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Fotografia: Henrique Falci
Publicado a: 23/06/2025

A cantora de Salvador, Bahia, editou dois álbuns recheados de convidados sonantes em menos de um mês.

Luedji Luna: “Não tem diva perfeita, não tem alecrim dourado. Só tem uma mulher humana, uma mulher real”

Fotografia: Henrique Falci
Publicado a: 23/06/2025

O ginásio cheio reflete a popularidade que Luedji Luna tem conquistado no Brasil. Mesmo assim, ela não se considera pop. Em Campinas, no dia 14 de junho, ela fez o último concerto da tour “Luedji Luna Canta Sade”. Finalizou um ciclo para iniciar outro. Um dia ante, sem avisar ninguém antecipadamente, ela tinha apresentado ao mundo o álbum Antes Que a Terra Acabe. Isso não seria uma surpresa se 18 dias antes não tivesse lançado Um Mar Pra Cada Um,

Quase uma hora depois de encerrar um show irrepreensível de cerca de duas horas para perto de 1500 pessoas, Luedji Luna me recebeu no seu camarim. Com a voz desaquecida e ainda com o figurino, um vestido verde brilhante, a cantora me pergunta se pode comer enquanto conversamos. A resposta foi óbvia: “Com certeza.” Porém, acredito ter atrapalhado esse momento importante para entender um pouco sobre esses dois discos, que já estão entre os favoritos de muitos brasileiros.



Todo mundo foi pego de surpresa quando Antes Que a Terra Acabe chegou sem você avisar pra ninguém. Mas você deixou isso meio implícito no título de Um Mar Pra Cada Um, colocando uma vírgula ali, né?

 Sim… 

Foi proposital?

Eu fiz Um Mar pra Cada Um, e Antes Que a Terra Acabe ao longo de 2024. E aí, eu fui percebendo que eu estava com muita, muita música. Algumas produções que foram ficando prontas eu fui experimentando uma ordem pra tentar achar uma coesão e uma coerência entre as músicas, e aí eu vi que eu já tinha um disco, que era o Um Mar Pra Cada Um,. Ele nasceu primeiro e se impôs. Eu falei: “Nossa, eu não vou insistir em colocar aqui as outras que sobraram, e foram muitas, porque aqui já é uma história… já é um universo que se criou aqui, eu vou respeitar isso.” Na sequência veio o insight de compreender que então não era um disco, eram dois discos. O Antes Que a Terra Acabe nasceu depois, até “ontem” eu estava decidindo o que ia entrar e o que ia sair. Literalmente, eu finalizei ele em 2025. E foi assim que veio a história Um Mar Pra Cada Um, Antes Que a Terra Acabe. Eu não queria lançar os dois de vez, e para criar esse mistério e essa intenção de continuidade, eu botei a vírgula e não falei nada. Algumas pessoas na Internet perceberam, outras não perceberam, algumas pessoas perguntaram. E aí com o lançamento do segundo álbum tudo fez sentido, porque o nome do projeto, o nome do show novo é “Um Mar Pra Cada Um, Antes Que a Terra Acabe”.  

Você fala muito sobre o amor nos dois discos. No primeiro é meio que um desabafo, e no segundo tem aquela sensação de libertação daquele peso. Como foi o desenvolvimento dessas ideias?

Eu percebi que o Um Mar Pra Cada Um, tinha muitas canções sobre busca. Eu estou buscando amor,  eu estou perseguindo amor… O amor é, tipo, uma demanda de Um Mar Pra Cada Um, né? Quando eu mando aquele áudio pra minha amiga falando: “Você merece mais…” Eu tô buscando um amor, não pra mim, mas pra ela, né? Então, em “Rota”, “Dentro Ali”, eu tô esperando amor, tô buscando amor.  Então eu sinto que o primeiro álbum é sobre essa busca, e aí eu fui me questionar por que eu busco tanto, por que é uma demanda pra mim o amor e porque eu tô dando amor com essa dimensão, porquê essa profundidade, porquê essa intensidade, porquê tanto? Assim eu descobri que é porque eu também quero receber esse amor. A minha carência é igualmente oceânica, porque minha necessidade de validação, necessidade de me sentir desejada, minha necessidade de me sentir amada é também oceânica. E aí eu resolvo essa questão com a conclusão de que eu sou digna de ser amada porque eu sou um ser divino. Dessa forma eu consegui encontrar a tradução desse amor divino no trabalho de John Coltrane, que é o A Love Supreme, e é por isso que Um Mar Pra Cada Um, tem sopros e tem muito instrumental, porque eu tenho como referência esse trabalho. Então é um disco que tem o amor na dimensão romântica, mas também tem o amor na amizade, tem o amor na dimensão espiritual, do autoconhecimento, do auto-amor, de dizer assim: “Nossa, eu não preciso buscar tanto, eu me amo, eu sou amor por natureza, Deus me ama, tá tudo certo.” Mas aí, em Antes Que a Terra Acabe, eu percebi que as canções eram muito sobre… Geralmente, Apocalipse vem como revelação, né? Que tem essa interpretação também do que é o Apocalipse. Algumas pessoas acham que é o fim, e tem a interpretação de que é revelação. Aquela coisa que Deus vem para revelar. Então, eu percebi que em várias canções do Antes Que a Terra Acabe eu tô me revelando. Eu tô me expondo. Expondo minhas contradições, meu erro, minha responsabilidade afetiva, minha sacanagem. É pura sacanagem mesmo.  Sabe, nas letras, tá tudo muito… Então eu revelo… até onde eu posso ir. Tem até uma frase dessas numa das músicas: “Cada buraco que eu me enfiei.”

Mas reflete também a realidade de todo mundo, do ser humano…

Mas é isso que a gente é, entendeu? E é bem bonito esse trabalho como todo, tanto um disco como outro, porque me humaniza, sabe? Não tem diva perfeita, não tem alecrim dourado. Só tem uma mulher humana, uma mulher real, uma mulher ordinária da rua. É isso que eu sou, sabe? Mesmo sendo artista e sendo colocada nesse lugar de deusa, não é sobre isso. Antes Que a Terra Acabe é o disco mais honesto, revelador, me expõe, me desnuda, sabe?

Você falou do Coltrane… e no primeiro disco você começa com uma espécie de free jazz que me pegou. Falei: “Não estava esperando isso.” Mas ele te prepara para o que vai vir ali.  Porquê começar daquele jeito? 

Pois é, depois que eu bebi de John Coltrane, eu falei: “Esse é um disco que tem que começar com sopro, porque é o sopro que anima a vida, o sopro que dá origem à vida.” O espírito quer dizer isso, né? É vento, é sopro, né? E como eu tô falando de amor e cheguei nessa conclusão de que amor é Deus e que eu sou um ser digno de receber amor porque eu sou um ser divino, eu compreendi isto: “O amor tá na origem de tudo.” Se Deus criou tudo, o amor tá na origem de tudo. Desde aquele primeiro grão de areia que se expandiu e gerou Big Bang até, enfim, nós humanos, a gente… é amor por natureza. O amor embrionário. Então, por isso o nome “Gênesis”, porque eu tô afirmando, tudo começa com um sopro, o sopro de Deus, e o amor tá aí, no início de tudo. O engraçado é que eu fui lá para o meu início, para o lugar onde eu aprendi a amar. É por isso que tem tanto mar, porque eu sou de Salvador. Toda minha vida é essa fotografia, é essa paisagem. Eu aprendi a amar com essa paisagem, com o mar, com as águas. Por isso, fui gravar lá em Salvador com músicos baianos, todos os quatro músicos — o Ubiratan Nascimento, Bruno Mangabeira, Nei Sacramento e Angelo Santiago. Eu gravei com músicos baianos e em Salvador, que é o meu fundamento de amor, entende? Então faz todo sentido ser “Gênesis”, ter sido gravado na Bahia, ter sido gravado com músicos baianos e eu assumi que ia ser instrumental… Porque esse disco é sobre som, mais do que sobre a poesia. Também porque eu descobri, em 2024, o poder do som. Eu comecei a usar frequências sonoras pra dormir e comecei a fazer terapia com sound healing. E aí eu descobri que o som pode curar, pode mudar as nossas moléculas, fazer bem. Eu falei: “Eu trabalho com música e talvez eu não esteja usando um som na sua máxima potência.” Em “4hz” eu uso uma frequência binaural… dá pra escutar, se você não se ater muito ao texto, dá pra ver que como pano de fundo tem uma frequência ali o tempo todo. Tem também sound healing na última track, no “Baby Te Amo”, além de flauta xamânica, tambor xamânico… e tem muito espaço para improviso, muito espaço para o protagonismo dos músicos. Tanto que é um disco que tem mais feat com músicos do que com cantoras — só tem duas cantoras. No entanto tem Takuya, tem Karina, tem os músicos de Salvador, tem Nubya Garcia, Isaiah Sharkey na guitarra. O primeiro é um disco sobre o som, é sobre música, cara.

E você falou da Nubya e Takuya, que fazem participações em Um Mar Pra Cada Um, e no segundo  tem Rapsody, MC Luanna, Robert Glasper… São artistas incríveis que você conseguiu registar aqui. Como essas conexões aconteceram?

Takuya eu não conheci pessoalmente, mas eu conheci o Brett, que é empresário do José James, e eu conheci o Takuya Kuroda através do trabalho do José James. E ele tem um trompete tão presente no trabalho do José James que parece que eles são dupla sertaneja. Ele brilha muito. Aí, me deu um insight: “Nossa, se eu preciso de sopro, eu vou atrás do Takuya”. Como o Brett conhece muito o Brasil e a música brasileira, já nos conectou, ele topou e foi. A Nubya Garcia eu conheci através do meu irmão, que é engenheiro ambiental, mas é meio que um vereador de Salvador, porque é muito sociável, né? E aí ele conheceu a Nubaya lá no verão, porque ela estava em Salvador de férias… E ele falou: “Pô, conheci uma saxofonista de Londres foda, o nome dela é Nubya Garcia.” Eu falei: “Pô, eu já ouvi falar.” Depois ela foi num show meu lá em Salvador e começámos a nos seguir. A Karina Siervi eu conheci por causa do sound healing, ela era minha terapeuta e eu conheci a técnica e a chamei pra perto. No segundo (disco), a Rapsody eu conheci porque eu trouxe ela no ano passado lá no meu festival, Manto da Noite. Nossa, ela é um ser de luz, assim. Não existe na terra um ser desses. Ela é maravilhosa… Pra mim ela é a melhor dos Estados Unidos, sabe? Ela topou participar, mas demorou pra mandar, tá? Demorou, porque ela ganhou o Grammy e ela ficou muito ocupada. Então, assim, ela mandou em 2025, e eu fiz o convite no ano passado. Eu já estava quase desistindo, mas ela pediu desculpa. 

[a assistente interrompe, dizendo que faltam alguns minutos porque precisam ir]

Eu tô falando pra caralho… (risadas)

Sem problemas!!

 … aí, o Robert Glasper, essa história é mais antiga. A primeira vez que eu encontrei com ele foi aqui no Brasil, no Blue Note em São Paulo. Mas foi aquele rolê de “oi oi, tchau tchau”, sem muita intimidade.  Depois eu fui pra Nova Iorque, em 2023, fazer um show na universidade lá, e aí eu consegui ingresso para os shows que ele faz no Blue Note de lá, que é tipo um clássico e sempre tem um convidado surpresa. E foi uma noite tão mágica porque já estava sold out, não tinha como entrar, mas a gente conseguiu entrar e ver do bar… Depois, do nada, eu consegui uma mesa de frente pra ele (eu estava junto com o meu baterista, o Jhow Produz), e a gente viu o homem à distância de um metro, depois a gente foi no camarim e tirei foto. Aí, beleza. Foi através da Adi Oasis, com quem eu fiz um feat, que é amiga dele. Depois, ela fez um grupinho no WhatsApp, mostrei o trabalho com uma produção que ia ser outra música… ele ia gravar “Kyoto”, que tá no primeiro disco. Porém, ele falou: “Não, vamos fazer uma coisa do zero.”

Ele já mandou tudo pronto?

Mandou o teclado junto com uma base, que o Duda Raupp complementou… Eu lembro que nessa ocasião que a gente estava conversando no WhatsApp, eu falei: “Pô, vou fazer meu primeiro show em Los Angeles, você não quer ir?” Ele falou: “Quero”. E apareceu lá no meu show em LA. Foi assim que a gente se conheceu de verdade, né? Porque antes eu era só uma fã indo no Camarim, né? Aí virou uma amizade… Dessa vez, ele foi me ver como artista… ver o show. E é um cara humildíssimo, humilde de um nível, sabe? Que responde, que tá disponível, que compartilha, que incentiva. O cara é foda. Eu falei: “Mano, o que você quiser do Brasil, eu te dou. Tá em suas mãos. Tá aqui ó, o Brasil é teu.” E o Brasil precisa acolher mais o trabalho dele porque é um artista super importante lá fora… Robert foi assim. E quem mais? Ah, MC Luanna. 

Como foi? 

MC Luanna é uma das MCs que meu marido (Zudizilla) mais gosta… É dessa leva da nova geração, tipo Ajuliacosta, Duquesa, a Ebony — de todas essas meninas da nova geração do rap, ele curte muito a MC Luanna e falava muito dela. Mas eu nunca tinha parado pra ouvir. Aí, ano passado fui ouvir o último disco dela e fiquei muito emocionada. Saí mandando música pra umas amigas, porque fazia sentido. Malhava ouvindo o som dela. Sabe quando você precisa de força pra malhar? Ela estava me dando força pra viver. Falei: “Pô, essa mina é muito braba, vou chamar ela.” Eu queria fazer uma coisa com uma dessas meninas da nova geração, e aí eu escolhi ela por causa do último disco dela, aí ela topou, de pronto. A ideia era colocar a nova geração com a velha guarda… é por isso que ela está junto com a Rapsody. Quem mais está nesse disco? 

Tem Seu Jorge…

Seu Jorge, a história é ainda mais louca. A gente estava no mesmo festival de jazz lá no Rio de Janeiro — o Rio Jazz Fest. Foi lá que eu conheci ele pessoalmente, porque a gente só se seguia na Internet, curtia uma coisa ou outra, mas sem muita intimidade. Aí, finalmente a gente se encontrou e nessa ocasião a gente ia gravar um filme da Anna Muylaert, que vai ser lançado agora dia 7 de agosto, que é A Melhor Mãe do Mundo. Eu falei: “Nossa, a gente vai gravar junto, né?” Depois, foi coisa de um mês e a gente começou a se encontrar mesmo em cena, ele como ator e eu como atriz de cinema pela primeira vez. A gente deu rolê, virámos brother… O cara é dado. Geminiano de ir pras coisas, de colar nos rolês… E ficámos amigos, assim. Demorou um tempo e eu fiz essa letra. Gravei voz e violão, e mandei pra ele no WhatsApp. Ele respondeu: “É pra já.” A gente gravou no ano passado e estou guardando essa música há muito tempo porque eu decidi que ia ser do segundo disco, não do primeiro. Mas Seu Jorge é essa pessoa que a vida colocou no meu caminho em várias circunstâncias. O Arthur Verocai eu não conheci pessoalmente, mas o Fejuca queria um arranjo de cordas, e eu falei: “É o meu momento. Eu quero o Arthur Verocai.” Fui atrás dele… ele gosta de falar por telefone. Quando ele me ligou, eu estava nervosíssima. Falei: “Ah, aqui é a Luedji Luna, cantora, rola fazer um arranjo?” Ele pediu tudo que precisava, escreveu, gravou e foi, que foi. E amou. Ele disse que amou estar nesse trabalho, disse que é lindíssimo, elogiou minha voz… Eu vou até emoldurar o comentário dele. E assim se fez o Antes Que a Terra Acabe… Ah e tem também tem a Alaíde Costa…

Essa música (“Bonita”), para mim, é uma das melhores do disco, porque a voz dela traz uma beleza e o título da música também…

Ela tá bem idosa, mas a voz encorpada, perfeita, ela improvisando no final comigo. Pra mim também é uma das melhores do disco, modéstia à parte. A Alaíde eu tô há muito tempo namorando. Sempre em entrevistas pedem pra eu falar dela ou prestar homenagem… Eu conheci a Alaíde através do trabalho do Milton Nascimento. E aí tem uma pesquisa de um rapaz, que eu não sei qual a universidade, se é USP, se é Unicamp, que ele fala sobre essas vozes negras fora do samba, né? Além dela, tem outras cantoras negras da mesma geração que ficaram apagadas nesse lugar, da bossa nova, do jazz, porque não escolheram fazer o samba que era um lugar dedicado para o canto das mulheres negras, né? E aí, então, Alaíde está num momento de reconhecimento tardio de um gênero que ela ajudou a construir. Está num momento muito bom, fazendo coisas com pessoas incríveis, só que ela também não faz com todo mundo. Por isso me senti muito honrada quando ela gostou da música e me deu essa honraria de gravar. Pensando em bossa nova, não podia ser outra cantora para cantar. Eu canto em inglês, ela faz a parte em português. Ficou lindo, ficou lindo. Minha primeira bossa… Nesse disco eu tenho meu primeiro reggae, minha primeira bossa — a minha primeira vez em muitas coisas.  

 Hoje você se considera uma cantora pop? 

Não me considero uma cantora pop porque eu não faço pop, e não me considero uma cantora pop pois eu não sou conhecida assim pelas massas. Eu sou uma cantora que tem um público muito fiel e que vai crescendo gradualmente. Mas eu não tenho um sucesso estrondoso que essas cantoras pop têm que do nada ficam super famosas e que não conseguem ir no mercado… Nossa, minha vida é super ordinária. Eu faço minhas compras, eu vou à feira, eu levo meu filhote pra escola. Eu amo a vida que eu tenho, assim, low profile, sabe? Sem a agonia do pop. O pop é muito agoniado. Eu ia ter que andar com segurança, com uma estrutura… Não, não. Eu não me acho assim… Tenho certeza que eu não sou pop. Eu sou uma artista no caminho do meio: nem alternativa e nem mainstream. Tô no caminho bom. No caminho que Deus me deu.


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