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Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 07/12/2021

No melhor pano cai a rosa.

Luis Pestana na Rua das Gaivotas 6: ao romper de um novo dia

Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 07/12/2021

Não há melhor forma de começar um dia em plenitude que com um concerto de ambient. O sol brilha com mais intensidade, o ar é mais fresco, a mente está mais calma. Podemos sair do concerto e ir almoçar, prontos para aproveitar o resto do dia e fazer tudo calmamente. É esta a rotina que as sessões JEJUM, organizadas pelo Colectivo Casa Amarela, criam para quem por lá passa. Um belo passeio numa manhã de sábado para despertarmos com ar matinal e prontos para sermos hipnotizados pelos drones que nos esperam para nos encher a barriga. Desta vez, foi a vez de Luis Pestana nos apresentar a sua ementa na sala escura do espaço da Rua Das Gaivotas 6. Em 2020, o músico trouxe ao mundo Rosa Pano, um dos álbuns nacionais mais aclamados desse ano, mostrando-nos que o tradicional e o experimental podiam andar de mãos dadas através da utilização de elementos como sinos, cante alentejano, hurdy-gurdys e samples que vão de José Pinhal a Krzysztof Komeda.

Por isso mesmo, entrar naquela sala foi como se tivéssemos escancarado com uma realidade paralela. Deixávamos o dia solarengo e o ar fresco em troca de um espaço escuro e abafado, com fumo que nos impedia de ver um palmo à nossa frente. Após encontrarmos uma das cerca de 20 cadeiras dispostas para nós, somos confrontados por momentos de silêncio profundo onde apenas a electricidade se ouve, até que os primeiros sons de Pestana começam a ecoar, como se uma voz a surgir por dentro do nevoeiro, ainda indecifrável, aparecesse. A voz foi um dos principais instrumentos utilizados ao longo dos 30 minutos que o concerto durou, criando melodias, dessincronias e momentos de grande tensão.

O mood geral: uma constante sensação de vertigem causada pelos sons que constantemente apareciam, cresciam exponencialmente e desapareciam para dar espaço a que outro som. As vozes, que por vezes eram doces e amenizadoras, transformavam-se também em espectros agonizados que pareciam suplicar por paz; a dicotomia sossego-ansiedade esteve bastante presente especialmente neste elemento, e foi talvez o que mais marcou a actuação.

Havia uma dualidade entre o familiar e o desconhecido causada pela utilização de várias linhas e sons de Rosa Pano de forma desconstruída e reinventada, especialmente os sons analógicos como os sinos, as vozes, e os instrumentos de corda, mas essa sensação desapareceu no momento em que ouvimos o cante alentejano de “Ao Romper da Bela Aurora” que, em alto e bom som, nos fez tremer o corpo com a sua intensidade sónica e emocional (talvez o ponto alto do concerto).

Luis Pestana trouxe-nos muitas sensações distintas em simultâneo e fez-nos começar o dia de um jeito especial e diferente. Vê-lo tocar por entre o fumo que foi, muito progressivamente, desaparecendo é como assistir a uma lição de como fazer música fascinante e inovadora, o tipo de experiência que nos dá vontade de ir para casa fazer algo tão mágico e especial. É difícil pegar em formatos já tão explorados e dar-lhe um twist que se possa chamar de inovador, e é isso mesmo que Luis Pestana faz, fundindo música drone vinda do Oriente, música folclórica portuguesa e uma abordagem avant-garde. O compositor parece trazer ao de cima o potencial que a cultura portuguesa tem para criar algo experimental e único no panorama global — e é isso mesmo que a folk oferece a cada país, uma sonoridade irreplicável, tornando a prestação que vimos também ela difícil de encontrar noutro canto do mundo.

Terminado o concerto, as janelas são abertas e raios de luz entram pela sala, relembrando-nos que ainda temos um dia pela frente. A clareza volta, o ar torna-se leve de novo e vamos às nossas vidas com a sensação de uma manhã bem passada e com vontade de voltar a mais um JEJUM.

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