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Fotografia: Adriana Proganó
Publicado a: 02/12/2020

Cada vez mais legível.

Lourenço Crespo: “Neste disco tentei tornar as coisas mais universais que nos anteriores”

Fotografia: Adriana Proganó
Publicado a: 02/12/2020

Quatro anos separam Nove Canções, o primeiro projecto de Lourenço Crespo, da sua recentemente lançada sequela self-titled. Mas isso não significa que o jovem artista da Cafetra Records não se tenha mantido ocupado. O disco surge depois de um período especialmente prolífico para o músico, com participações em álbuns de colegas da sua editora e do lançamento do segundo trabalho do duo Iguanas, parceria com Leonardo Bindilatti

Portanto, ainda que a espera pelo retorno em nome próprio não tenha sido curta, Lourenço Crespo nunca saiu do radar. O resultado de toda a experiência adquirida é claro em Lourenço Crespo. É um álbum maduro, encorpado, um passo em frente no percurso que Nove Canções iniciou. 

Pelo Zoom, a sala de reuniões mais lotada de todos os tempos, o Rimas e Batidas “sentou-se” com o artista para falar sobre o seu novo projecto, as virtudes da produção de B Fachada e a nostalgia que permeia cada vez mais aspectos da nossa cultura popular. 



Notamos neste trabalho alguma melancolia e pessimismo, mas também esperança e alegria, ecoando este período que atravessamos mas também o futuro. Quando é que escreveste este álbum?

Foi antes. Só comecei a gravar a meio da pandemia, em Maio, compus no ano anterior. Em Janeiro, Fevereiro já tinha quase todas, só depois é que fiz mais uma. Durante aquele período de estar em casa só estive a melhorar as músicas.

A gama de instrumentos que usas é maior. Isto foi uma escolha inicial ou foste acrescentando camadas sonoras à medida que foste “desvendando” as canções?

Antes [da gravação] gravei o disco com a Sallim, o A Ver O Que Acontece e o disco do Éme, Domingo à Tarde, e fiz uns arranjos de guitarra. E fiquei com mais vontade de ter mais instrumentos no disco, fazer uma coisa mais variada e mais cheia. O outro é muito solitário a comparar com este, este tem o Pedro Sousa, o João Dória, a Sallim… E estando com o B [Fachada] na produção, e já que tínhamos combinado gastar tempo e fazer as coisas com cuidado, teria que ir por aí no meu disco.

Foi o resultado que tiveste em projectos de amigos teus e no fundo quiseste transpor isso para a tua própria música.

Sim, teve muito a ver com isso.

Primeiro, fala-me um bocadinho de como o álbum começa. “Eras tu de certeza” é algo ameaçadora no seu instrumental. A quem te referes?

Não é ninguém específico. Quer dizer, é um gajo muito específico, na verdade [risos].

Pergunto porque apesar das declarações que tu fazes serem banais e inócuas. o instrumental torna aquilo tudo um bocado ameaçador, como se levasse água no bico.

Claro, mas acho que isso ao longo do disco acontece, não é só nessa canção. Acho que há sempre essa cena de criticar tudo e eu obviamente também sou criticado, ou referido. Acontece montes de vezes nas canções, o sujeito nunca é único, eu nunca sou o narrador nem uma personagem ou sou todos ao mesmo tempo, assim dá para ir para vários sítios.

Lidas com questões de identidade: “Eras tu de certeza”, “Medo de Mudar”, em “Fetra!” ouvimos “Quero melhorar/ Mas quando der jeito”. Achas que o título também é um reflexo disso? Porque não lhe deste um título como, por exemplo, Doze Canções? Será este trabalho mais identificativo e por isso é que o tem o teu nome?

É o meu preferido, é o que melhor explica quem eu sou agora ou com o que eu me identifico mais agora. Eu não consegui arranjar um título que resumisse bem a ideia, e acho que a cena self-titled é a maneira mais limpa com que o disco podia ser ouvido. Eu pensei em várias hipóteses, mas fui numa de a leitura ir o mais limpa possível quando fosses ouvir. Ele inevitavelmente é self-titled, não é? Quando não tem título é self-titled.

Como é que foi trabalhar com o B Fachada? Foi a primeira vez que trabalhaste com ele em projectos teus?

A primeira vez que trabalhei com ele foi no Gang$tar, disco de 100 Leio, uma banda que eu tinha com a minha prima, a Maria Reis, [que] ele produziu. Depois gravei o Último Siso do Éme, em que eu toco teclado, e depois do Domingo à Tarde este é o quarto disco que eu gravo com o B. Desta vez acho que ele esteve mais envolvido no processo das canções. Quando lhe mostrei tinha seis, metade do disco, e conversámos sobre o que é que poderia ser a segunda metade do disco. Voltei para casa, fiz o resto das canções e mostrei-lhe tudo, e a partir daí começámos a falar de como é que íamos gravar o disco e que tipos de arranjos é que iam ser feitos. Portanto, ele esteve presente na pré-produção e depois a gravar ele é que fez os beats e os baixos. Fizemos primeiro a base, e estivemos a fazer o disco com muita calma. Voltei para casa com as bases para fazer os arranjos e depois voltei lá e passámos muito tempo. E aí é que se nota uma maior diferença em ser um disco produzido pelo B, é no trabalho das vozes que foi feito. Foi feito com muito cuidado e com muita atenção, e com tempo para fazer as coisas bem. E as vozes ficaram bem, ficaram mesmo bem [risos].

Neste caso, como eram coisas mais tuas, sentiste mais resistência ou foi mais difícil tirares coisas que tu se calhar gostavas mas que se calhar não se adequavam muito consoante o que ele te disse?

Este já era o quarto disco que eu ia gravar com o B, portanto já sabia o que é que poderia ser trabalhar com ele outra vez. E eu queria muito que ele produzisse, queria esse input dele e é sempre para melhorar a canção, é sempre para cada música ficar melhor e puxar o melhor de cada uma. Aprendi muito com o seu método de trabalho, como ele faz as coisas, mesmo a compor, e como ele deita fora coisas nas músicas. E a partir daí é uma cena que eu já faço muito, por isso já sei o que é que ele vai gostar porque em princípio vai ser o que eu vou curtir também. 

Há muita sintonia entre vocês.

Sim, há bastante. Ele como produtor só está mesmo a sacar o melhor para ti. Ele está sempre a puxar, a querer pôr as coisas melhores, com muito cuidado, muita atenção, e uma sensibilidade muito rara. É um produtor muito bom, gosto muito de trabalhar com ele, nota-se muito a ajuda dele, e como ele tem um método de trabalho profissional independente que eu nunca vi. Aquilo foi gravado na casa dele, no seu estúdio-cave. E está pro.

O single “Escandaleira” é pesado nas suas palavras mas, tirando o bombo, os graves mal se ouvem, prefere “picar do que afundar”. Foi propositado?

Acho que no geral o disco todo tem essa onda seca. Nós gravámos tudo muito seco para aquilo ficar simples e legível e se quiséssemos mais alguma coisa colocávamos depois. Sempre que acrescentávamos um tipo de efeito, ou sempre que aquilo ficava menos seco ou menos terreno, soava um bocado esquisito. Estava a soar bem como estava, um bocado antigo, a falta de graves não é muito de agora. 

Eu notei especialmente nessa música.

Sentiste falta dos graves nesta? [Risos]

Nem é uma questão de falta, foi o caso mais curioso porque as guitarras ouvem-se muito bem, e a música é um bocado pesada em termos do que tu estás a dizer, mas o instrumental é leve.

Esse tipo de coisas nas canções acontece um bocado sem querer mas esse tipo de contraste faz sentido. Mas é verdade, é uma música pesada com um instrumental mais tipo bossa, uma cena tipo Jorge Ben Jor slo-mo [risos]

Acho que este álbum é mais maduro, não só a nível de arranjos e instrumentais mas também a descrição. 

Eu gravei o disco do Éme, e estive muito envolvido no disco da Francisca [Sallim], toquei guitarras e teclados, e o disco de Iguanas, que eu também escrevi as canções. Depois destes três discos isto ia ter que soar muito diferente e com outro tipo de experiência. E ouvindo agora [Nove Canções] soa muito diferente, e soa um bocado naïve de certa maneira. Se eu não tivesse mudado e se este disco não estivesse mais maduro é que ia ser preocupante, com tanto tempo a continuar daquela maneira. Mas acho que mesmo assim mantêm-se muitas coisas do disco anterior, identifica-se muito, acho que o estilo de escrita não mudou assim tanto.

Acho que o estilo de escrita não está muito diferente, mas focas-te noutras coisas agora.

Sim, claro, acho que é tentar tornar as coisas mais universais que os anteriores, mantendo sempre o foco pessoal, o foco experiência, coisas que eu sei do que é que estou a falar. Tornar isso mais legível para mais pessoas, para que tu possas ouvir e pegar naquilo e tornar aquilo sempre teu, poder ser sempre sobre ti, sobre alguém, poder agarrar-te através da minha experiência própria com o resto através de uma letra que seja divertida e que te pegue e que bata. Aquilo tem que bater.

Noto mais influências neste álbum, a questão de ouvir mais guitarras, especialmente em músicas como “Fetra!”. Achas que te estás a afastar um bocado do espectro da pop que é o teu apanágio ou achas que é simplesmente uma expressão diferente disso?

Essa música faz-me imenso lembrar a minha primeira banda, os Kimo Ameba, é um bocado dessa onda, e mesmo 100 Leio é sempre pop, é sempre indie! [Risos] A cena do género não é uma cena que me preocupe, de todo. Eu acho sempre e tento sempre que aquilo seja minimamente catchy, e catchy é sinónimo pop. Mas isso é de estar viciado. Mas tem mais guitarras, quando estava a ouvir e a ver que o disco estava a ficar mesmo seco, fez-me bué lembrar Fall Out Boy e My Chemical Romance, a cena indie rock americano 2000s. Achei que estava a soar assim uma cena mais entusiasmante, o som do álbum ser assim mais dry e estar mais directo, fez-me lembrar essas cenas que eu ouvia quando era puto (e que ainda oiço agora). Não sei se estou a fugir de alguma coisa, acho que é sempre ao encontro de quem eu sou e se calhar este disco voltou mais atrás nas minhas influências.

Acho que é um reflexo de cada pessoa revisitar o passado, revisitar o teu percurso artístico.

Claro, e mesmo as letras estão a referir muito o passado, e acho que os instrumentais, essa cena rock que estás a dizer, vem toda daí também, da memória.

No teu trabalho anterior não há tanto a presença de instrumentos como guitarras, e portanto foi uma diferença que eu notei neste álbum, especialmente porque no Nove Canções o proeminente eram os teclados.

Mas o início da Fetra era muito rock, muitas guitarras. Portanto nunca foi um problema, não é um coisa que me stressa, o instrumento, o género. A base é sempre uma canção, fazer uma canção inteira.

Este som que talvez se oiça de mais rock e que tu sentes, e estares a falar do passado também, é por estares a sentir alguma nostalgia face aos tempos anteriores da Fetra?

Sim, tem a ver com estar cada vez mais nostálgico, porque é uma coisa que é muito imposta para ti. A cultura popular de agora está sempre a marrar nisso. O pessoal é completamente obcecado pelo passado, no Facebook, no Instagram, a memória, olha esta fotografia. Acho que isto deve estar sempre a acontecer ao longo das gerações, mas agora mais do que nunca estão-te sempre a pôr com o passado em cima. Todos os filmes, todas as músicas, tudo é retro, tudo é vintage, tudo é fetiche. E inevitavelmente uma pessoa fica vidrada no passado, a lembrar-se muito, a passar muito tempo a recordar e a recordar mal ou a recordar diferente. Eu tento sempre não chafurdar nisso [risos]. Acho de todo que não acontece, mas acaba sempre por acontecer, e não sinto que seja uma coisa muito boa em demasia, como se sente às vezes. É um bocado stressante. Mas pronto, o pessoal tinha que se ocupar nestes tempos e essa cena nunca foi tão predominante. 


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