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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 15/12/2023

Com música nova na sacola.

Luís Severo na Culturgest: uma noite em forma de canções (tristes) a florir

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 15/12/2023

Silêncio. Não porque se vai cantar o fado, mas porque o homem da guitarra entrou sozinho no palco adornado por flores e vai cantar as suas canções. São canções tristes, estas, mas também felizes. Felizes porque nos apoquentam o coração quando este precisa de ser reanimado; felizes porque nos aquecem quando precisamos daquele abraço. 

A vida de urbano-depressivo é complicada — sabemos isso. Mas as canções de Luís Severo, ex-O Cão da Morte, ajudam-na a ser menos. São retratos vívidos do seu dia-a-dia que, afinal, também é o nosso. Do seu quarto minúsculo brotam canções que enchem palcos e preenchem corações. Esta quinta-feira (14 de Dezembro) à noite foi uma dessas ocorrências.

Na primeira de duas noites esgotadas na Culturgest — a segunda é este sábado, 16 —, Severo fez mais do que apenas encantar-nos com as suas cantigas. Por esta altura, o seu novo disco, Cedo ou Tarde, já devia estar cá fora. Seria esse longa-duração que seria apresentado na sala lisboeta em dupla dose, mas nem a “inexistência” do disco impossibilitou o autor d’O Sol Voltou (2019) de esgotar ambas as datas. Contudo, seja por incertezas, inseguranças, acaso da vida, Cedo ou Tarde só será editado a 19 de janeiro de 2024. A vida tem desses infortúnios. Mas desse infortúnio, nasceu um momento especial — este espetáculo.

A cumplicidade entre a obra de Luís Severo e quem a escuta é notória. Já desde os tempos d’O Cão da Morte que isso se nota, mas foi a partir do lançamento de Cara d’Anjo (2015) que o seu nome ganhou outra dimensão. Em particular, o disco homónimo de 2017 — o seu melhor e mais aclamado trabalho até ao momento — deu-lhe uma outra notoriedade, tornando-o “a” referência para outros cantautores que se seguiriam, d’A Sul ou Bia Maria até Miguel Marôco ou Luís Catorze. Estes nomes, e outros tantos, carregam na sua obra um bocadinho da poesia de Severo. Todavia, claro que essa poesia não seria nada se as canções não fossem jeitosas. As duas mais recentes — os avanços de Cedo ou Tarde —, “Cedo ou Tarde” e “Incerteza”, são dessas: bem jeitosas. Foi com a segunda que Severo abriu a primeira destas duas noites na Culturgest.

Severo diz que este seu próximo disco vai ser “muito emo”. Boas notícias para quem gosta de canções tristes e tenras; nesta quinta-feira na Culturgest, escutaram-se várias. As novas malhas de Severo são slowcore — esse termo que não é lá grande coisa, mas que aqui é bem empregue — de alto gabarito. São canções texturais, onde melodias delicadas surgem como acompanhamento para a sua atmosfera fúnebre e, apesar de tudo, romântica. Se o mundo terminasse amanhã (talvez devido a um sismo), estas canções poderiam ser a banda sonora para esse momento. 

Ao violão, à guitarra elétrica, ao piano, acompanhado ora somente por Catarina Branco, ora por Catarina e coro (João Sarnadas, Mariana Camacho, Orca), ora por Catarina, coro e banda (Bernardo Álvares no contrabaixo e Diogo Rodrigues na percussão), Severo revelou-se o maestro desta jornada (que ainda inclui migalhas de stand-up pelo meio). “Maio” e “Joãozinho” aqueceram o coração; “Planície (Tudo Igual)” e “Vida de Escorpião” (a soar bem gótica) terão levado uma ou outra pessoa às lágrimas (aqui o vosso escriba foi uma delas); “Cedo ou Tarde”, “Amor e Verdade” ou “Primavera” certamente levaram mais umas quantas. Pelo meio, mais canções novas, nomes ainda por desvendar (tirando uma — ao que parece “Insónia”).

Para o final, momentos a relembrar. Sozinho, sem microfone, apenas de guitarra ao ombro. Em coro, escutou-se “Olho de Lince”, canção icónica, hino de Lisboa e Alvalade, que termina Luís Severo. O concerto podia, definitivamente, ter ficado por aí. Mas não ficou. As palmas pediam mais e Severo regressou para mais duas canções. Primeiro, ao lado de João Sarnadas (e restantes), “Videmonte”, canção dos Flamingos (Severo e Sarnadas), que deixou no ar um possível regresso em 2024. Essa promessa não ocorreu totalmente — mas a sugestão ficou em cima da mesa. Depois, todos juntos, “Lábios de Vinho”. Para terminar de vez.

A dado ponto durante o concerto, Luís disse que tinha “muita sorte” em ter-nos, o seu público. Luís, novidade — nós é que temos a sorte de te ter.


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