dás um par de concertos, declaras esses concertos e ficas com um estatuto que te permite…

Em que tipo de países?

França, Bélgica, Holanda… Uns apoiam melhor do que outros, de forma mais directa e mais fácil de serem alcançados. Nada a ver com a comédia da nossa luta por um estatuto [do artista]. É uma comédia. Este estatuto que existe… Ainda não ouvi ninguém dizer que está a ser favorecido com este estatuto em Portugal. Logo aí, é bastante difícil termos os apoios que esses países têm. Face à pandemia, por exemplo, o governo holandês montou um esquema, o Nationaal Podium Plan, que vigora desde o início da pandemia, em que os artistas receberem X do gig que deram, declaram e recebem outra parte equivalente no topo disso. Durante um período estiveram a receber um suporte mensal de 1000 euros. Isso nunca existiu cá, em Portugal. Apesar de eu dizer que até tenho tido algum apoio, comparativamente a alguns colegas, das múltiplas bolsas e apoios aos quais me candidatei e consegui.

Foste aprendendo a funcionar com essas regras?

Sim. Creio que essas instituições, se calhar, olham para mim de maneira diferente, como consequência de todo o trabalho e percurso que tenho feito, por cá e fora. Acho que isso abona a meu favor. Mas é escasso. Porque nós recebemos um valor, temos de o declarar, fazer um orçamento… Tudo esmiuçado, no final sobra muito pouco.

O que é que recebes, tal como outros músicos que operam nesta área — da música criativa, livre, free, chamem-lhe o que quiserem — quando vais tocar a uma pequena sala com 40 pessoas à frente, algures neste país “gigante” que nós temos? O que é que tu levas para casa ao final da noite?

Se eu for contratado por uma câmara municipal ou por uma fundação, posso dizer que anda ali por volta dos 500 euros. Por aí.

Num caso desses. Mas e quando é o amigo que te telefona a perguntar se amanhã à noite estás livre?

Nos último anos tenho lutado com alguma resiliência. Estamos em 2023 e durante uns bons 10/15 anos (talvez mais ainda) tocava em todo o lado, por tudo e mais alguma coisa. Dos últimos 5/10 anos para cá, comecei a pensar, “já dei tanto e já fiz tanto por isto… Acho que estamos muito bem representados por músicos excelentes, mais jovens e com mais energia, porque é preciso que alguém faça isso, que continue a aparecer, a fazer e a manter a cena viva. Mas pronto. A discrepância é menos um algarismo.

Dos 500 para os 50, não é?

Há casos em que até são metade desses 50. Eu achei que isso não era bom para mim.

Para a tua dignidade enquanto músico?

Sim. Eu estou a lutar. “Epá, apetece-me tanto tocar ao vivo.” Mas penso, “não, vou fechar-me numa sala com alguém com quem queira tocar.” Toco e trabalho. Ou posso estar em casa a compor ou a ouvir música. Não vou voltar… Eu não quero recuar.

Claro.

Emocionalmente, isto é bipolar, até. Num momento tocas num festival em que tens todos os tratamentos de uma estrela — desde a mesa da tua sala, onde receber o e-mail com o convite, até ao momento em que sais do aeroporto, tens alguém para te ir buscar, um hotel com tudo e mais alguma coisa, condições dignas — e às vezes és confrontado, deparas-te com aquele cenário assutador… “Isto?! Não vou voltar.” É uma bipolaridade. O contraste é bastante abrupto.

E a música que tu produzes, em consequência de cada um desses contextos/tratamentos, muda, não é? Ou seja, se tu te sentes bem tratado, a música que tu produzes nessa noite vai ser diferente da música que tu produzes no contexto oposto?

Totalmente. Mas há um parênteses nisso. Já me aconteceu ir tocar a um sítio com excelentes condições, mas em que o factor humano é terrível. As pessoas são frias. Depois há sítios com uma vibe incrível, que dão tudo para que o concerto aconteça. Tratam-te da melhor forma possível. Eu prefiro tocar num sítio pequeno, em que há um público que está mesmo ali a vibrar contigo e há um conforto mesmo fixe no concerto, no antes e no após, do que ir para uma coisa toda charmosa, com condições incríveis, tudo disto e daquilo, mas em que a vibe humana em torno daquilo é muito pouco…

A entrega é sempre igual. Acontece, muito raramente, ir fazer um concerto e estarem dez pessoas na sala. “O que é isto?” [Risos] Depois vamos tocar para uma sala em que estão 100, 200 ou 500 pessoas e a entrega é a mesma.

Mas o combustível pode ser diferente? Pode ser de raiva ou de satisfação?

Sim. Tudo o que sai pelos instrumentos… Toda a música que é reproduzida representa o dia — desde a altura em que nos levantamos até ao momento de chegar a palco. É um espalho disso mesmo.

Temos estado a falar de ti enquanto artista e agente actuante nesta cena, mas há, também, o momento em que tu te recolhes, estás em tua casa, no sofá, a olhar para as tuas redes e a ver como é que a coisa se está a desenvolver. Como é que sentes esta cena musical portuguesa em 2023? Sentes que existem ecos internacionais que apontam para Portugal como uma cena vibrante, que o que está aqui a acontecer é incrível? Até porque és viajado e tens a perspectiva para poder comparar com cenas internacionais.

Acho que está a atingir uma dimensão relevante.

“Relevante”. Gosto da escolha dessa palavra.

A cena portuguesa está a chegar lá fora. Há colegas com quem trabalho, que residem lá fora, que me dizem, “A cena tuga está on fire! Altas cenas a acontecer, muitos sítios para tocar. Fixe, não é?” Também está a acontecer que os músicos mais jovens estão a surgir com a atitude de se fazerem à estrada, de conhecer o mundo. Tenho visto isso a acontecer e é excelente. É uma atitude que acho que não acontecia com a malta da minha geração e de gerações anteriores. Acho que não eram pró-activos e um músico tem de ser pró-activo. Hoje em dia as pessoas querem ser famosas, querem tocar, passam por cima umas das outras e sacrificam muitas vezes a sua própria criação só para ter aquele highlight — aquele foco. Enquanto que as pessoas das gerações anteriores ficavam à espera que fossem chamados. Já sabemos que isso não funciona. Cada vez mais os músicos têm sede de palco. Talvez também tenha sido motivado pela pandemia, de termos estados recolhidos em casa. As pessoas agora estão a desabrochar, a vir cá para fora. Tive no Reino Unido há umas semanas atrás e as questões foram: “Uau! Lisboa? Já tocaste com o John O’Gallagher? Ele está em Portugal e é brutal! Deves conhecê-lo.” E eu, “não. Nunca tive com ele e não conheço bem.” Pelos vistos, mudou-se para Portugal e diz que aquilo é incrível e adora. O [Michael] Formanek acho que também se mudou para Portugal.

O Michael Formanek está cá?!

E o Jeff Williams, um baterista, também se mudou para Portugal. Esse era o tópico das conversas com todas as pessoas com as quais me cruzei em Birmingham, em Londres e todas as cidades por que passei. Até a malta do Vortex, de Birmingham, curadores de venues, falou em, “vamos fazer uma ponte entre UK e Portugal?”

Portugal é este sítio “gigante”, não é? Demoramos dias a ir de uma ponta a outra de comboio [risos].

É, é [risos].

Nesta tal geração a que tu reconheces uma maior pró-actividade, que músicos estás a sentir agora?

Da nova geração… Há um contrabaixista, o José Almeida.

Como é que o conheceste?

Conheci-o através do João Valinho, com quem tenho feito umas sessões. O Valinho também é um miúdo.

E tem-se agitado por aí.

Sim, sim. Tem [risos]. Bastante pró-activo, para voltar a utilizar a expressão. Há um outro jovem, um saxofonista alto, João Gato, que também tem andado por aí. Vi que ele esteve a tocar em alguns dos sítios onde eu estive a tocar também. O João Almeida, no trompete. Há uns dias partilhei uma double bill com o Norberto, o João Almeida e o João Pereira, na bateria, em Amsterdão.

O Norberto Lobo?

Sim. Tocámos na mesma noite. Eles abriram e eu, depois, toquei num grupo, o Twenty One 4tet, com malta de Amsterdão. Há o Samuel Gapp, um pianista com quem tenho tido a oportunidade de tocar. Gostava de poder partilhar — de tocar mais vezes — com miúdos dessa geração. Por uma questão de calendário, de tempo, não tenho tido essa oportunidade. Mas pronto. Tenho feito umas sessões. Também há o João Carreiro, guitarrista, com quem também tenho tocado. Excelente guitarrista da nova geração. Bastante original. Não conheço muitos com o approach que ele tem à guitarra. Talvez me estejam a faltar alguns nomes, mas esses são os que mais me…

E onde andam as mulheres neste novo mapa?

Boa. Não há uma pianista… Há poucos pianistas a suscitar-me interesse, além do Samuel. Acho que não temos pianistas mulheres, cá.

“Pianistas mulheres precisam-se”. Temos de colocar um anúncio. Mas há mulheres trompetistas, saxofonistas, bateristas…

Sim, em todo o ramo. Há uma jovem vocalista, a Mariana Dionísio, que é bastante interessante. Um dia, mais tarde, teria todo o interesse em tocar com ela. Tenho curiosidade pelo trabalho dela.

Mariana, se nos estás a ouvir…

Fala-se de que deve ser dado espaço a executantes femininas, mas eu acho que não há assim tanto interesse aventureiro nas margens do jazz ou da música criativa. Sinto isso.

Esperemos que isso não seja por falta de abertura de quem programa. E como é que tu projectas o resto do teu ano, para lá desta digressão de Março?

Em Março vou ter duas tournées: esta com o quarteto, uma outra, para o final de Março, exclusivamente na Alemanha, num grupo de um contrabaixista de Hamburgo com quem tenho trabalhado nos últimos cinco anos, o John Hughes, e em que toco com um veterano da improvisação, que vive em Berlim, um guitarrista incrível chamado Olaf Rupp e o Vasco Trilla. O grupo foi fundado pelo John e chama-se Gravelshard. Vamos tocar na Alemanha durante os últimos 10 dias de Março. Em Abril recebo cá, em Portugal, o Olie Brice. Era para ser com o trio que tenho com ele e com o Mark Sanders — já tocamos desde 2018 e lançámos o Unnavigable Tributaries, com o qual estive agora em tour, durante umas semanas no Reino Unido. Por tardio ou por falta de abertura dos espaços, não consegui juntar as condições para trazer o Mark, então vou fazer uma digressão sobre tudo em duo com o Olie Brice — eventualmente, temos um ou outro concerto em que haverá um trio, com piano ou bateria. Em Maio vou tocar com o quarteto no Magnet Festival, perto de Frankfurt. Também vou fazer umas datas na Bélgica. À partida, vou tocar com o Andrew Lisle cá em Portugal em duo – estive com ele no Reino Unido e tocámos em Bristol, Londres… Em Junho, o que é que há? Acho que vou tocar com o Tom Malmendier na Bélgica e na Holanda. Talvez o Frame Trio toque cá em Portugal – é um trio que tenho com o Nils Vermeulen e com o Marcelo dos Reis. Julho está muito pobre [risos]. Tenho uma data com a Clean Feed. Em Agosto vou estar em residência no festival de jazz de Saalfelden, na Áustria. Dai decorrer entre 17 e 20 de Agosto, mas eu vou estar de dia 15 a 20 em residência lá, com o Leo Genovese, o Demian Cabaud, o João Pedro Brandão, o Alfred Vogel.

Tudo gente boa.

Sim. O meu trio também toca no festival. Anda não foi anunciado, mas terá como convidado o Tony Malaby. Ainda é segredo. Em Outubro fiz uma tour com o trio e um dos gigs foi em Mechelen, onde estava a tocar o Tony Malaby na mesma noite — dividimos esse double bill. Ele veio ter comigo e disse que se um dia, eventualmente, tivesse interesse… Ele tinha interesse em tocar com o meu trio e houve essa possibilidade. Propus isso ao festival e o festival ficou interessado. Então vamos tocar com o Tony Malaby. Em Setembro vou estar com o trio em tour. E vou tocar no CCB em Outubro.

Eu vou terminar num jeito mais ou menos anedótico, tal como comecei a entrevista: a vida enquanto músico que viaja pelo mundo só te podia correr melhor se tu em vez de trompetista tivesses sido flautista. Porque não há nenhum outro instrumento mais portátil do que o que tu escolheste para te expressar, não é?

É. Ainda há um mais pequeno, se eu andar com um pocket [risos].

Chegas a todo o lado com bagagem de cabine, não é?

Sim.

E isso é uma vantagem.

Sem dúvida. Tanto quando estou por minha conta como para os programadores, que me consideram um “músico amigo” — não preciso de um lugar extra no avião nem nada.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos