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Publicado a: 29/05/2015

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Se no ano transacto nomes como FKA Twigs ou Arca se afirmaram como heróis improváveis num cenário onde a visão difusa de géneros amplamente familiares se mantém uma mais-valia, então estes primeiros meses de 2015 já merecem alguma atenção. Dawn Richard, Smurphy ou Jlin são somente a ponta de um icerbergue de algo maior e ainda em expansão. Sem necessidade de arriscar em futurologias, há-que perceber o que temos entre mãos neste tempo presente, aqui e agora. E o que efectivamente tem vindo a interessar, no meio de tanta novidade que diariamente brota, é a tendência de contrariar o expectável, acrescentando elementos de surpresa, humor, afirmação ou sentido de confusão intencional. Ora o jovem produtor J’Kerian Morgan tem condensado estas e outras características enquanto Lotic. Heterocetera EP é um daqueles raros objectos artísticos que se permite – e se dispõe – a várias leituras e interpretações. Uma fortíssima manobra que apenas necessita de cerca de dezassete minutos para demonstrar toda a sua pertinência e eficácia.

Membro do colectivo Janus, sediado em Berlim, Morgan e companhia têm vindo a edificar um historial de festas tão originais quanto essenciais à movida nocturna da cidade. Alterando as percepções habituais entre o underground e o comercial, o real e o virtual ou entre o homossexual e o heterossexual (atentem ao título do EP), o universo do evento acaba por ser também espelhado neste disco. Provocador, mas igualmente emocional, Lotic parece querer agitar um pouco as águas trazendo à costa alguma espécie de pureza e liberdade em que a música se afirma, afinal, como veículo privilegiado. De exercícios R&B a infusões techno, o animal mecânico de Heterocetera estranha-se e entranha-se sem avisos ou permissões. Os mais atentos deverão reconhecer o sample ultra adulterado do clássico “The Ha Dance” dos Masters At Work (imensamente mencionado nos dias que correm) logo durante os primeiros segundos do tema título. O acto de remexer na memória colectiva reforça a sua posição de enfant terrible embora possa ser entendido como um elo de ligação imediato com o ouvinte de modo a que a partida ao real desconhecido então aconteça. Apesar da toada vigorosa de ruídos e ritmos disfuncionais, o mood destes cinco temas varia entre o confrontante e o confessional com abertas melódicas deslumbrantes (no caso de “Slay” e “Underneath”).

De ambiências negras em jeito de pós-euforia e/ou pré-turpor, Lotic alinha-se com relativa facilidade à produção mais familiar da Tri Angle com afinidades a companheiros de casa como Evian Christ, Holy Other ou The Haxan Cloak, ainda que este seja o contributo inaugural para o selo nova-iorquino. Isolado de contextos, Heterocetera soa a coisa demasiado fervilhante para não ser escutada e absorvida como merece.

 

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